O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes decidiu suspender todos os processos judiciais que tratam de “pejotização” – a contratação de empresas terceirizadas ou de trabalhadores e trabalhadoras sob a forma de pessoa jurídica. A decisão é mais um capítulo do avanço do STF sobre a competência da Justiça do Trabalho na tentativa de liberar sem limites todas as formas de terceirização e contratação precária.
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No último sábado, 12, o Supremo decidiu que um processo que está em julgamento na Corte terá repercussão geral. Trata-se do recurso extraordinário 1532603, no qual será julgado o reconhecimento ou não de vínculo empregatício entre um corretor e uma seguradora, considerando a existência de um contrato de prestação de serviços entre as partes, no formato de franquia. Essa ação será a base para a decisão de repercussão geral no tema 1389, que discute a “competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”.
Não há data definida para que o Supremo paute o processo para julgamento pelo plenário. Quando isso ocorrer, os ministros deverão decidir sobre três pontos já pré-definidos: 1) se a Justiça do Trabalho é a única competente para julgar as causas em que se discute a fraude no contrato civil de prestação de serviços; 2) se é legal que empresas contratem trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, à luz do entendimento firmado pelo STF no julgamento sobre a terceirização de atividade-fim; 3) definir se cabe ao empregado ou ao empregador o ônus de provar se um contrato de prestação de serviços foi firmado com o objetivo de fraudar as relações trabalhistas ou não.
A partir da definição de que haverá repercussão geral, Gilmar Mendes suspendeu todos os processos relacionados ao tema. Em sua manifestação, o ministro criticou as decisões recentes da Justiça do Trabalho. Para ele, elas restringem “a liberdade de organização produtiva”: “o descumprimento sistemático da orientação do Supremo Tribunal Federal pela Justiça do Trabalho tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas”, escreveu.
Supremo retirou da JT 21% dos casos sobre terceirização e uberização
Estudo apresentado no início de maio e realizado por juízes e pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) aponta que o STF retirou da Justiça do Trabalho e mandou para a Justiça Comum 21% dos casos sobre terceirização e uberização (que não será tratada nesse julgamento). Foram analisadas 1.039 decisões do STF, colegiadas ou monocráticas, no intervalo de 1º de julho de 2023 a 16 de fevereiro de 2024.
Em fevereiro, ministros insinuaram que propostas de extinção da JT acabam justificadas por “excessos” do órgão
Em fevereiro deste ano, durante sessão do STF, os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux fizeram críticas à atuação da Justiça do Trabalho, chegando a insinuar que as propostas de extinção do órgão acabam justificadas por “excessos” da JT. Os ministros disseram que há decisões que “ignoram o devido processo legal” e resultam em responsabilizações indevidas de empresas sem conexão com o vínculo trabalhista. As críticas foram direcionadas especificamente à “desconsideração da personalidade jurídica”, medida que permite responsabilizar os sócios ou administradores de uma empresa – ou outra empresa – por atos ilegais: “Vamos falar português claro: ao fim, ao cabo, eu não sei se a Justiça do Trabalho vai fazer o devido processo legal ou se vai fazer uma desconsideração de fantasia, uma desconsideração fake news. Nós somos suprema corte, nós não somos jejunos”, disse Toffoli.
Já Fux afirmou que há falta de compromisso da Justiça do Trabalho com o devido processo legal: “A Justiça do Trabalho faz desconsiderações sem compromisso e sem obedecer o devido processo legal”, disse. Apontou, ainda, que a CLT incluiu a desconsideração da personalidade jurídica justamente para criar um freio aos abusos, mas que não é isso o que tem sido feito: “Isso veio para criar um freio. Nós não podemos fechar os olhos para a realidade, a Justiça do Trabalho, com todo o nosso respeito, redireciona a execução sem o menor compromisso com o devido processo legal”. Dias Toffoli lembrou ainda os ataques à Justiça do Trabalho e as tentativas de extinguir o ramo. Para ele, “excessos” cometidos pela Justiça do Trabalho impulsionam essas ações: “Eu defendi a Justiça do Trabalho. Eu penso que a Justiça do Trabalho, infelizmente, ainda é fundamental num país desigual. Mas eu dizia: isso está acontecendo por excessos”, afirmou.
Sintrajufe/RS vem participando de atividades e ações em defesa da competência da Justiça do Trabalho
Desde 2023, o Sintrajufe/RS vem denunciando o problema em matérias e participando de atividades e ações juntamente com outras entidades para defender a competência da Justiça do Trabalho frente a decisões do STF. Em fevereiro de 2024, por exemplo, o sindicato participou da Mobilização Nacional em Defesa da Competência da Justiça do Trabalho, que ocorreu em mais de 50 cidades em todo o país e, em Porto Alegre, lotou o auditório das varas trabalhistas. Já em abril deste ano, reunião do Fórum Institucional de Defesa da Justiça do Trabalho (Fidejust), do qual o Sintrajufe/RS faz parte, tratou de iniciativas conjuntas com o objetivo de defender a competência da Justiça do Trabalho para conciliar e julgar os conflitos das relações de trabalho no sentido amplo.
CUT assinou manifesto
Em novembro de 2023, a CUT e outras 63 entidades divulgaram um manifesto em defesa da competência constitucional da Justiça do Trabalho. A carta manifesta apreensão em face das restrições à competência constitucional da Justiça do Trabalho e enorme insegurança jurídica provocada pelas recentes decisões do Supremo Tribunal Federal. O documento, assinado por entidades representativas da advocacia, da magistratura, do Ministério Público, da academia e do movimento sindical, refere-se a posicionamentos do Supremo que têm invalidado decisões da Justiça do Trabalho em relação a relações de trabalho, como em questões relativas ao vínculo empregatício de trabalhadores e trabalhadoras vinculados a empresas que operam por meio de aplicativos. O texto lembra que o artigo 114 da Constituição da República atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para julgar os conflitos decorrentes das relações de trabalho. O Supremo Tribunal Federal vem, no entanto, ao longo dos anos, impondo progressiva limitação à referida competência desse ramo do Judiciário.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil