Nos últimos dias, ganhou força em diversos jornais e nas redes o debate sobre a redução da jornada de trabalho, pauta histórica das trabalhadoras e dos trabalhadores brasileiros. A proposta de emenda à Constituição formalizada pela deputada Erika Hilton (Psol-SP), traduzida em fim da escala 6 x 1 vem reunindo assinaturas de parlamentares para colocar o texto em discussão no Congresso com o objetivo de implementar a escala 4×3, com redução da jornada semanal de trabalho sem redução dos salários.
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Para que uma PEC seja discutida, ela deve ter o aval de um terço da Câmara: 171 assinaturas. Nos últimos dias, o número de assinaturas saltou de cerca de 70 para 134 deputados e deputadas nessa segunda-feira, 11. O crescimento coincide com um grande aumento do apoio à PEC nas redes sociais.
De onde surgiu a PEC
O movimento Vida Além do Trabalho (VAT) é impulsionado por Rick Azevedo, recém-eleito vereador do Rio de Janeiro pelo Psol. Balconista de farmácia e com atuação em redes sociais comentando o mundo pop, Azevedo publicou, em setembro do ano passado, um vídeo sobre direitos trabalhistas. O vídeo viralizou e ele decidiu criar um grupo de Whatsapp sobre o tema – foi a partir desse grupo que surgiu o Vida Além do Trabalho. Lançou um abaixo-assinado, que já soma 1,3 milhão de assinaturas, e, no dia 1º de maio, teve a adesão de Erika Hilton, que apresentou a PEC.
A proposta de Hilton quer acabar com a escala 6×1 e implementar a 4×3. No Brasil, funcionários contratados via CLT não podem trabalhar mais de 8 horas por dias ou 44 horas por semana — com possibilidade de duas horas extras por dia. A escala de trabalho não é estipulada pela lei, de forma que as empresas podem distribuir as horas como quiserem. A escala mais comum é a 5×2 — de cinco dias trabalhados, com dois dias de folga. Mas no comércio, por exemplo, uma das escalas mais comuns é a 6×1 — com seis dias de trabalho para um dia de folga. Além da implementação da escala 4×3, a PEC limita a jornada semanal a 36 horas, mantendo o limite diário atual de oito horas. Na Justificativa, o texto aponta melhorias na qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras, com menos problemas de saúde e acidentes de trabalho, mais tempo para a família e o lazer, etc., e também para a economia: possibilidade de mais tempo para a qualificação da mão de obra, dinamização tecnológica, inclusão dos jovens no mercado de trabalho, criação de postos de trabalho, incentivo ao comércio e ao turismo interno, entre outros ganhos.
Pauta histórica
Embora tenha ganhado força nos últimos dias a partir de um movimento recente – o VAT –, a proposta de reduzir a jornada de trabalho no Brasil é antiga. Trata-se de uma pauta histórica de centrais sindicais e sindicatos, discutida no mesmo escopo de outros direitos trabalhistas. Foi uma das reivindicações da Greve Geral de 1917 e fez parte do movimento sindical que fundou a Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Além da PEC que Erika Hilton tenta colocar em discussão, há outros projetos mais antigos que trazem proposições semelhantes. Uma delas é do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), a PEC 221/2019, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. Ela propõe a redução gradual da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais em um período de 10 anos, sem redução salarial.
Assim como em outras pautas desse tipo, também na mudança de escala e redução de jornada há resistência por parte de setores empresariais e da mídia. Direitos como salário mínimo, seguro-desemprego e 13º salário foram, nos momentos de sua implementação, alvo de ataques e de tentativas de distorção dos efeitos previstos. O argumento – que agora reaparece – costuma ser de que a economia “quebraria” com mudanças como essas – o que não aconteceu. Em 1962, por exemplo, quando da implementação do 13º salário, o jornal O Globo trouxe a seguinte manchete: “Considerado desastroso para o país um 13º mês de salário”.
Ministro remete a “convenções e acordos coletivos”
Nesta semana, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, remeteu a discussão da jornada de trabalho à negociação entre patrões e empregados. Contudo, num país onde apenas 8 milhões de brasileiros, entre mais de 100 milhões de ocupados, são sindicalizados, essa via seria praticamente inatingível. Além disso, a reforma trabalhista de 2017 privilegia a negociação individual em detrimento dos acordos coletivos, o que dificultaria ainda mais essa discussão. O ministro disse ainda que “a redução da jornada para 40h semanais é plenamente possível e saudável, quando resulte de decisão coletiva”.
Por outro lado, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) disse que o governo ainda não discutiu, mas admitiu que o tema é “uma tendência no mundo inteiro”. Presidente do PT, a deputada Gleise Hoffmann assinou a PEC e disse que “a escala de trabalho 6×1 precariza a vida dos brasileiros que cumprem uma jornada exaustiva, e em muitas vezes, abusiva. Lutar por condições mais dignas não vai impactar negativamente na economia do país, conforme a elite e a Direita insistem em disseminar. Mas manter esse modelo que beira a escravidão aos trabalhadores é insustentável a longo prazo. A economia precisa garantir qualidade de vida, e não sugar os direitos de descansar, estudar e socializar da população”.
Enquanto aumenta o número de assinaturas de parlamentares apoiando o texto da PEC, deputados de partidos como o PL e o Novo saem em defesa da escala 6×1. Ainda em junho, em meio a uma discussão sobre a proposta de Hilton na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, o deputado Marco Feliciano (PL-SP) chamou a ideia de “excrescência” e defendeu o trabalho “até a exaustão”. Nessa segunda-feira, 11, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) classificou o texto como “terrivelmente elaborado” e “bizarrice”. O senador Jorge Seif (PL-SC) responsabilizou “gênios esquerdistas” pela proposta e disparou: “Não quer trabalhar? Fica em casa e se inscreve no Bolsa Família”.
Tramitação
Para ser colocada em discussão a partir da Câmara, uma PEC precisa ser assinada por um terço dos deputados e deputadas – 171. Depois, tramita nas comissões. E passa, enfim, ao plenário – primeiro da Câmara, depois do Senado. Nas duas casas, para ser aprovada, deve ser aprovada em dois turnos com os votos de 3/5 dos parlamentares – 308 deputados e 49 senadores.
Com informações da BBC, O Globo, Folha de S. Paulo, G1, Uol, ICL e Carta Capital