Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou minuta para proposta de regulamentação da utilização de inteligência artificial no Poder Judiciário. A pedido da Fenajufe, o escritório de advocacia Cezar Britto Advogados Associados, que atua junto à federação como assessoria jurídica nacional (AJN), produziu um parecer avaliando a minuta da perspectiva das implicações para os servidores e servidoras e para o Judiciário como um todo.
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O parecer elenca iniciativas do Judiciário na área de inteligência artificial (IA) e aponta que esse tipo de instrumento pode ser importante para reduzir a sobrecarga de trabalho, mas pondera que há desafios que devem ser enfrentados via regulamentação para garantir transparência e responsabilidade, “não comprometer a própria confiança pública na justiça e garantir a manutenção dos pactos sociais e a preservação das relações humanas no ambiente de trabalho”.
Conforme a AJN, o texto do CNJ demonstra preocupação com a garantia de que a utilização de IA “esteja alinhada com valores éticos fundamentais como a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos, a não-discriminação, a transparência e a responsabilização”. Por outro lado, o parecer adverte que faltam previsões relacionadas à garantia aos servidores e servidoras de infraestrutura tecnológica adequada, “de modo que o uso das ferramentas de Inteligência Artificial seja um facilitador do trabalho, e não um fardo”. Em relação ao acesso à Justiça, o parecer lembra que, se por um lado a IA pode ser uma facilitadora, é preciso garantir mecanismos que não aprofundem a exclusão digital.
Ainda no que se refere aos servidores e servidoras, a AJN defende que seja feita uma reflexão aprofundada para que a implementação dessas tecnologias não resulte na desvalorização ou na diminuição do quadro. Nesse sentido, a inteligência artificial deve ter caráter “auxiliar e complementar”, preservando a autonomia do servidor, diz o parecer, que aponta ainda que a tecnologia pode otimizar processos, mas não substituir um corpo técnico capacidade, de forma que o Judiciário deve promover a formação contínua e adaptação de servidores e servidoras às novas tecnologias: “Desse modo, a regulamentação deve prever a segurança no emprego dos servidores, garantindo que a implementação da IA não resulte em demissões arbitrárias ou desvalorização do trabalho humano, abordando a intersecção entre a tecnologia e as atribuições dos(as) servidores(as), minimizando conflitos de interesse e garantindo que a máquina atue como uma ferramenta de apoio, e não como um elemento gerador de disputas internas”, destaca, defendendo ainda que nenhum sistema que utilize IA seja autônomo na tomada de decisões, passando sempre pela verificação e validação humana.
O parecer observa, entretanto, que não há preocupação expressa na minuta “quanto aos desafios dessa supervisão humana, em especial no que se refere à perda de consciência situacional, que podem ser precedidas por julgamento e decisões incorretas, ocorrência de erros e aumento da carga mental; confiança excessiva pelo viés de automação; e insuficiência em modelos avançados. Desse modo, se observa necessária a criação de uma estratégia de supervisão efetiva, analisando-se os novos processos de tomada de decisão, com a criação de mecanismos que garantam ampliação da habilidade de usar eficientemente a tecnologia a favor do Poder Judiciário”. Também critica a “ausência de previsão no que se refere à constante formação de mão de obra qualificada, investimento este cuja responsabilidade deve ser do Poder Judiciário”. E conclui que “é imperativo, que qualquer iniciativa de implementação de tecnologia não apenas busque a eficiência processual, mas também respeite os direitos e garantias fundamentais, promovendo um ambiente de trabalho que priorize a capacitação e o bem-estar dos profissionais do Judiciário.”
Soberania nacional deve estar entre as preocupações de todos
Desde que teve início o debate sobre IA no Judiciário, o Sintrajufe/RS tem alertado para mais uma questão que passou ao largo das discussões no CNJ: a questão da soberania nacional. A possibilidade de que as gigantes globais de tecnologia participem da construção, do funcionamento e da manutenção desses instrumentos preocupa na medida em que repassa ao setor privado, com interesses próprios, mecanismos centrais do Judiciário, tanto no que se refere à segurança dos dados e à soberania quanto em relação aos direcionamentos dos processos. São servidores concursados e servidoras concursadas, com capacitação para isso, que garantem o bom funcionamento do Judiciário, livre de influências desse tipo. Para defender-se dessa ameaça, portanto, o Judiciário precisa desenvolver suas próprias tecnologias.
Um caso que demonstra esse risco é o do incidente recente envolvendo o X (antigo Twitter). O que se vê é um avanço geopolítico das gigantes de tecnologia que tentam exercer influência sobre os países, a ponto de desrespeitar deliberadamente a legislação nacional. Assim, esse tema também deve estar no centro das preocupações do Judiciário e daqueles que defendem um país soberano.