Nessa quarta-feira, 24, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), deu declarações que à primeira vista parecem críticas à discussão sobre a PEC 10/2023 (quinquênios para magistratura e membros do Ministério Público) no Senado. Contudo, um olhar mais atento à fala de Lira mostra o contrário, o presidente da Câmara na verdade aponta uma via de aprovação do projeto preservando seu objetivo original.
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Lira tratou do tema durante evento da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil. Em sua fala, fez críticas às modificações realizadas na proposta no início de sua tramitação no Senado. Inicialmente alcançando apenas juízes e membros do Ministério Público, a PEC foi alterada para incluir defensores públicos, delegados da Polícia Federal e membros da advocacia da União, dos estados e do Distrito Federal. Também foi inclusa uma armadilha para buscar o apoio de servidores e servidoras (entenda abaixo).
Em sua fala, Lira disse acreditar que, se aprovada como está no Senado, na Câmara a PEC “vai ter muitas resistências. Não estou aqui para fazer críticas ao Senado, mas alguns projetos que tramitaram no senado nos trouxeram algumas situações de despesas”. Lira se disse preocupado com o custo do projeto, mas, a seguir, avaliou que o objetivo do projeto é valorizar a magistratura para “manter juízes idôneos nos cargos”. E deu a senha para o Senado sobre o que deve ser feito: para tratar de “salário de juiz e algumas leis sobre a magistratura, não é abrindo o benefício para todas as carreiras que vai se resolver”, opinou.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por sua vez, reforça a via de aprovação apresentada por Lira justificando que “o orçamento é do Judiciário, que vai aplicar para essa estruturação. Nosso projeto de déficit zero, de equilíbrio das contas públicas, não é afetado”.
Ao mesmo tempo em que defende os quinquênios como forma de “manter juízes idôneos”, é Lira quem opera, apenas em 2024, a distribuição de cerca de R$ 50 bilhões em emendas parlamentares. Também é o presidente da Câmara um dos defensores mais entusiasmados da proposta de emenda à Constituição (PEC) 32/2020, da reforma administrativa, que prejudica a prestação dos serviços públicos e retira direitos de 10 milhões de servidores públicos.
Armadilha para contar com apoio de servidores e servidoras é demonstrada pelo tratamento diferente
Enquanto para magistrados e membros do MP a proposta garante o pagamento dos quinquênios, para servidores e servidoras foi incluído apenas uma possibilidade, com o acréscimo no texto de trecho que define que o ATS poderá ser pago “por decisão do respectivo Poder”. Veja abaixo a diferença dos artigos que tratam dos magistrados e dos servidores:
Para os magistrados… jus à parcela “Os magistrados fazem jus à parcela compensatória mensal de valorização por tempo de exercício, não sujeita ao limite previsto no art. 37, XI, calculada na razão de cinco por cento do respectivo subsídio a cada cinco anos de efetivo exercício em atividade jurídica, até o máximo de trinta e cinco por cento.” Para os servidores… decisão do Poder “Os servidores das carreiras da instituição de que trata este artigo, bem como das carreiras jurídicas de qualquer dos Poderes da União, que, por previsão constitucional ou das respectivas leis de regência, sejam impedidos ou optem por não exercer a advocacia privada, poderão, por decisão do respectivo Poder em cada caso, fazer jus a parcela compensatória mensal de valorização por tempo de exercício, não sujeita ao limite previsto no art. 37, XI, calculada na razão de cinco por cento do respectivo subsídio a cada cinco anos de efetivo exercício em atividade jurídica, até o máximo de trinta e cinco por cento, desde que haja previsão orçamentária para fazer frente à despesa.” |
“O orçamento é o do próprio Judiciário”, diz Pacheco; novos pagamentos a juízes já causam prejuízos a servidores
Nessa terça-feira, Pacheco disse que o gasto com os quinquênios, estimado em R$ 82 bilhões em três anos, não afetará o “equilíbrio das contas públicas”. Isso porque “o orçamento é o do próprio Judiciário”. O impacto, portanto, será sobre o orçamento desse Poder, que já vem sofrendo com autoconcessões de benefícios pela magistratura, como a “licença compensatória” (um dia de folga para cada três dias de exercício ou o equivalente em pecúnia). O Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) enviou, no início do ano, aos tribunais regionais, um ofício no qual aponta disponibilidade de recursos para gastos como esse, mas orienta a contenção de outras despesas. Os efeitos já começaram a ser sentidos com a falta de pagamento de benefícios a que servidores e servidoras já têm direito garantido, na Justiça do Trabalho.
O Sintrajufe/RS vem há muito tempo alertando que a criação de benefícios autoconcedidos pela magistratura consumiria os recursos de todo o Judiciário, na medida em que não há orçamento próprio para esses pagamentos. Rapidamente já começamos a sentir os efeitos dessas medidas. E a situação pode se agravar: se o pagamento imediato de férias dos servidores e das servidoras que se aposentam já está em risco, o que dizer da nomeação de novos servidores e servidoras para vagas abertas ou da antecipação da revisão salarial prevista para fevereiro de 2025, medida necessária para reduzir as perdas acumuladas por mais de quatro anos de congelamento? Ao mesmo tempo, esse “cobertor curto” faz aumentar a pressão para que “soluções criativas” sejam implementadas em detrimento da realização de concursos públicos e da valorização de servidores e servidoras. São exemplos desse processo as terceirizações e a contratação de “residentes jurídicos” por uma fração de um salário de um técnico ou analista concursado, numa evidente substituição de mão de obra.