No último sábado, 25, uma assembleia reunindo mais de 4 mil educadores e educadoras do Paraná aprovou greve da categoria a partir do dia 3 de junho. O movimento tem como objetivo combater o projeto do governo do estado, do governador Ratinho Jr. (PSD), para privatizar a gestão de 200 escolas da rede pública.
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Na sexta, o governo divulgou a lista das escolas afetadas pelo projeto, que foi enviado à Assembleia Legislativa na segunda-feira, 27. Trata-se do “Parceiros da Escola”, por meio do qual as gestões administrativa e financeira dessas escolas serão repassadas a “empresas com expertise em gestão educacional”, embora o governo ainda não tenha explicado que tipo de seleção será feita.
O governo estadual garante que, antes do fechamento dos contratos, as propostas passarão por meio de consulta pública junto à comunidade escolar. A Associação dos Professores do Paraná (APP-Sindicato), que representa educadores e educadores, explica que, inicialmente, o objetivo da mobilização é que o projeto seja retirado de pauta. Caso seja mantido, a luta será pela rejeição da medida pelas comunidades, já que a proposta deverá incluir a consulta pública de cada caso junto à respectiva comunidade escolar. A greve terá início no dia 3 e, no dia 4, haverá ato público em Curitiba, durante sessão da Assembleia Legislativa.
Conforme a presidente da APP-Sindicato, Walkiria Olegário Mazet, o projeto representa “o fim da escola pública, talvez essa seja a luta das últimas décadas mais importante para nós. Fazemos luta todo ano, defendemos uma escola pública de qualidade todo ano, mas nunca nos deparamos com um projeto que acaba com a escola pública. Se este programa for aprovado e implantado nas escolas, nós vamos, a cada dia, travar uma luta para manter uma escola aberta”.
Contratação de professores temporários e “critérios e metas estabelecidos pelo parceiro”
Segundo a Secretaria de Educação, a empresa ficará responsável pela segurança das escolas, administração, gestão de mobiliário, fornecimento de internet e seleção e contratação de professores temporários. Ainda, o projeto define que “os profissionais efetivos lotados nas instituições de ensino do programa Parceiro da Escola deverão atender a critérios e metas estabelecidos pelo parceiro contratado em conjunto com o diretor da rede” – mas também não estão esclarecidos quais serão os critérios e metas a que os trabalhadores e trabalhadoras deverão atender. Ou seja, tudo aponta para a implementação, nas escolas, de lógica empresarial, com risco de demissão e realocação de educadores e educadoras a depender das escolhas que a gestão privada fará e possível substituição crescente de concursados por temporários.
Duas escolas já implementaram modelo: sindicato aponta que resultados e custos são preocupantes
O governo deu início ao projeto de privatização nesse formato no final de 2022, com a tentativa de aplicá-lo em 29 escolas. Porém, foi rejeitado em 27, sendo, então, implementado no início de 2023, em duas escolas: o Colégio Estadual Anibal Kury, em Curitiba, e o Colégio Estadual Anita Canet, em São José dos Pinhais. Conforme a APP-Sindicato, essa implementação entregou cerca de R$ 200 milhões ao ano às empresas contempladas, e logo as unidades começaram a apresentar reclamações, principalmente em relação a falta de investimento na estrutura.
Embora o governo afirme que não haverá “custos adicionais”, a APP-Sindicato apresenta um cálculo preocupante. Matéria publicada no site da entidade explica o repasse de recursos públicos ao setor privado: “Com a nova privatização, se bem sucedida, o governo entregará R$ 800/mês por aluno matriculado, um valor que irá para o bolso de empresários e acionistas de empresas ligadas à educação. Na última terça-feira (21), o deputado estadual Professor Lemos (PT) apontou que, se todas as escolas tivessem seus serviços administrativos terceirizados e esse valor por aluno fosse repassado às empresas, todo o orçamento estadual da Educação seria consumido”.
São Paulo e Minas Gerais seguem a mesma linha com Tarcísio de Freitas (REP) e Romeu Zema (Novo); e um personagem se repete
Em 2022, o projeto foi implementado no Paraná pelo então secretário de Educação do estado, Renato Feder. O mesmo Feder promoveu uma das maiores ampliações de escolas cívico-militares do país, com quase 200 escolas estaduais passando a ter o modelo defendido por Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores.
No início de 2023, Feder assumiu a mesma pasta em São Paulo, no governo de Tarcísio de Freitas (REP). E, em abril daquele ano, anunciou que o estado daria início a projeto semelhante, com leilão para empresas privadas construírem e gerirem de 33 escolas estaduais previsto para novembro. O argumento é o mesmo utilizado no Paraná: “liberar a direção da escola de tarefas burocráticas, permitindo maior dedicação às questões pedagógicas”. As concessões serão por 25 anos.
Desde 2003, Renato Feder é sócio da Multilaser, empresa do segmento de eletroeletrônicos e informática. Em agosto de 2023, apuração do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que, com Feder já secretário de Educação de São Paulo e ainda detendo 28,16% das ações da Multilaser, a empresa fechou pelo menos três contratos com o governo do estado. Além disso, a Multilaser fechou contratos de R$ 76 milhões com a Secretaria da Educação em dezembro de 2022, quando Feder já havia sido anunciado para o cargo. No total, R$ 200 milhões em contratos relacionados à aquisição de notebooks ainda seguiam vigentes na pasta em agosto de 2023, conforme matéria do portal Uol.
Com Feder na Secretaria de Educação, o governo de SP também recusou, pela primeira vez na história, os livros do Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD) para 2024 nas turmas do ensino fundamental 2. O material é alinhado à Base Nacional Comum Curricular, que norteia o que os alunos devem aprender. O secretário disse que os materiais eram “superficiais” e “rasos”, mas não explicou como essa avaliação foi feita e não deu exemplos, conforme matéria do Uol.
CNTE divulga nota: “principal ameaça à educação pública brasileira nos últimos anos”
Nesta terça-feira, 28, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) divulgou nota sobre o projeto e sua possível aplicação tanto no Paraná quanto em São Paulo e Minas Gerais. “Trata-se da principal ameaça à educação pública brasileira dos últimos anos. Na impossibilidade de ampliar o mercado das escolas privadas na educação básica, como se deu no setor do ensino superior brasileiro na década dos anos de 1990, os privatistas da educação se voltam agora para a educação das redes de ensino estaduais e, não nos espantemos, logo em breve, também para as escolas municipais. O interesse não está na melhoria da educação para nosso povo, mas sim nos vultosos recursos que hoje são destinados aos orçamentos públicos da educação brasileira”, denuncia a nota.
O texto também faz referência a iniciativas semelhantes no estado de São Paulo e o apoio à ideia manifestado pelo governo de Minas Gerais, ambos geridos por gestores “alinhados ao projeto de extrema-direita derrotado nas últimas eleições presidenciais do país”.
Com informações da APP-Sindicato, portal Terra, Carta Capital, Uol, Estadão e G1
Foto: App Sindicato