Nesta quinta-feira, 23, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas anunciou os indicados ao Oscar 2025, o principal prêmio do cinema mundial. O filme brasileiro “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, teve três indicações: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz. A indicada a melhor atriz foi Fernanda Torres, que interpretou Eunice Paiva, personagem principal do filme – e do livro de mesmo nome, escrito por Marcelo Rubens Paiva, que inspirou o filme. Muito conhecida como viúva do deputado Rubens Paiva, Eunice foi uma importante ativista pela democracia brasileira.
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Formada em Letras, Eunice casou aos 23 anos com o engenheiro Rubens Paiva. Seu marido tornou-se deputado e foi cassado pela ditadura militar. Em 1971, preso por entregar cartas de exilados a parentes, Rubens Paiva foi torturado e, como se saberia depois, assassinado por agentes da ditadura. Seu corpo nunca foi encontrado, e o reconhecimento de sua morte veio apenas muitos anos depois, em 1996.
O atestado de óbito de Rubens Paiva foi fornecido pelo Estado brasileiro por conta de uma lei que reconheceu como mortas as pessoas desaparecidas em razão de participação em atividades políticas durante a ditadura militar. Essa lei foi fruto da luta de diversos ativistas, entre os quais Eunice foi das mais destacadas. Ela enfrentou a ditadura, denunciou as torturas, assassinatos e desaparecimentos e, após a reabertura, liderou campanhas pela publicização dos arquivos da ditadura. Eunice fez parte da primeira formação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, em 1995, que também subsidiou o trabalho da Comissão Nacional da Verdade, ambas com o objetivo de lançar luz sobre a história da repressão no Brasil e fortalecer a luta por memória e justiça. Foi justamente o trabalho das comissões o que tornou disponível a documentação que possibilitou a escrita do livro de Marcelo Rubens Paiva, publicado em 2015.
Além de sua atuação especificamente vinculada ao combate à ditadura e à defesa da democracia, Eunice Paiva formou-se advogada e passou a dedicar-se à causa indígena. Tornou-se referência internacional no tema, ganhando notoriedade especialmente após a publicação de um artigo intitulado “Defendam os pataxós”, em 1983, um marco na luta indígena brasileira. Em 1987, foi uma das fundadoras o Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMA), organização não-governamental que atuou até 2001 na defesa da autonomia dos povos indígenas. Em 1988, foi consultora da Assembleia Nacional Constituinte, que formulou a Constituição Federal Brasileira.
Após lutar por anos contra o Mal de Alzheimer, Eunice Paiva morreu em dezembro de 2018, aos 86 anos.
Ao receber as indicações de “Ainda estou aqui” ao Oscar, o diretor Walter Salles disse que elas reconhecem Eunice como uma das protagonistas da história do Brasil. Fernanda Torres também dedicou sua indicação a Eunice Paiva: “É para ela esse negócio. É uma mulher que ensina a gente hoje a agir em períodos difíceis como agora, em períodos distópicos. Ela teve cabeça, lutou pela civilidade, pela justiça, pela educação, pela demarcação de terra indígenas, e tudo isso na suavidade, com um sorriso, um amor. Criou aqueles filhos. É uma mulher gigante e acima de todos nós, quem merece é uma mulher chamada Eunice Paiva”, afirmou em entrevista à Globo News.