Está em tramitação no Congresso um projeto de lei que pretende privatizar os serviços de execução, abrindo caminho para a redução ou mesmo extinção das atividades dos oficiais e oficialas de justiça. Trata-se do PL 6.204/2019, de autoria da senadora Soraya Thronicke (PSL-MS).
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O projeto de lei determina que o tabelião de protesto terá o cargo de “agente de execução”, com atribuições que hoje são exclusivas dos oficiais e oficialas de justiça, como a localização na base de dados para a localização do devedor e patrimônio, efetuar citação, penhora e avaliação de bens, realizar atos de expropriação, extinguir ou suspender a execução, entre outras. Também julgará incidentes do procedimento, à exceção dos embargos do devedor, que deverão voltar ao juízo. A senadora defende que as mudanças iriam “simplificar e desburocratizar” a execução de títulos civis.
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O projeto tramita atualmente na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, aguardando a designação do relator. Essa situação se mantém desde maio de 2020, mas há preocupação no sentido de que, com o avanço da reforma administrativa e da agenda de privatização do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), o PL possa voltar a andar no Congresso.
A diretora do Sintrajufe/RS Cristina Viana, oficiala de justiça, aponta que “já é possível ver que a desburocratização atribuída a tal forma de execução, em que o processo vai e volta do Judiciário, não é real. O fato de o agente de execução ter poderes para suspender ou extinguir o procedimento mistura atribuições hoje do juiz e dos oficiais de justiça”, critica. Para ela, o projeto representa “mais um ataque aos serviços públicos e traz prejuízos à população, com o avanço da iniciativa privada na prestação dos serviços”. Em relação à alegada economia, Cristina lembra que “o próprio projeto prevê o treinamento dos agentes de execução e seus prepostos pelo CNJ, ou seja, o que nos parece é que a ideia é compartilhar os bônus e privatizar os resultados positivos, razão pela qual há interesse em assumir essa tarefa, típica do Estado”. A dirigente avalia que “a população terá prejuízo, na medida em que perde um serviço que é público e imparcial, além de haver um estímulo à corrupção, visto que os agentes privados não possuem as garantias dos servidores públicos, sendo possível que quem pagar mais tenha mais agilidade nas suas execuções, por exemplo”. Assim, resume, “trata-se de mais um ataque ao serviço público e aos servidores e servidoras, retirada de atribuições das e dos oficiais de justiça e a tentativa de privatização de serviços típicos do Estado para melhorar a economia, que vem na onda da PEC 32/2020”.
Também diretora do sindicato e oficiala de justiça, Clarice Camargo lembra que “essa é uma matéria polêmica e que não é nova. De tempos em tempos, ela surge no Congresso: ora um deputado, ora outra deputada, traz essa discussão, mas a gente não vê isso evoluir em projeto nenhum. Há mais de vinte anos eu ouço falar nesse tipo de tentativa. É uma matéria que é complicada no Legislativo e no próprio Judiciário. O Judiciário não quer abrir mão de competência. A competência da execução hoje representa grande parte da Justiça Federal. E o Legislativo, por sua vez, não vai agilizar uma forma de cobrança de dívidas – e é isso o que esse projeto, no fim, pretende, que haja uma agilização do fisco na cobrança de dívidas e impostos federais. Nós sabemos que isso é algo que vai de encontro aos objetivos desses deputados, todos eles grandes empresários, e que não querem ver uma execução rápida, eficaz, efetiva. Para eles, interessa que seja demorada, que a Fazenda leve anos para fazer uma execução. Então, acho que é um projeto que requer o nosso cuidado, se fosse realmente levado a cabo, tiraria muitas das atribuições dos oficiais, mas não é algo que está logo no nosso horizonte. É algo que precisamos acompanhar, combater, mas ainda não temos nada de concreto. E mesmo sendo algo feito administrativamente, em algum momento irá cair no Judiciário, na medida em que os interesses são opostos nas partes envolvidas, e necessariamente deverá ter a intervenção de um juiz nesses inúmeros casos que existem de cobranças de dívidas federais junto aos empresários, sejam eles grandes, pequenos ou médios”.
Está aberta, no site do Senado, consulta pública sobre o PL 6.204. Acesse AQUI e vote NÃO.