O empresário Saul Klein, 69 anos, filho do fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, foi condenado pela Justiça do Trabalho ao pagamento de R$ 30 milhões por aliciar jovens mulheres e adolescentes com falsas promessas de trabalho e explorá-las sexualmente, submetendo-as à condição análoga à de escravidão. A decisão atende a pedidos do Ministério Público do Trabalho (MPT) e é a segunda maior condenação por dano moral coletivo pela prática de trabalho escravo e a maior por tráfico de pessoas no país.
Notícias Relacionadas
O MPT investigou o caso e constatou que Saul Klein cooptava adolescentes e jovens entre 16 e 21 anos, em situação de vulnerabilidade social e econômica, com a falsa promessa de que iriam trabalhar como modelos. Após o aliciamento, as mulheres e as adolescentes eram inseridas em um criminoso esquema de exploração no sítio do empresário, sendo obrigadas a manter relações sexuais com ele durante dias, sob forte violência psicológica e vigilância armada.
Além de sofrerem restrição de liberdade e de realizarem práticas sexuais forçadas, situações que geraram graves consequências psicológicas para as vítimas, elas ainda foram contaminadas por doenças sexualmente transmissíveis, como foi atestado por ginecologista que as atendia durante os eventos.
A ação civil pública do MPT é de outubro de 2022. No documento, o órgão afirma que o desprezo do réu pela dignidade das mulheres, sua autonomia, liberdade e saúde sexual viola o pacto social e normativo de respeito à condição humana .
A indenização de R$ 30 milhões será revertida para três instituições sem fins lucrativos. O processo 1001662-04.2022.5.02.0204 corre em segredo de justiça para preservar a identidade e a intimidade das vítimas.
Medida mais drástica
Em 2020, o programa Fantástico mostrou o que acontecia nas festas promovidas por Saul no sítio dele, no interior de São Paulo; à época, 14 mulheres e adolescentes procuraram a polícia para denunciar aliciamento e estupro. Em abril de 2022, a delegada Priscila Camargo Campos Gonçalves, da Delegacia de Defesa da Mulher de Barueri, havia pedido a prisão preventiva do Saul Klein e outras nove pessoas. A investigação teve início em 2020, a pedido do Ministério Público, após o recebimento de denúncias de estupro, tráfico de pessoas e favorecimento à prostituição.
Na sua manifestação, o Ministério Público foi contrário ao pedido de prisão, por entender necessária a continuidade das investigações e ausentes os requisitos. Na decisão, do dia 15 de maio, o juiz Fabio Calheiros do Nascimento, da 2ª Vara Criminal de Barueri (SP), disse que indeferiu o pedido de prisão preventiva dos suspeitos porque entende ser a medida mais drástica do sistema jurídico e, por isso, deve ser algo excepcional . Com isso, negou-se a decretar prisão preventiva Saul Klein e outros investigados por crimes sexuais contra 14 mulheres.
Que a atuação firme do Estado, MPT e Judiciário encoraje novas denúncias
A denúncia chegou ao MPT por meio da organização não governamental Justiceiras e de notícias veiculadas pela mídia. Os procuradores do trabalho responsáveis pela ação, Gustavo Accioly, Tatiana Leal Bivar Simonetti e Christiane Vieira Nogueira, destacam que esse caso é emblemático e teve um resultado simbólico para a atuação do MPT no enfrentamento ao tráfico de pessoas: 30 de julho é o Dia Mundial e Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e o reconhecimento judicial nesta situação concreta permite que as pessoas identifiquem os fatos denunciados e comprovados como crime, os vejam como uma grave violação aos direitos humanos, à saúde e à dignidade sexual das pessoas. Que a atuação firme do Estado, MPT e Judiciário encoraje novas denúncias .
Na sentença, o Judiciário reconheceu que foi comprovado, para fins trabalhistas, que o réu mantinha diversas mulheres em condição análoga à de escrava, contratadas para trabalhos sexuais em seu favor. Destacou que o esquema mantido por Klein para satisfazer seus desejos pessoais feriu aspectos íntimos da dignidade da pessoa humana, causou transtornos irreparáveis nas vítimas e mudou definitivamente o curso da vida de cada uma delas, e que o empresário se valia de uma grande estrutura para a prática dos ilícitos, detentor de grande influência e poder econômico, o que leva a crer que pode vir a praticar novamente tais atos.
Saul Klein foi condenado ao pagamento de indenização, a título de dano moral coletivo, no valor de R$ 30 milhões. Também foi proibido de praticar tráfico de pessoas (agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar, acolher) com o propósito de explorá-las sexualmente ou em condições de trabalho análoga a escravo, de submeter pessoas à condição análoga à de escravo, de violar a autodeterminação, liberdade e dignidade sexual de pessoas, especialmente mulheres e adolescentes e de submeter crianças e adolescentes à exploração sexual comercial. Foi imposta multa de R$ 100 mil por obrigação descumprida, a cada descumprimento, a qual pode ser majorada pelo juízo a qualquer momento, em razão da gravidade do ato.
Ainda foi determinada a expedição de ofícios para o Conselho Regional de Medicina (CRM) de São Paulo e para o Ministério Público Estadual para que apurem se os médicos que realizaram os atendimentos às vítimas no sítio do réu cometeram infração ética ou legal e se houve infração à legislação referente à saúde pública.
Reportagens apontam que Samuel Klein teria explorado meninas e adolescentes durante décadas
Em 2021, a agência Pública divulgou reportagens em que ouviu dezenas de mulheres que denunciaram abusos sexuais cometidos por Samuel Klein, fundador da Casas Bahia e pai de Saul. Segundo as reportagens, Samuel Klein, durante décadas, teria comandado um esquema de aliciamento de crianças e adolescentes para a prática de exploração sexual. Ele morreu em 2014.
A reportagem ouviu mais de 35 fontes, entre vítimas, advogados e ex-funcionários da Casas Bahia e da família, consultou processos judiciais e inquéritos policiais, entre outros. Conforme a apuração, o empresário teria sustentado, de 1989 a 2010, uma rotina de exploração sexual de meninas, entre 9 e 17 anos, na sede da empresa, em Santos (SP) e em outros imóveis registrados em seu nome, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Com informações do MPT, Pública, UOL, G1 e Migalhas