O resgate de 207 trabalhadores que estavam em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves segue trazendo revelações sobre a situação na qual se encontravam. Em depoimentos, alguns desses trabalhadores denunciaram até mesmo a participação de policiais militares no esquema, com agressões e ameaças a quem reclamasse das condições em que estavam vivendo e trabalhando.
Notícias Relacionadas
Entenda o caso
O caso só foi descoberto porque um grupo conseguiu fugir e fazer a denúncia à Polícia Rodoviária Federal (PRF). Segundo a PRF, três trabalhadores procuraram os policiais na Unidade Operacional da PRF em Caxias do Sul e informaram que tinham acabado de fugir de um alojamento em que eram mantidos contra sua vontade. Eram cerca de 200 trabalhadores atuando para uma empresa terceirizada que prestava serviços a vinícolas como a Salton, a Aurora e a Garibaldi. Eles recebiam comida estragada, tinham de trabalhar com roupas molhadas, sem banho quente, e eram obrigados a realizar compras apenas em um mercadinho, com produtos superfaturados e o valor descontado dos salários, o que gerava dívidas dos trabalhadores com o aliciador, pretexto por meio do qual eram impedidos de deixar o local, sob ameaças a eles próprios e aos familiares que vivem na Bahia. Os trabalhadores também relataram terem sido vítimas de violência física.
Policiais tinham acordo com dono do alojamento, disseram resgatados
Reportagem do jornal Pioneiro conta que os trabalhadores que conseguiram escapar e denunciar o esquema à PRF imploraram que a Brigada Militar não fosse acionada., por medo de represálias. Nos depoimentos, eles denunciaram que alguns policiais teriam um acordo com o dono do alojamento, sendo chamados mesmo estando de serviço, uniformizados, para resolver problemas relativos a queixas ou brigas entre os trabalhadores. Alguns desses PMs teriam usado de armas de choque elétrico e cassetetes para agredir quem reclamasse. Ameaças de morte também foram denunciadas.
Um trabalhador contou que ele e outros colegas foram espancados por seguranças com uma cadeira de ferro. Entre os seguranças, estariam policiais militares. Um desses policiais, identificado pelos trabalhadores como sargento , teria dito que quem reclamasse ou filmasse as condições da pousada seria morto . Um trabalhador denunciou que outros que reclamaram já teriam sido assassinados. Nos relatos, são mencionados dois soldados, mas o número pode ser maior, já que há outros indícios de que policiais fariam serviço particular para empresários da região.
Os depoimentos estão sendo encaminhados para a Polícia Federal e a Brigada Militar. A Corregedoria da Brigada Militar está investigando a participação dos policiais no caso.
Ministério tem mesmo quadro de 25 anos atrás
A precarização vivida nos últimos anos pelo conjunto do serviço público também atinge o Ministério do Trabalho e Emprego, responsável pelas fiscalizações de combate ao trabalho análogo à escravidão, de forma que operações como a de Bento Gonçalves não dependam de fugas de trabalhadores. A situação no órgão é de grave falta de servidores e servidoras. Conforme o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), o último concurso foi realizado em 2013, com apenas 100 vagas, que não foram todas preenchidas até agora. Dessa forma, cerca de 40% do quadro está vago, com quase 1.500 vagas em aberto. Ainda conforme o Sinait, a carreira da Auditoria-Fiscal do Trabalho está operando no limite, com menos de 2 mil auditores em atividade, o mesmo quadro de 25 anos atrás. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, em reunião com o Sinait neste mês, disse que está buscando viabilizar a realização de um concurso o quanto antes, se possível ainda neste ano.
Parte do problema é oriundo da emenda constitucional (EC) 95/2016, do teto de gastos, que congela os gastos públicos por vinte anos. Tanto para a contratação de fiscais quanto para outros servidores e servidoras dos demais órgãos públicos, a EC 95 impede o suprimento de cargos vagos, prejudicando a qualidade dos mais diversos serviços públicos dos quais a população necessita, incluindo a fiscalização de direitos trabalhistas. Assim, a revogação da EC 95 é uma necessidade para que o serviço público seja fortalecido e passe a atender às necessidades da sociedade brasileira.
Com informações da CUT/RS, do jornal Pioneiro e do portal G1