Na noite dessa quinta-feira, 4, o Sintrajufe\RS promoveu a live “STF julga a reforma da Previdência de 2019: o que pode mudar na sua vida?”. A atividade, conduzida pelas diretoras Arlene Barcellos e Cristina Viana, contou com a presença do advogado Carlos Guedes e da advogada Cintia Bettio, do escritório Silveira, Martins, Hübner (SMH), que presta assessoria jurídica ao sindicato, que responderam às principais dúvidas sobre o julgamento de 13 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) referentes à reforma da Previdência de 2019 e seus efeitos se for mantida votação que, até o momento, formou maioria para acabar com a contribuição ordinária acima de um salário mínimo e com a contribuição extraordinária. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes e deve ser retomado em agosto ou setembro.
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Na abertura da live, as diretoras explicaram que a reforma da Previdência de Bolsonaro trouxe efeitos danosos, em especial aos servidores e às servidoras, do Regime Próprio. São elas: aumento da idade para aposentadoria; aumento do tempo de contribuição; majoração das alíquotas, com percentuais de progressividade, nos mesmos moldes do imposto de renda; revogação das regras de transição, criação da contribuição extraordinária, criação da contribuição ordinária acima de um salário mínimo sobre proventos de aposentadoria e pensão; fim da isenção da contribuição de aposentados com doenças graves, o duplo teto; tempos distintos na forma de cálculo de aposentadoria de mulheres do Regime Próprio e do Regime Geral; modificação no cálculo da pensão por morte de servidores e servidoras.
O Sintrajufe/RS publicou uma série de matérias, detalhando o conteúdo das ADIs em julgamento.
A live foi feita em um formato de perguntas e resposta. Os questionamentos apresentados, respondidos por Carlos Guedes e Cíntia Bettio, foram formulados, previamente, a partir das principais dúvidas que chegam ao sindicato, e também foram respondidas questões que surgiram durante a realização da atividade.

O julgamento no STF das ADIs sobre a reforma da Previdência de Bolsonaro atinge servidores públicos federais, estaduais e municipais?
Sim. Conforme Carlos Guedes, das três grandes reformas previdenciárias dos últimos 30 anos, da emenda constitucional (EC) 103 de 2019 é considerada a mais drástica em relação aos servidores estaduais e municipais. Nas reformas anteriores, a sobrecarga foi posta sobre os servidores federais, em sua maioria. Com a emenda 103/2019, o número de servidores atingidos foi mais amplo, atingindo milhões de servidores e servidoras, de todos os poderes, nas três esferas.
De que tratam as ADIs já votadas no STF?
São 13 ADIs em julgamento e quase todas têm o mesmo objeto: o combate a mudanças prejudiciais a servidores e servidoras impostas pela EC 103/2019. Algumas ADIs se concentram na instituição de alíquotas progressivas para servidores e servidoras federais, estaduais e municipais; alteração na contagem do tempo de contribuição e idade; há algumas específicas sobre regras de transição; e também a majoração da base de cálculo, que no caso dos federais subiu de 11% para 14%; esse limite máximo pode ser ultrapassado por leis estaduais e municipais para seus respectivos servidores e servidoras.
Se mantidas as regras da reforma da Previdência, como ficariam os descontos de aposentados e pensionistas?
Aposentados e pensionistas sofreram um ataque direto na reforma de 2019, com o fim da isenção do duplo teto de contribuição, com as alíquotas progressivas e a majoração da alíquota-base. Além dessas questões, que repercutem diretamente na renda desses segmentos, há também a possibilidade, prevista na Constituição, de instituição de contribuição previdenciária no que ultrapasse 1 salário mínimo e uma contribuição extraordinária, com duração de até 20 anos, que poderia ser aplicada com percentual superior aos 14% dos servidores federais. Então, os servidores federais, estaduais e municipais foram duramente atingidos por essas quatro mudanças.
O julgamento das ADIs no STF também atinge os servidores e servidoras da ativa?
Sim. Cíntia Bettio explicou que, além do ônus com aumento de contribuição e de idade, estão em julgamento ADIs sobre as regras de transição e sobre alíquotas progressivas. O índice de 14% pode ser reduzido ou majorado conforme a base de contribuição dos servidores da ativa. A EC também prevê a instituição de contribuição extraordinária, que atingiria tanto servidores da ativa quanto aposentados e pensionistas.
Se mantida a votação no STF com relação à contribuição previdenciária acima de um salário mínimo, como já acontece no Rio Grande do Sul, como ficará o desconto de aposentados e pensionistas?
O relator, ministro Barroso, apresentou voto conjunto para as 13 ADIs e não encontrou nenhuma inconstitucionalidade na reforma da Previdência de 2019. Depois, foi aberta divergência pelo ministro Edson Fachin. Um dos pontos de divergência foi que o ministro votou pela inconstitucionalidade do dispositivo que prevê contribuição previdenciária acima de um salário mínimo. Outros sete ministros votaram com Fachin, e se formou maioria para declarar a inconstitucionalidade desse ponto específico. Se for mantida essa posição, será retomado dispositivo anterior, segundo a qual a contribuição passa a acontecer apenas sobre os valores que ultrapassem o teto do Regime Geral de Previdência (RGP).
A contribuição extraordinária e as alíquotas progressivas atingiriam apenas os servidores da ativa?
Não. A EC 103/2019 introduziu parágrafos no artigo 149 da CF que preveem que, se for para custear o Regime Próprio, essa contribuição vai incidir sobre servidores da ativa, aposentados e pensionistas. Quanto às alíquotas progressivas, está previsto, no artigo 11, parágrafo 4º da emenda constitucional, que a alíquota é de 14%, podendo ser reduzida ou majorada, conforme a base de contribuição, e também sobre parcelas e proventos que ultrapassem o teto do RGP. Se mesmo com as alíquotas progressivas houver defasagem atuarial na Previdência, aposentados e pensionistas podem ter majorada sua base de contribuição e ter a incidência de contribuição a partir do salário mínimo. Se mesmo assim não for equalizado, está prevista a contribuição extraordinária, que atingiria servidores da ativa, aposentados e pensionistas.
A reforma reduziu bastante o valor das pensões; há votos no STF para reverter essa situação?
Em 2012, houve uma reforma específica em relação às pensões. O valor da pensão seria o teto mais 70% do valor que ultrapassasse esse teto. A reforma de 2019 introduziu alterações “extremamente danosas”, na opinião de Carlos Guedes. Segundo ele, a fórmula de cálculo é muito complexa; em tese, há uma compreensão de que as pensões seriam correspondentes a 50% das remunerações (servidor ativo falecido) ou dos proventos (servidor inativo falecido), mas, para se chegar ao valor de aposentadorias ou pensões, há outro cálculo matemático usado como redutor. Isso faz as pensões terem 30% a 40% do valor das aposentadorias. “Os próprios ministros do STF, no julgamento, claramente mostraram desconhecimento dessa sistemática”, afirma o advogado.
A questão das pensões não consta do voto divergente do ministro Fachin, mas ao final do julgamento, o ministro Alexandre Moraes também mostrou interesse em revisar esse tema e trazê-lo novamente a plenário na continuidade do julgamento, que deve se dar em agosto ou setembro.
Há alguma chance de a votação das regras de transição e do duplo teto serem retomadas?
Algumas das ADIs tratam especificamente sobre esses dois pontos. Para lembrar, a reforma previdenciária de 2003 foi julgada em 2004. No julgamento da ADI 3104/2004, os integrantes do plenário do STF estabeleceram um compromisso moral de que não deveria haver, no futuro, regras de transição sobre as regras de transição já existentes. Daquele grupo, só restam dois ministros em atividade, Carmen Lucia e Gilmar Mendes, mas nenhum dos dois invocou esse pacto no julgamento que ocorre neste momento.
Embora as regras de transição sejam objeto de ADIs, elas não foram mencionadas nos votos dos ministros Barroso e Fachin, que são os dois votos que estão polarizando o plenário do Supremo. O julgamento não foi concluído, mas, na prática, até o momento, esse silêncio sobre o tema implica a declaração de constitucionalidade das regras de transição da EC 103/2019.
O duplo teto para servidores com doenças graves também é objeto de ADIs que estão sendo julgadas, e há ainda uma ADI anterior (6336), com relatoria do ministro Fachin, que discute especificamente esse tema. Portanto, além do julgamento atual, que abrange as 13 ADIs, pode haver ainda uma segunda discussão, sobre essa ADI específica.
O que mudaria para as mulheres servidoras públicas?
Umas das primeiras críticas, quando a reforma ainda estava no anteprojeto, foi a distinção entre mulheres do RGP e servidoras do Regime Próprio. A EC 103/2019 deixa clara a diferenciação entre mulheres dos dois regimes, com prejuízo para servidoras. Essa norma foi objeto de voto divergente e, até o momento, foi formado o placar de 8 a 2 pela inconstitucionalidade da regra que prevê essa diferenciação.
Os efeitos do julgamento atingem todos os estados?
Na construção política da reforma previdenciária de 2019, os governadores, principalmente, mas também prefeitos de grandes capitais, colocaram uma condição para apoiarem a proposta: que não houvesse necessidade de leis complementares para poderem legislar em sentido diferente da União. O resultado é que, em vários estados (RS, MG, SP, RJ, BA), servidores e servidoras já são atingidos com a contribuição ordinária acima de 1 salário mínimo. Se for mantido o julgamento no placar atual, esse dispositivo será derrubado.
Como fica a questão dos servidores aposentados por invalidez grave?
A reforma de 2019 revogou o parágrafo 21 do artigo 40 do texto permanente da Constituição, que havia sido introduzido pela reforma de 2005 (EC 47/2005), como uma tentativa de minimizar a situação de servidoras e servidores aposentados com doenças graves. Há ADIs específicas sobre o assunto, mas o duplo teto não foi objeto de apreciação no julgamento atual do STF. Segundo a assessoria jurídica, independentemente do resultado do atual julgamento, no julgamento específico esse dispositivo pode ser revogado.
O placar do julgamento no STF pode ser modificado?
Sim, o regimento interno do STF, em seu artigo 133, prevê que os ministros podem mudar o voto até o final do julgamento. Exemplo é o ministro Dias Toffoli, que retificou seu voto, acompanhando a divergência aberta pelo ministro Fachin.
Qual a repercussão do julgamento das ADIs no STF sobre as ações coletivas do Sintrajujfe/RS contra dispositivos da EC 103/2019?
O Sintrajufe/RS foi o primeiro sindicato de servidores e servidoras no país a ingressar com ação judicial discutindo a majoração da alíquota básica de 11% para 14% e a instituição de alíquotas progressivas. Também há uma ação coletiva do Sintrajufe/RS discutindo a revogação das regras de transição da EC 103/2019, para que voltem a ter efeito as regras em curso anteriormente (emendas constitucionais 41, 47 e 20). Outra ação coletiva diz respeito à isenção do duplo teto.
As ADIs têm efeito válido para todos e todas. Na prática, em relação aos pontos em julgamento – progressividade, contribuição ordinária sobre um salário mínimo, contribuição extraordinária, nulidade de aposentadorias e diferenciação entre mulheres do Regime Geral e do Regime Próprio –, elas seriam aplicadas diretamente pelas administrações, independentemente das ações coletivas. Nos estados e nos municípios onde já foram aplicadas as contribuições sobre um salário mínimo e/ou extraordinárias, os valores descontados a mais precisariam ser devolvidos.
Como podemos atuar para revogar toda a reforma de Bolsonaro?
A diretora Arlene Barcellos respondeu a essa pergunta em nome da direção do sindicato. Ela afirmou que, se o STF mantiver as decisões a partir das divergências levantadas pelo ministro Fachin, a justiça será feita em parte. Isso porque “elas resolvem o caráter confiscatório da reforma, mas permanece a contribuição previdenciária de aposentados, aposentadas e pensionistas, assim como o cálculo da pensão e seus efeitos drásticos. “Também não corrigem a injustiça com colegas que estavam próximos da aposentadoria, mas foram afetados pelas mudanças nas regras de transição”.
Há uma grande pressão para uma nova reforma da Previdência, vinda de empresários, de setores da mídia a serviço do mercado financeiro, do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e mesmo de setores do governo. “Mas a nossa força está na instrumentalização sobre esse tema e a atuação das entidades no debate no Congresso Nacional e na luta coletiva pela revogação da reforma da Previdência”.
A Marcha a Brasília, em 22 de maio, levou milhares de trabalhadores e trabalhadoras a Brasília e teve essa pauta como um de seus eixos. A Fenajufe, na atuação contra o confisco, apresentou pedido de audiência pública sobre as mudanças da reforma sobre aposentados, aposentadas e pensionistas sobre o serviço público. “É evidente que só a luta dos trabalhadores e das trabalhadoras do serviço público e privado, do campo e da cidade, é que pode superar os enormes obstáculos que temos pela frente”, afirma Arlene. Entre os obstáculos estão “um Congresso pautado pelos interesses do chamado ‘mercado’ e uma magistratura que se autoconcede privilégios e que, na prática, mantém o coração da reforma trabalhista, da Previdência e da lei das terceirizações”. O compromisso do Sintrajufe/RS é seguir na luta “para retomarmos os direitos e retomarmos uma Previdência pública e solidária para todo o povo brasileiro”