SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

QUEM CRIOU MESMO?

Orçamento secreto tira recursos de áreas fundamentais e deixa sem dinheiro tratamento da Aids e câncer, remédios gratuitos, infraestrutura de escolas e moradias populares

Criado por Jair Bolsonaro (PL) em 2019, o orçamento secreto tem retirado cada vez mais recursos de áreas fundamentais para a vida da população. Os cortes já atingiram, entre outros setores, a saúde e a educação, e as verbas estão sendo destinadas para comprar o apoio de parlamentares ao atual governo.

Bolsonaro vetou, mas três semanas depois¦

Bolsonaro nega-se a assumir a paternidade do orçamento secreto. Mas a verdade é que o esquema surgiu em 2019, logo que ele assumiu a Presidência. E foi justamente por meio de um projeto assinado por Bolsonaro e pelo então ministro da Secretaria de Governo e atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, general Luiz Eduardo Ramos, que o orçamento secreto foi criado. Era Ramos o operador do orçamento secreto no iní­cio do esquema.

O orçamento secreto está sustentado nas RP9 , conhecidas como emendas de relator . É o relator-geral da Lei Orçamentária quem inclui as emendas, em seu nome. Para que o faça, ocorre uma negociação informal , de bastidores, que envolve o governo, lideranças parlamentares e deputados. As emendas de relator não obedecem sequer a critérios técnicos, e não oferecem transparência sobre a destinação de recursos públicos. Assim, servem para a compra de votos de deputados e deputadas em projetos de interesse do governo.

As RP9 foram apresentadas como proposta do Congresso em 2019 e o texto foi vetado por Bolsonaro. Três semanas depois, o governo enviou ao Congresso novo texto, assinado por Bolsonaro e por Ramos. Esse texto foi aprovado e criou o orçamento secreto.

Dinheiro para a eleição de aliados

Neste ano, o governo bloqueou valores de diferentes pastas para redirecioná-los a ampliar o orçamento secreto às vésperas das eleições. No dia 6 de setembro, foram redirecionados quase R$ 6 bilhões em emendas do orçamento secreto ainda para este ano. Os recursos foram liberados por meio de pedaladas nas despesas da cultura e do setor de ciência e tecnologia. Foram duas medidas provisórias que adiaram o pagamento de despesas de cultura e ciência e tecnologia para 2023 e 2024. No total, R$ 5,6 bilhões para o orçamento secreto foram liberados por meio das duas MPs.

Conforme reportagem da revista Piauí­, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), um dos principais operadores do orçamento secreto, ajudou na reeleição de 198 deputados liberando as emendas de relator: Para chegar à expressiva marca de 257 deputados, os principais partidos do Centrão (PL, Republicanos, PTB, União Brasil, PSC, PP e Patriota) contaram com mais de 6,2 bilhões de reais de recursos das emendas de relatoruma bolada que ajudou a garantir a reeleição de pelo menos 140 parlamentares, mostra um levantamento exclusivo da piauí­. Esse valor é superior aos 5,7 bilhões de recursos do fundo eleitoral distribuí­do entre todos os partidos. Só no PL, de Bolsonaro, 60 deputados reeleitos puderam destinar às suas bases 1,6 bilhão vindos das emendas de relator , diz a reportagem.

Cortes generalizados na saúde

A proposta orçamentária apresentada por Bolsonaro ao Congresso para 2023, por sua vez, aprofunda a polí­tica de redirecionamento de recursos de áreas essenciais para o orçamento secreto. O governo reservou R$ 19,4 bilhões que serão destinados exclusivamente para o orçamento secreto. Este valor está dentro dos R$ 38,7 bilhões reservados por Bolsonaro para emendas parlamentareso maior valor já registrado.

Parte dos recursos que serão destinados ao orçamento secreto em 2023 foram retirados por Bolsonaro da Rede de Atenção à Pessoa com Doenças CrônicasOncologia, braço do Ministério da Saúde que atua na prevenção e controle do câncer, a segunda doença que mais mata no paí­s. A perda orçamentária, nesse caso, foi de 45% em relação a 2022. A rubrica cortada estruturação de unidades de atenção especializada , serve para bancar a construção, ampliação, reforma e aquisição de equipamentos e materiais permanentes.

O Atendimento à População para Prevenção, Controle e Tratamento de HIV/AIDS, outras Infecções Sexualmente Transmissí­veis e Hepatites Virais Total, que distribui medicamentos para tratamento de aids, infecções sexualmente transmissí­veis e hepatites virais, perdeu R$ 407 milhões em relação ao orçamento de 2022. O programa de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação em Saúde perdeu R$ 297 milhões; o de Sistemas de Tecnologia de Informação e Comunicação para a Saúde (e-Saúde), R$ 206 milhões. Um dos maiores cortes do setor ocorreu no Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indí­gena e Estruturação de Unidades de Saúde e Distritos Sanitários Especiais Indí­genas (DSEI) para Atendimento à População Indí­gena, que perdeu R$ 910 milhões, passando de R$ 1,64 bilhão para apenas R$ 664 milhões, com as maiores perdas nas ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde nas tribos e saneamento básico em aldeias.

Também foram cortados recursos de outras três redes de apoio de saúde: a Rede Cegonha, que atende gestantes e bebês; a Rede de Atenção PsicossocialRaps, que cuida de dependentes de drogas e portadores de transtornos mentais; e a Rede de Cuidados a Pessoas com Deficiência, voltada para reabilitação.

Entre os cortes que viabilizaram esse jorrar de verbas para os parlamentares também foram tesourados 60% dos recursos para o Farmácia Popular, derrubando a verba para os medicamentos gratuitos de R$ 2,04 bilhões no orçamento de 2022 para R$ 804 milhões no projeto de 2023 enviado ao Congresso no final de agosto, um corte de R$ 1,2 bilhão. O programa atende mais de 21 milhões de brasileiros e brasileiras com medicamentos gratuitos. São 13 os princí­pios ativos de remédios que terão seu acesso restrito se o Orçamento de Bolsonaro não for alterado, prejudicando tratamentos para problemas como asma, hipertensão e diabetes. Até mesmo o acesso a fraldas geriátricas via Farmácia Popular será atrapalhado pelo corte de recursos.

Educação e moradia têm cortes de mais de 95%

Além da saúde, outros setores serão afetados pelos cortes de Bolsonaro. A proposta de orçamento para 2023, enviada pelo Ministério da Economia ao Congresso, prevê R$ 34,1 milhões para o programa Casa Verde e Amarela, principal polí­tica habitacional do governo Bolsonaro. Esse valor é 95% menor do que o empenhado neste ano, que foi de R$ 665,1 milhões, quantia já considerada insuficiente para a construção de novas habitações, segundo avaliação do Ministério do Desenvolvimento Regional.

Outra área que sofrerá com os cortes é a infraestrutura das escolas, que foi tesourada em 97% dos recursos em comparação com este ano. Diversos programas da área terão cortes superiores a 90% caso a proposta orçamentária seja aprovada no Congresso como está. Os recursos destinados à rubrica Infraestrutura para a Educação Básica , utilizado para a construção, ampliação, reforma e adequação de escolas e compra de mobiliário e outros equipamentos, passará, de R$ 119,1 milhões em 2022, para R$ 3,45 milhões em 2023, conforme a proposta de Bolsonaro. A educação básica também é tesourada: o programa Caminho da Escola, utilizado para a compra de ônibus escolares, teve 95% dos recursos cortados, restando apenas o suficiente para a compra de um veí­culo em todo o ano que vem. 95% também é o corte previsto para a capacitação de professores.