Nessa terça-feira, 12, a 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por 3 votos a 2, que não configura estupro de vulnerável o relacionamento entre um homem de 20 anos e uma menina de 12 anos, que resultou em uma gravidez. O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, citou uma suposta ignorância do homem sobre estar cometendo um crime e a geração de um bebê como justificativas para não manter a condenação por estupro de vulnerável, mesmo que o crime esteja tipificado no Código Penal. Para a ministra Daniela Teixeira e para o ministro Messod Azulay, que votaram contra o relator, a decisão do STJ abre precedentes perigosos.
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De acordo com a denúncia, o réu, na época com 20 anos, passou a se relacionar com a vítima, então com apenas 12 anos. O acusado passou a buscar a menina na porta da escola, fazendo-a abandonar as aulas. Posteriormente, ela descobriu estar grávida.
Em 1º grau, o homem foi condenado à pena de 11 anos e 3 meses de reclusão em regime inicial fechado pela prática de estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal). A defesa recorreu da sentença, alegando que o réu não sabia que estava cometendo um crime. O TJ-MG absolveu o acusado e, por isso, o MP-MG recorreu ao STJ buscando restaurar a condenação. Como o STJ negou o recurso, a sentença de 1a instância foi anulada.
Ignorância do homem
Em seu voto, o relator, Reynaldo Soares da Fonseca, enfatizou que uma criança com menos de 14 anos não está em condições de ter um relacionamento amoroso, pois deve dedicar-se ao seu desenvolvimento educacional e lúdico. Contudo, fez uma ponderação aplicando a prioridade absoluta feita pelo legislador ordinário que é a primeira infância. Já nasceu a criança, houve a união estável e a realidade da vida nos mostra que houve sim uma união por antecipação, lamentavelmente, de uma menor de 14 anos com um rapaz de 20 anos trabalhador rural e vindo do interior de Minas Gerais. As Minas Gerais, como se sabe, é a síntese do país porque tem contato com todas as regiões do país exceto com o extremo Sul, portanto, são várias realidades no estado de Minas Gerais , disse o relator, que também mencionou a importância da unidade familiar.
Ao ler um trecho do seu voto, o relator destacou que a união foi aprovada, inicialmente, pela mãe da menina de 12 anos e que só depois ela (a mãe) se desentendeu com o homem de 20 anos gerando a desavença que acabou nos tribunais.
˜Ninguém acharia ˜lícito™ dar a ela bebida alcoólica ou substância entorpecente apenas porque ˜manifestou vontade™
O meu apelo aqui a Vossas Excelências é que esta turma não transija com este standard de civilidade porque o que vai acontecer é que os coronéis deste país vão misteriosamente se apaixonar pelas meninas de 12 anos. Este será o principal excludente de licitude em todos os casos de estupro de vulnerável , alertou a ministra Daniela Teixeira após descrever o caso e destacar que a legislação brasileira classifica esse tipo de crime como estupro de vulnerável .
Ela também citou a súmula 593 do STJ, que diz que o crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente .
A ministra discordou dos argumentos do relator e disse que o que ocorreu no caso foi estupro de vulnerável e que É pouco crível que o acusado não tivesse ciência da ilicitude da sua conduta . Para a ministra, Não se pode, racionalmente, aceitar que um homem de 20 anos de idade não tivesse a consciência da ilicitude de manter relação sexual com uma menina de 12 anos. Não se trata, o agressor, do ˜matuto™ exemplificado nas doutrinas de Direito Penal, ou do ermitão que vive totalmente isolado da sociedade, sem qualquer acesso aos meios de comunicação ou à sociedade. Ademais, aceitar a incidência de tal excludente de tipicidade sem comprovação inequívoca de seus requisitos, em especial em crimes de natureza sexual contra crianças e adolescentes, pode resultar na definição da responsabilidade penal do ato a partir de uma avaliação subjetiva do agente sobre o corpo da vítima, o que é inadmissível dentro da doutrina constitucional da proteção integral (artigo 227 da Constituição Federal) .
Daniela Teixeira destacou que a gravidez representou uma segunda agressão à vítima, que teve seu futuro comprometido. O fato de terem um relacionamento ˜amoroso™ apenas reforça a situação de violência imposta à adolescente, que deve ser protegida pelo Estado até mesmo de suas vontades. Ninguém acharia ˜lícito™ dar a ela bebida alcoólica ou substância entorpecente apenas porque ˜manifestou vontade™. Por essas razões, votou pela restauração da sentença condenatória.
Também voto vencido, o ministro Messod Azulay alertou para a insegurança jurídica causada por conta dos votos divergentes dos colegas no julgamento, tendo em vista a súmula 593 do STJ, como citado pela ministra Daniela Teixeira, e a legislação vigente.
Cada um tem uma cabeça. Cada um julga de acordo com o seu conceito, com a criação que vem da sua casa, com a sociedade com que convive, e no final das contas cada um tem uma compreensão sobre os fatos. Na minha visão não é assim e para isso existe a lei, para isso existe a Constituição, e isso é o que traz na verdade a segurança. Se a lei diz que a presunção é absoluta quando se comete violência sexual contra uma menor de 14 anos, é porque ela é absoluta , afirmou o ministro.
Com informações de Migalhas e Gazeta do Povo