O número de trabalhadores e trabalhadoras temporários no serviço público brasileiro cresceu 1.760% entre 2003 e 2022. Já são mais de 700 mil pessoas nessa situação, considerando-se os três Poderes nos serviços públicos federal, estadual e municipal.
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Os dados estão em um levantamento elaborado pela República.org que será divulgado nesta semana, mas foi antecipado nesta segunda-feira, 28, pelo jornal Valor Econômico. Em 2003, eram 38,5 mil temporários no serviço público; em 2022, esse número chegou a 716,2 mil. O maior crescimento proporcional se deu entre 2019 (início do governo de Jair Bolsonaro) e 2022, quando passou de 4,7% para 7,2% do total de contratados no serviço público.
A contratação temporária no serviço público deveria ser utilizada como uma estratégia para eventualidades, como doenças ou aposentadorias recentes dos titulares, mas acabou virando regra como caminho para reduzir custos – uma conta que acaba sendo paga pelos trabalhadores e trabalhadoras e também pela sociedade como um todo, que vê a qualidade dos serviços públicos cair.
Colégios estaduais têm mais professores temporários do que efetivos
No Dia do Professor, celebrado no Brasil em 15 de outubro, o Sintrajufe/RS noticiou que os colégios estaduais do Brasil têm mais professores temporários do que efetivos. Em 2013, eram 505 mil professores concursados nas redes estaduais, frente a 230 mil temporários. O número de temporários cresceu devagar até 2020, período em que havia queda no número de concursados. Mas, a partir de 2020, a mudança foi vertiginosa, até que em 2022 as posições se inverteram. Em 2023, último ano com dados do Censo da Educação Básica, eram apenas 321 mil concursados e 356 mil temporários. No Rio Grande do Sul, 59% dos professores da rede estadual são temporários.
Reportagem recente do portal G1 entrevistou diversos especialistas sobre o tema. Eles apontaram alguns dos problemas gerados por essa prática especificamente na educação: os processos seletivos mais frágeis, que não avaliam a capacidade dos profissionais; as condições de trabalho piores; a instabilidade; a necessidade de dar aula em mais de uma escola, o que “aumenta a sobrecarga de trabalho, diminui o tempo de dedicação para cada turma, dificulta a realização de cursos de formação e compromete inevitavelmente a qualidade do ensino”; a rotatividade de professores, o que compromete a criação de vínculo com os estudantes.
No Judiciário, “residência jurídica” cumpre papel semelhante
Enquanto isso, no Judiciário também vemos formas de burlar os concursos públicos e a estabilidade. As contratações temporárias também ocorrem em diversos órgãos. Recentemente, o Sintrajufe/RS noticiou o caso do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), que lançou edital para contratar 22 analistas judiciários de forma temporária para atuar na área de Tecnologia da Informação (TI) do órgão.
Mas a novidade do último período é a “residência jurídica”. Por meio dessa modalidade, diversos tribunais em todo o país estão oferecendo “bolsas” muito inferiores aos salários dos servidores a “residentes” que acabam fazendo trabalhos similares aos concursados. No TRF2, por exemplo, que acaba de lançar seu programa de residência jurídica, serão contratados 140 residentes, com bolsa de R$ 2,5 mil, o que equivale a 17% do que recebe um analista judiciário em início de carreira.
O Programa de Residência Jurídica foi autorizado pela resolução 439, de 7 de janeiro de 2022, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A modalidade é voltada para pessoas “que estejam cursando especialização, mestrado, doutorado, pós-doutorado ou, ainda, que tenham concluído o curso de graduação há no máximo 5 (cinco) anos”. A descrição do que é a residência jurídica, “no treinamento em serviço, abrangendo ensino, pesquisa e extensão, bem como o auxílio prático aos magistrados e servidores do Poder Judiciário” é genérica. Esse é um dos problemas, que pode permitir que as tarefas de residentes avancem para atividades de servidores e servidoras, principalmente no atual quadro, de grande déficit de pessoal. A admissão é feita por processo seletivo público. A resolução do CNJ não estabelece qualquer limite para o número de ingressos. A bolsa de auxílio terá valor estipulado pelos respectivos órgãos. Trata-se de uma espécie de substituição de mão de obra, extremamente mais barata, inclusive com outra forma de ingresso. Em vez do concurso público, uma simples seleção. É uma flagrante precarização do trabalho.