SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

UM ANO E MEIO DE ESPERA

Servidores do Ministério Público relatam assédio sistemático de chefias, mostra pesquisa da própria instituição; Sintrajufe/RS disponibiliza rede de apoio

Servidores e servidoras do Ministério Público, em níveis federal e estaduais, reivindicam, há um ano e meio, a criação de um programa de saúde mental junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A proposta foi protocolada no conselho em 2021, junto com a apresentação de uma pesquisa encomendada pela Comissão de Saúde da própria instituição, que buscou analisar os riscos psicossociais no Ministério Público brasileiro. As respostas relacionadas à violência psicológica e ao assédio no ambiente de trabalho indicaram recorrentes hostilidades da parte de superiores hierárquicos. Foram citados subprocuradores, procuradores e seus assessores, tanto comissionados quanto em cargos efetivos.

Intitulada “Atenção à Saúde Mental de Membros e Servidores do Ministério Público: fatores psicossociais no trabalho no contexto da pandemia de Covid-19”, a pesquisa foi concluída em outubro de 2021, quando a maioria estava em teletrabalho. Para os pesquisadores, ela mede o ambiente laboral como um todo, e as respostas podem ter sido mais francas por causa do distanciamento físico do local de trabalho.

A pesquisa foi realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e por sua fundação, a Faurgs. Foram ouvidos 4.077 integrantes do Ministério Público em 26 estados e no Distrito Federal, entre membros, servidoras e servidores efetivos e em cargos de comissão.

Depois do rito de contribuições e de ficar um tempo na mesa do relator ao longo de 2022, a proposta para a criação do programa de saúde mental voltou, no início de março deste ano, para a Comissão de Saúde para que fossem feitos ajustes a partir das sugestões apresentadas à minuta. Não há previsão de votação em plenário. A defesa do programa de saúde mental foi alvo, no ano passado, de uma campanha conjunta entre entidades estaduais e do Ministério Público da União, que abarca o organismo em nível federal.

“A gente vinha percebendo o adoecimento dos colegas, tanto por sobrecarga de tarefas quanto por causa dos assédios no ambiente de trabalho, mas todo mundo tem medo de falar por causa do risco de represália, e a gente ficava limitado”, diz Erica Oliveira, coordenadora executiva da Federação Nacional dos Servidores dos Ministérios Públicos Estaduais (Fenamp). Segundo ela, “o levantamento trouxe estatística para demonstrar a urgência em relação à questão e nos deu os dados para fazer reivindicações”.

Constrangimento emocional, assédio moral, ideação suicida

No estudo, 77,2% dos entrevistados e das entrevistadas afirmaram ter sofrido algum tipo de constrangimento emocional, sendo que 50,1% se declararam vítimas de assédio moral e 27,1% disseram que foram alvo de violência psicológica. Do total de participantes, 6,7% afirmaram já terem pensado em acabar com a própria vida.

Do total, 85% apresentaram um risco aumentado de adoecimento psicológico. À pergunta sobre se haviam iniciado algum tratamento de saúde mental após o ingresso na instituição, 42,4% responderam que sim, sendo que 16,5% afirmaram ter recorrido a um psicólogo, 6%, a um psiquiatra, e 19,9%, a ambos.

O estudo concluiu que os problemas eram ignorados pelo MP. Prevalecia a percepção, entre as servidoras e os servidores, que a melhor alternativa para manter o bom ambiente no trabalho era ficar calado. Tristeza, revolta, impotência, medo e frustração são alguns dos sentimentos listados por quem foi alvo ou testemunha de uma agressão psicológica.

A pesquisa transcreve declarações anônimas de assédio, tanto moral como sexual (leia alguns trechos abaixo). A Folha de S. Paulo também ouviu servidoras e servidores que denunciaram hostilidades na condição de não terem os nomes divulgados.

Houve relatos de importunação, como o chefe dizer constantemente a uma servidora as vantagens de sair com ele. Humilhação, como ser obrigado a catar papel no chão ou ser repreendido na frente de colegas por não atender rapidamente a uma demanda.

Inviabilização da vida profissional

O assediador pune quando é denunciado. Costuma processar o autor ou autora da denúncia, tanto na esfera administrativa quanto na Justiça, inclusive criminalmente. Mesmo que perca todos os pleitos, o acusado de assédio continua abrindo processos, inviabilizando a vida profissional de quem fez a denúncia.

Estrutura hierárquica facilita a ocorrência de assédio

De acordo com a psicóloga Silvia Generali da Costa, que participou da pesquisa, as denúncias de assédio têm crescido nas instituições públicas com estruturas mais rígidas: “O mais preocupante nos resultados no Ministério Público são os índices de adoecimento, a ideação suicida e o grau de esgotamento mental dos participantes da pesquisa”. Ela pesquisa instituições públicas e afirma que naquelas, “como Judiciário e órgãos que trabalham com socialização de jovens e adultos, o problema do assédio moral tem sido recorrente”.

Segundo Costa, a estrutura do setor público brasileiro está organizada de forma hierárquica, centralizada, com problemas de comunicação e de valorização dos servidores e das servidoras. Nos últimos anos, o ambiente se tornou mais tenso, avalia. As repartições públicas foram incentivadas a importar métricas do setor privado, cobrando metas e resultados, sem, no entanto, oferecerem a contrapartida de reforço da infraestrutura de que dispõem empresas privadas. Isso pressiona pela elevação da cobrança sobre os servidores e as servidoras.

Essa pressão, explica a psicóloga, muitas vezes se manifesta na forma de assédio: “Então, o assédio moral não é ato de um ou dois psicopatas que, por algum descuido do processo seletivo, entraram para o setor público. Não é isso”. Costa explica que “o assédio é institucional, quase uma ferramenta de trabalho. Isso se agrava em instituições como o Ministério Público, cuja estrutura é uma pirâmide, com um grupo pequeno no comando, que tem diferenças de status, poder e recompensas. Falta treinamento para gestão também. Um promotor faz concurso para trabalhar com direito, não para gerir pessoas”.

A psicóloga reforça que evidências de vulnerabilidade não deixam dúvida de que o MP precisa implantar mecanismos para aprimorar a gestão de pessoal e também para monitorar e sanar os efeitos psicológicos apontados na pesquisa. Além de capacitação de gestores, número de servidores e modernização da infraestrutura de TI, por exemplo, Costa afirma que “é preciso uma política de saúde mental e de apoio em caso de violência, com um canal, um comitê, um espaço onde o servidor possa fazer uma denúncia, e que ela seja investigada de forma isenta, pelo aspecto do grupo de trabalho, porque um dos maiores problemas do combate ao assédio é que ele é individualizado”.

CNPM fala em política unificada de saúde mental

Em nota à Folha de S. Paulo, a assessoria de comunicação do CNMP lembrou que a pesquisa foi realizada por iniciativa própria e disse que será analisada em todos os seus aspectos para embasar a construção de uma política unificada de saúde mental. O Conselho afirmou que pretende, a partir dos resultados da pesquisa, propor uma política unificada de saúde mental, considerando que cada unidade ou ramo do Ministério Público desenvolve políticas próprias nessa área.

Dentro do movimento de instalação dessa política, o CNMP destacou algumas iniciativas: “Relatório de Riscos Psicossociais no Ministério Público Brasileiro” (2021), com as principais informações sobre o levantamento, programa “Diálogos Interinstitucionais em Saúde” (2021), para debater os resultados da pesquisa; evento sobre os desafios pós-pandemia de Covid-19 para a saúde mental, com palestra do psiquiatra Augusto Cury (2023).

Depoimentos transcritos da pesquisa pela Folha de S. Paulo

“Como era um assediador que assediava todas no ambiente de trabalho, ficava incomodada pensando em quando seria minha vez novamente.”
“Fiquei muito preocupada com a chance de cair numa lotação mais difícil, principalmente com as notícias de assédio sexual. Me submeti a uma carga maior de trabalho com medo de parar num local com assédio sexual.”
“Da última vez que meu chefe passou a gritar comigo em frente aos estagiários, eu não tinha coragem nem de olhar meus filhos nos olhos…”
“Me cria revolta quando amigos e colegas são injustiçados, mas nossa instituição não nos permite muita liberdade e respaldo para questionar.”
“Apenas aumentou a minha vergonha de trabalhar na instituição que se diz defensora da sociedade, mas que submete terceirizados e comissionados constantemente a situações de abuso e desrespeito aos direitos.”
“Fiquei bem abalado, pois aconteceu comigo, isso afetou minha vida privada e familiar, algumas vezes chorava e ficava muito triste, a ponto de amigos e familiares, na época do ocorrido, sempre perguntarem se estava tudo bem comigo, quando chegava no trabalho já ficara imaginando o que iria acontecer. Apesar de sempre receber ameaças, graças a Deus essas pessoas saíram do meu setor, pois além de me causar sofrimento, deixavam o ambiente de trabalho pesado.”

Sintrajufe/RS acompanha casos de assédio na categoria e tem equipe qualificada para acolhimento às vítimas

O sindicato acompanha casos de assédio nos órgãos do Judiciário Federal e do Ministério Público da União (MPU) no estado e orienta as vítimas.

O Sintrajufe/RS procura, cada vez mais, qualificar as equipes jurídica e de saúde (que conta com médico do trabalho, psiquiatra e psicóloga) para receberem as denúncias com a escuta e o acolhimento necessários. O sindicato defende que é preciso tirar da invisibilidade os casos e acabar com a prática do assédio – em suas várias manifestações – no Judiciário Federal e no MPU.

O contato pode ser feito pelos e-mails saude@sintrajufe.org.br e juridico@sintrajufe.org.br ou pelo telefone (51) 3235-1977.

Fonte: Folha de S. Paulo