No dia 4 de agosto, foi encontrado, no município de Redentora, na região noroeste do Rio Grande do Sul, o corpo da indígena kaingang Daiane Griá Sales, de 14 anos. Moradora do Setor Bananeiras da Terra Indígena do Guarita, Daiane foi encontrada em uma lavoura próxima a um mato, nua, e com as partes do corpo da cintura para baixo arrancadas e dilaceradas, com pedaços ao lado dela. Não está descartada a possibilidade de que, antes de ser assassinada, Daiane tenha sofrido violência sexual. Mais um dos casos de violência contra mulheres indígenas que têm se repetido nos últimos tempos na regiãoe também em outros pontos do país.
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Seis dias depois, em 10 de agosto, Raissa da Silva Cabreira, de apenas 11 anos, indígena Guarani Kaiowá, foi encontrada morta em uma pedreira próxima da aldeia Bororá, no município de Dourados, no Mato Grosso do Sul. Ela foi vítima de um estupro coletivo e, a seguir, arremessada de um penhasco de cerca de 20 metros de altura.
A situação do Noroeste do Rio Grande do Sul, como se vê, não é isolada. Mas, no estado, não deixa de ser muito grave. O site Sul 21 entrevistou uma fonte que trabalhou por muitos anos na região noroeste e disse que crianças e jovens indígenas que vivem na região enfrentam uma realidade muito difícil, convivendo com casos de estupro, raptos, encarceramentos e outras situações de violência. Segundo essa fonte, 90% da comunidade, de aproximadamente 6 mil pessoas, é muito sofrida e crianças, adolescentes e jovens não têm a proteção necessária diante dessa realidade. O aumento da presença de não índios dentro da comunidade seria outro fator que estaria agravando essa situação de insegurança. As famílias de Daiane e de outras meninas que teriam sofrido casos de abuso estariam amedrontadas. Ela também aponta uma grande omissão por parte das autoridades.
O Sintrajufe/RS conversou com Alice Guarani, cacica da comunidade indígena urbana multiétinica de Porto Alegre e coordenadora do Centro de Referência Indígena-afro do Rio Grande do Sul. Veja abaixo seu depoimento:
É super difícil falar em meio a tantas violências que temos vivido nos últimos meses. Esses últimos dias têm sido muito pesados. Tivemos o que aconteceu com a menina Daiane, de 14 anos, no Noroeste do estado, uma violência brutal. Não há nenhum tipo de justificativa, nada que justifique isso, a morte de uma mulher indígena de 14 anos. Ontem (9 de agosto) tivemos também a menina Raíssa, uma menina Guarani Kaioá de 11 anos de idade, também com uma morte violenta. Aquele massacre que iniciou em 1500, quando as caravelas aqui atracaram, segue diariamente. É uma violência secular. Os mesmos olhares lascivos com que olhavam para os corpos das nossas ancestrais, que as levaram pegas no laço, que as fizeram de escravas sexuais, ainda continua acontecendo até hoje. Os nossos corpos seguem sendo violentados, violados e mortos. Nós não vamos nos calar, vamos seguir lutando. Vamos fazer mobilizações, atos sobre a questão da violência contra as mulheres indígenas. Isso precisa parar. Eles têm que parar de nos matar. Eles nos matam de todas as formas. A violência sexual, o feminicídio, são crimes bárbaros. E nós ainda ouvimos às vezes as pessoas dizerem que isso acontecia só em 1500. Isso segue acontecendo e tivemos dois feminicídios em menos de uma semana contra duas mulheres indígenas, duas jovens, uma com 14 e a outra com 11 anos. Isso tem que parar. Nos unimos num ecoar de vozes junto a outros movimentos sociais feministas e exigimos justiça pela morte de nossas irmãs. Já é difícil ser mulher, ser mulher indígena, então, é construir o direito de existir diariamente. A colonização segue nos matando.
Esquartejam corpos jovens, de mulheres, de povos
A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) divulgou uma nota denunciando o crime de barbárie cometido contra a jovem kaingang. A nota afirma:
Temos visto dia após dia o assassinato de indígenas. Mas, parece que não é suficiente matar. O requinte de crueldade é o que dilacera nossa alma, assim como literalmente dilaceraram o jovem corpo de Daiane, de apenas 14 anos. Esquartejam corpos jovens, de mulheres, de povos. Entendemos que os conjuntos de violência cometida a nós, mulheres indígenas, desde a invasão do Brasil é uma fria tentativa de nos exterminar, com crimes hediondos que sangram nossa alma. A desumanidade exposta em corpos femininos indígenas precisa parar! .
A entidade assegura que não deixará esse crime passar impune e que as mulheres indígenas não serão silenciadas. E acrescenta: As violências praticadas por uma sociedade doente não podem continuar sendo banalizadas, naturalizadas, repleta de homens sem respeito e compostura humana, selvageria, repugnância e macabrismo. Quem comete uma atrocidade desta com mulheres filhas da terra, mata igualmente a si mesmo, mata também o Brasil. Nossos corpos já não suportam mais ser dilacerados, tombado há 521 anos. Que o projeto esquartejador empunhado pela colonização, violenta todas nós, mulheres indígenas há mais de cinco séculos. Somos 448 mil Mulheres Indígenas no Brasil que o estrupo da colonização não conseguiu matar e não permitiremos que a pandemia da violência do ódio passe por cima de nós .
Com informações do Sul 21.