O segundo painel da manhã de 1º de julho, sábado, no 10º Congresso Estadual do Sintrajufe/RS, tratou da democratização do Judiciário e do Ministério Público da União (MPU). Participaram, como painelistas, o desembargador do TRF4 e diretor da Escola de Magistratura do mesmo tribunal, Rogério Favreto, e a professora do Departamento de Direito Público e Filosofia do Direito e dos Programas de Pós-Graduação em Direito e em Ciência Política da Ufrgs, Juliane Sant™Ana Bento.
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A mesa foi mediada pela diretora do Sintrajufe/RS Márcia Coelho e pelos diretores Anderson Mangine e Walter Oliveira e tratou dos problemas da atual estrutura do Poder Judiciário e do MPU tanto para a sociedade quanto para a categoria. Também discutiu possibilidades de transformação desse quadro para melhorar as condições de trabalho de servidores e servidoras e qualificar os serviços oferecidos à população.
Diversidade, perspectivas emancipatórias e aproximação às demandas da sociedade
A professora Juliane Sant™Ana Bento apresentou um amplo panorama da situação de disputa em torno das estruturas da Justiça, com foco na defesa da redemocratização das instituições. Para ela, há grandes expectativas em relação a esse processo, mas também obstáculos importantes. O acesso à justiça é, para a painelista, um caminho necessário para a democratização, ao mesmo tempo em que se impõem reflexões sobre a autonomia e o fortalecimento do Judiciário, com a construção interna das carreiras como um requisito para que se zele pela não interferência dos poderes políticos.
Conforme a pesquisadora, vivemos, no momento, o fim do ciclo reformista, com dificuldades para democratizar as instituições da Justiça por conta de deficiências estruturais e também de outros fatores, como a pouca flexibilidade das hierarquias, a precarização do trabalho e da oferta de Justiça, a elitização e a pouca transparência de alguns espaços. A painelista defendeu a importância da diversificação na composição do sistema de Justiça e da busca de perspectivas emancipatórias, com a aproximação do Direito às demandas da sociedade, a mudança de culturas institucionais e a ampliação do acesso a pequenas causas.
Juliane Sant™Ana Bento criticou o período de ativismo repressivo que temos vivido no país, o que, para ela, carrega um caráter desestabilizador e antidemocrático, inclusive disposto a flexibilizar garantias individuais , que é contrário a instituições representativas e que atua a partir de coalizões com a opinião pública para construir ativismo . Dessa forma, lamentou, certos braços da Justiça colaboraram para o projeto de retrocesso de direitos , com a flexibilização de garantias, saídas arbitrárias sendo compreendidas como legítimas, entre outras estratégias. O caminho oposto, defendeu, deve ser construído via autonomia e fortalecimento, com a consolidação de estruturas internas que resistam às pressões políticas e democratização das instituições de Justiça, como forma de se fazer com que os ganhos democráticos prevaleçam sobre os limites culturais e institucionais.




















Democracia fragilizada pela jurisdição de exceção
Em sua apresentação, o desembargador Rogerio Favreto tratou de diversos temas que perpassam as práticas e possibilidades de ação dentro da estrutura do Judiciário, como a judicialização da política, a postura dos agentes de Justiça, a questão da imparcialidade, a jurisdição de exceção, o descrédito do Judiciário e do MPU, os retrocessos no sistema de Justiça, bem como a busca por reconquistar direitos e os desafios que o momento impõe. Em relação à judicialização da política, Favreto apontou como parte das razões a ocupação de espaços pela omissão do Legislativo e pela inoperância do Executivo, em seguida criticando a postura de agentes de Justiça nesse contexto: classificou a posição da magistratura como tímida, conservadora e oficialista, preconceituosa com as organizações e movimentos sindicais e sociais, corporativa e autoconcessiva . Para ele, na disputa política, tem se visto desrespeito à legitimidade política e eleitoral e interesse pelo apelo social e midiático, gerando perda de equilíbrio e imparcialidade.
Para quebrar essa lógica, apontou, é necessário um compromisso com a observância de valores éticos, humanos e de imparcialidade. Mas a crise política tem andado junto com certo encanto pelos holofotes por parte de agentes da Justiça, excessiva exposição midiática, busca de falsos heróis e personalismo, que acaba por enfraquecer o papel institucional e desaguar em autoritarismo e populismo. Nesse caminho, a perda da imparcialidade tem gerado consequências, como a fragilização da credibilidade do direito e da jurisdição e a perda da confiabilidade pelo cidadão. Para o desembargador, a atuação do Judiciário em alguns casos vem sendo marcada por uma jurisdição de exceção , que inclui violações a direitos, conduções coercitivas sem motivação prévia, vazamento ilegal e seletivo de atos e decisões e uso abusivo e desviado da deleção premiada e de acordos de leniência, gerando um lawfare brasileiro com o uso do Direito e das instituições como arma na disputa política, perseguição a políticos, cidadãos e empresas por meio, até mesmo, de inquéritos e prisões ilegais, processamento judicial seletivo e operações midiática.
Há, caracterizou Favreto, uma série de retrocessos nesse contexto, com efeitos ao sistema de Justiça: fragilização das garantias dos agentes da Justiça, redução da autonomia política e financeira das instituições e a construção de uma Justiça oficialista em contraposição à concretização dos direitos sociais e fundamentais. Além de efeitos externos, como a fragilização da democracia, o desequilíbrio entre Poderes e a facilitação dos recentes movimentos golpistas. O desembargador trouxe, por fim, perspectivas e desafios que se colocam, citando o resgate de direitos básicos de liberdade de manifestação, organização e reivindicação sindical e dos servidores e a construção de mecanismos de controle e participação social nas instituições do sistema de Justiça: o Judiciário deve ser o contrapeso no desequilíbrio entre os demais Poderes e as violações de direitos, não um protagonista , defendeu, sublinhando a importância da retomada de preceitos básicos da democracia, como a independência dos Poderes, a imparcialidade, a presunção de inocência e o direito ao processo justo . Para isso, apontou, também é fundamental a responsabilização dos agentes da Justiça que tiveram atuações ilegais e, dessa forma, geraram danos às instituições e à democracia.
Disputas para democratizar o Judiciário
Após as falas dos painelistas, foram abertas inscrições para intervenções dos delegados e das delegadas do Congresso. Algumas explanações apontaram para a urgência de incluir mais negros e negras no Judiciário, inclusive com a defesa de cotas no Poder como forma de combater as diversas formas de racismo. Também foram destacadas outras questões centrais para a democratização do Judiciário, como a participação de servidores e servidoras nos processos de escolha das administrações. Ainda, foram tecidas críticas à atuação de agentes do Judiciário no caso do golpe de 2016 e da prisão de Lula. Outro tema que perpassou as falas foram os ataques de Jair Bolsonaro (PL) aos servidores e servidoras da Justiça Eleitoral, em relação aos quais o Sintrajufe/RS possui ações judiciais aguardando decisão no TRF4. A resolução 296, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), que ameaça de fechamento diversas varas trabalhistas, também foi lembrada como exemplo de ataques que vem de dentro do próprio Judiciário e enfraquecem a Justiça.
O 10º Congresso Estadual do Sintrajufe/RS continua na tarde deste sábado, 1º de julho, e no domingo, 2, com painéis sobre organização sindical; e políticas permanentes, saúde e condições de trabalho; além da plenária deliberativa. A cobertura completa estará disponível nos meios de comunicação do Sintrajufe/RS.