SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

GRITO POLÍTICO DE REVOLTA

60 anos depois do golpe, conheça a história do juiz que, em 1978, condenou a ditadura em pleno AI-5

Nesta semana completam-se 60 anos do golpe que, em 1964, mergulhou o Brasil em uma ditadura que duraria duas décadas e deixaria reflexos que perduram ainda hoje na democracia, nas instituições e na sociedade brasileira. À época, a cúpula do Judiciário foi conivente com o golpe e com a ditadura instalada, mas há casos exemplares de resistência e coragem. Um desses casos, uma história pouco conhecida, é o do juiz federal Márcio José de Moraes, que, em 1978, condenou a União pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog.

Atualmente aposentado, Márcio José de Moraes foi presidente do TRF3 de 2001 a 2003. Ele formou-se Bacharel em Ciências Jurí­dicas e Sociais pela Universidade de São Paulo, tendo ingressado na magistratura federal em 1976.

Vladimir Herzog
Vladimir Herzog

Em 2005, quando a morte de Herzog completava 30 anos, o juiz concedeu entrevista ao jornal Folha de S. Paulo na qual tratou das pressões sofridas durante o julgamento da ação. Márcio José de Moraes contou que tinha dificuldades em acreditar que havia tortura e assassinatos durante a ditadura, até que houve o caso de Herzog, quando, já ao ouvir as primeiras notí­cias, ficou absolutamente claro, para mim, que, na verdade, ele morreu torturado . Com isso, Moraes conta que caiu por terra a resistência que eu tinha em acreditar que a ditadura estava perseguindo, prendendo, matando prisioneiros polí­ticos. Percebi claramente que tudo era verdade. Tive uma certa crise de consciência, por não ter participado politicamente para tentar evitar que aquilo acontecesse .

Em 1978, após um mandado de segurança impedir o juiz original de ler a sentençao governo acreditava que, por estar próximo à aposentadoria compulsória, esse juiz condenaria a União “, Márcio de Moraes foi designado para a ação. Então, as pressões começaram: Ficou muito claro para todo o mundo na Justiça Federal que a aposta do governo militar foi exatamente entregar o caso a um juiz mais novo, que, em função de carreira, e do clima, tinha muito mais a perder , conta Moraes.

Coragem mesmo sob o AI-5: uma espécie de grito polí­tico, de revolta contra a ditadura

O Ato Institucional nº 5 estava em vigor e o juiz chegou a ser aconselhado a esperar o fim de sua vigência, em 1979. Além disso, temia por sua segurança e a da sua famí­lia, que acabou enviada para o interior para reduzir a exposição. Por outro lado, pesou para Moraes um certo incômodo com sua própria postura no perí­odo anterior: Quando eu percebi que aqueles anos eu tinha sido quase um alienado polí­tico, queria exercer esse caso com toda a liberdade de um juiz que quer melhorar seu paí­s , disse na entrevista à Folha.

Então, mesmo contra conselhos recebidos de amigos e colegas, decidiu não esperar, já que a sentença estava pronta: Dei a sentença com o AI-5 em vigor. Essa visão eu me orgulho de ter tido. Seria uma reação, um grito de independência do Poder Judiciário. Já tinha formado a minha convicção, iria condenar a União. O gesto só teria valor, como uma espécie de grito polí­tico, de revolta contra a ditadura, se fosse dado sob o clima da ditadura, sob o AI-5 .

E essa sentença foi corajosa: Primeiro, eu anulei o laudo [que falava em suicí­dio]. Segundo, valorizei as provas para mostrar que havia tortura naquelas circunstâncias. Terceiro, determinei a abertura de Inquérito Policial Militar para verificar os responsáveis, todas as autoridades policiais e militares que se encontravam no local e que foram responsáveis pela tortura .

Quem foi Vladimir Herzog

O jornalista Vladimir Herzog foi torturado e assassinado pela ditadura em 1975. Na época, ele dirigia o de departamento de telejornalismo da TV Cultura. Antes, trabalhara em diversos veí­culos de imprensa do Brasil e do exterior, como o jornal O Estado de S. Paulo e a BBC. Também foi professor de jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da USP. Politicamente, militou no Partido Comunista Brasileiro na resistência à ditadura.

Em 24 de outubro de 1975, foi chamado para prestar esclarecimentos na sede do DOI-Codi sobre suas ligações com o PCB. Sofreu torturas e, no dia seguinte, foi morto. A versão oficial da época, apresentada pelos militares, foi a de que Herzog teria se enforcado com um cinto. Porém, diversos testemunhos demonstraram, posteriormente, o assassinato sob tortura.