SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

ESQUEMA CRIMINOSO

Justiça do Trabalho condena Saul Klein, filho de fundador da Casas Bahia, em R$ 30 milhões por tráfico de mulheres e exploração de trabalho escravo sexual

O empresário Saul Klein, 69 anos, filho do fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, foi condenado pela Justiça do Trabalho ao pagamento de R$ 30 milhões por aliciar jovens mulheres e adolescentes com falsas promessas de trabalho e explorá-las sexualmente, submetendo-as à condição análoga à de escravidão. A decisão atende a pedidos do Ministério Público do Trabalho (MPT) e é a segunda maior condenação por dano moral coletivo pela prática de trabalho escravo e a maior por tráfico de pessoas no paí­s.

O MPT investigou o caso e constatou que Saul Klein cooptava adolescentes e jovens entre 16 e 21 anos, em situação de vulnerabilidade social e econômica, com a falsa promessa de que iriam trabalhar como modelos. Após o aliciamento, as mulheres e as adolescentes eram inseridas em um criminoso esquema de exploração no sí­tio do empresário, sendo obrigadas a manter relações sexuais com ele durante dias, sob forte violência psicológica e vigilância armada.

Além de sofrerem restrição de liberdade e de realizarem práticas sexuais forçadas, situações que geraram graves consequências psicológicas para as ví­timas, elas ainda foram contaminadas por doenças sexualmente transmissí­veis, como foi atestado por ginecologista que as atendia durante os eventos.

A ação civil pública do MPT é de outubro de 2022. No documento, o órgão afirma que o desprezo do réu pela dignidade das mulheres, sua autonomia, liberdade e saúde sexual viola o pacto social e normativo de respeito à condição humana .

A indenização de R$ 30 milhões será revertida para três instituições sem fins lucrativos. O processo 1001662-04.2022.5.02.0204 corre em segredo de justiça para preservar a identidade e a intimidade das ví­timas.

Medida mais drástica

Em 2020, o programa Fantástico mostrou o que acontecia nas festas promovidas por Saul no sí­tio dele, no interior de São Paulo; à época, 14 mulheres e adolescentes procuraram a polí­cia para denunciar aliciamento e estupro. Em abril de 2022, a delegada Priscila Camargo Campos Gonçalves, da Delegacia de Defesa da Mulher de Barueri, havia pedido a prisão preventiva do Saul Klein e outras nove pessoas. A investigação teve iní­cio em 2020, a pedido do Ministério Público, após o recebimento de denúncias de estupro, tráfico de pessoas e favorecimento à prostituição.

Na sua manifestação, o Ministério Público foi contrário ao pedido de prisão, por entender necessária a continuidade das investigações e ausentes os requisitos. Na decisão, do dia 15 de maio, o juiz Fabio Calheiros do Nascimento, da 2ª Vara Criminal de Barueri (SP), disse que indeferiu o pedido de prisão preventiva dos suspeitos porque entende ser a medida mais drástica do sistema jurí­dico e, por isso, deve ser algo excepcional . Com isso, negou-se a decretar prisão preventiva Saul Klein e outros investigados por crimes sexuais contra 14 mulheres.

Que a atuação firme do Estado, MPT e Judiciário encoraje novas denúncias

A denúncia chegou ao MPT por meio da organização não governamental Justiceiras e de notí­cias veiculadas pela mí­dia. Os procuradores do trabalho responsáveis pela ação, Gustavo Accioly, Tatiana Leal Bivar Simonetti e Christiane Vieira Nogueira, destacam que esse caso é emblemático e teve um resultado simbólico para a atuação do MPT no enfrentamento ao tráfico de pessoas: 30 de julho é o Dia Mundial e Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e o reconhecimento judicial nesta situação concreta permite que as pessoas identifiquem os fatos denunciados e comprovados como crime, os vejam como uma grave violação aos direitos humanos, à saúde e à dignidade sexual das pessoas. Que a atuação firme do Estado, MPT e Judiciário encoraje novas denúncias .

Na sentença, o Judiciário reconheceu que foi comprovado, para fins trabalhistas, que o réu mantinha diversas mulheres em condição análoga à de escrava, contratadas para trabalhos sexuais em seu favor. Destacou que o esquema mantido por Klein para satisfazer seus desejos pessoais feriu aspectos í­ntimos da dignidade da pessoa humana, causou transtornos irreparáveis nas ví­timas e mudou definitivamente o curso da vida de cada uma delas, e que o empresário se valia de uma grande estrutura para a prática dos ilí­citos, detentor de grande influência e poder econômico, o que leva a crer que pode vir a praticar novamente tais atos.

Saul Klein foi condenado ao pagamento de indenização, a tí­tulo de dano moral coletivo, no valor de R$ 30 milhões. Também foi proibido de praticar tráfico de pessoas (agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar, acolher) com o propósito de explorá-las sexualmente ou em condições de trabalho análoga a escravo, de submeter pessoas à condição análoga à de escravo, de violar a autodeterminação, liberdade e dignidade sexual de pessoas, especialmente mulheres e adolescentes e de submeter crianças e adolescentes à exploração sexual comercial. Foi imposta multa de R$ 100 mil por obrigação descumprida, a cada descumprimento, a qual pode ser majorada pelo juí­zo a qualquer momento, em razão da gravidade do ato.

Ainda foi determinada a expedição de ofí­cios para o Conselho Regional de Medicina (CRM) de São Paulo e para o Ministério Público Estadual para que apurem se os médicos que realizaram os atendimentos às ví­timas no sí­tio do réu cometeram infração ética ou legal e se houve infração à legislação referente à saúde pública.

Reportagens apontam que Samuel Klein teria explorado meninas e adolescentes durante décadas

Em 2021, a agência Pública divulgou reportagens em que ouviu dezenas de mulheres que denunciaram abusos sexuais cometidos por Samuel Klein, fundador da Casas Bahia e pai de Saul. Segundo as reportagens, Samuel Klein, durante décadas, teria comandado um esquema de aliciamento de crianças e adolescentes para a prática de exploração sexual. Ele morreu em 2014.

A reportagem ouviu mais de 35 fontes, entre ví­timas, advogados e ex-funcionários da Casas Bahia e da famí­lia, consultou processos judiciais e inquéritos policiais, entre outros. Conforme a apuração, o empresário teria sustentado, de 1989 a 2010, uma rotina de exploração sexual de meninas, entre 9 e 17 anos, na sede da empresa, em Santos (SP) e em outros imóveis registrados em seu nome, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

Com informações do MPT, Pública, UOL, G1 e Migalhas