SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

POR MAIS DE DEZ ANOS

Volkswagen se retira de negociação com o MPT envolvendo trabalho escravo em fazenda da empresa no Pará

O Ministério Público do Trabalho (MPT) informou que, na quarta-feira, 29, a Volkswagen afirmou não ter interesse em firmar acordo com o órgão para discutir reparação a centenas de pessoas, por trabalho escravo praticado na Fazenda Vale do Rio Cristalino (Fazenda Volkswagen), no Pará. A empresa se retirou da mesa de negociação que envolvia o pagamento de R$ 165 milhões em indenizações a 14 trabalhadores identificados como ví­timas, às centenas de outros escravizados que teriam que ser localizados para serem indenizados e às famí­lias dos que foram assassinados, segundo relato de trabalhadores.

Na fazenda, de cerca de 140 mil hectares, trabalhadores viviam em situação degradante de trabalho, sob violência e violações de direitos humanos. De acordo com as investigações, as violações incluiriam falta de tratamento médico nos casos de malária, impedimento de saí­da do local, em razão de vigilância armada ou de dí­vidas contraí­das (servidão por dí­vidas), alojamentos instalados em locais insalubres, falta de acesso à água potável e alimentação precária.

Dossiê do padre Ricardo Rezende Figueira, que deu origem às investigações, aponta ainda estupro, violência fí­sica e tortura. O documento com mais de 600 páginas foi repassado ao procurador Rafael Garcia, do Ministério Público do Trabalho, em 2019. Depois de novas investigações, o MPT intimou a Volkswagen para conversar e tentar uma solução, talvez amigável. A primeira audiência ocorreu em junho de 2022.

Segundo o MPT, a postura da Volkswagen contraria seu discurso de compromisso com o paí­s e com os direitos humanos, pois se trata de uma graví­ssima violação que ocorreu durante mais de 10 anos com a sua participação direta . O órgão assegura que adotará todas as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias para a efetiva reparação dos danos gerados pela empresa.

Nos anos em que aconteceram os fatos, entre as décadas de 1970 e 1980, o empreendimento contou com recursos públicos e benefí­cios fiscais que ajudaram a alavancar o negócio de criação de gado, tornando-o um dos maiores polos do setor. Para o MPT, isso acentua a necessidade de reparação à sociedade brasileira: Os trabalhadores que tiveram sua dignidade agredida, sua liberdade cerceada e a própria sociedade brasileira, na opinião do grupo de procuradores que investigou a empresa, mereciam um tratamento mais respeitoso e a reparação de todos os danos causados, com consequências até os dias de hoje .

Direção da Volkswagen tinha conhecimento

Ricardo Rezende Figueira conta que eram milhares de trabalhadores em regime de escravidão, recrutados sobretudo no Nordeste e no Centro-Oeste, para as atividades temporárias, como derrubar a floresta, lançar fogo na mata, plantar capim e construir as instalações da fazenda. As condições de vida e de trabalho eram degradantes, além de ser um trabalho exaustivo .

Nos anos 1980, Figueira trabalhava para a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e, atualmente, coordena um grupo de pesquisa sobre o trabalho escravo contemporâneo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em entrevista à Deutsche Welle, ele disse ter certeza de que a direção da Volkswagen tinha conhecimento do que se passava no local; pelo menos passou a ter a partir de 1983, ano em que a Iniciativa Brasileira, de Freiburg, e a Anistia Internacional trocaram correspondências com a direção da empresa na Alemanha sobre as denúncias e a imprensa alemã publicou matérias a respeito.

Naquele ano, três trabalhadores conseguiram escapar e falaram com Figueira, que denunciou os crimes em entrevista coletiva em Brasí­lia. Depois disso, ele foi convidado a visitar o local, com a direção da Volks no Brasil e deputados, e afirma que havia evidências enormes do crime acontecendo. Havia cumplicidade com os crimes . Se não havia problema, questiona, por que os trabalhadores foram escondidos, assim como os alojamentos, as condições de trabalho? Eles tratavam os trabalhadores de forma incomparavelmente pior do que tratavam o gado. Para o gado, havia boa alimentação, bons pastos, veterinário, pesquisa cientí­fica. Para os trabalhadores, não havia nada , destaca Figueira.

Figueira explica que as denúncias se deram no perí­odo militar, e faltavam as condições sociais e polí­ticas , mas atualmente o contexto é diferente, é favorável a essa ação. Temos um novo poder Judiciário, uma nova leva de procuradores . Por isso, espera que a Volkswagen pague indenização aos trabalhadores individualmente e também por dano moral coletivo: O crime é contra indiví­duos e é contra o paí­s .

Trabalho escravo em campos de concentração nazistas e tortura em fábricas durante ditadura no Brasil

A Volkswagen foi criada em 1937 pela Deutsche Arbeitsfront, a organização sindical nazista. Durante a Segunda Guerra, produziu veí­culos para o exército alemão usando mais de 15 mil trabalhadores e trabalhadoras escravizados, presos em campos de concentração. Em 1998, os sobreviventes processaram a montadora, que criou um fundo de restituição.

A empresa chegou ao Brasil em 1955 e sempre contou com incentivos governamentais. Em 1964, era uma das maiores empresas no paí­s e o então presidente da subsidiária brasileira era um ex-filiado ao partido nazista, Friedrich Schultz-Wenk. Durante a ditadura civil-militar, a Volks não foi apenas beneficiada, mas colaborou com o regime, denunciando sindicalistas e permitindo prisões e torturas em suas dependências.

A história sobre o que ocorria na fazenda já foi objeto de pelo menos duas publicações. Em 2017, o historiador suí­ço Antoine Acker lançou o livro Volkswagen in the Amazon: The Tragedy of Global Development in Modern Brazil (Volkswagen na Amazônia: a tragédia do desenvolvimento global no Brasil moderno, em tradução livre); em 2021, foi a vez de Escravidão na Amazônia: quatro décadas de depoimentos de fugitivos e libertos , do padre e antropólogo brasileiro Ricardo Rezende Figueira.

O documentário Cúmplices?A Volkswagen e a Ditadura Militar no Brasil , mostra a colaboração da empresa com o regime de exceção.

Com informações de MPT, Deutsche Welle e BBC