Com as modificações realizadas no ambiente de trabalho em função das medidas contra a pandemia, os pesquisadores e as pesquisadoras se encontram sem dados estatísticos sobre a evolução do assédio moral e sexual nesses contextos, mas as denúncias revelam uma realidade preocupante, afirmou a médica e professora Margarida Barreto. Ela foi a painelista da abertura da jornada de formação do Sintrajufe/RS A saúde dos trabalhadores e trabalhadoras ameaçada. Trabalhar, sim. Adoecer, não . A atividade foi transmitida ao vivo, nessa quinta-feira, 29, com o tema Prevenindo e enfrentando o assédio moral e sexual no trabalho . A mediação foi da diretora do sindicato Mara Weber e contou com a participação da desembargadora do TRT4 Tânia Reckziegel, coordenadora da Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
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Mara Weber apresentou as participantes e deu as boas-vindas ao público, lembrando da importância de iniciativas como essa, principalmente em época de isolamento social, para a manutenção dos laços afetivos entre as trabalhadoras e trabalhadores, fortalecendo e esperançando a nossa ação e nossa consciência de classe. Mara enfatizou a importância da jornada neste momento, em que o capitalismo em sua fase neoliberal impõe a destruição dos direitos sociais, aumenta a violência social, a precarização do trabalho. Destacou ainda que é preciso entender saúde do trabalhador e trabalhadora como luta de classe. E o trabalho remoto compulsório por conta da pandemia também trouxe novos desafios numa realidade onde a correlação de forças capital trabalho está bastante desigual o que nos desafia a buscar cada vez mais a unidade pra enfrentar as opressões, que se apresentam de diversas formas mas o opressor é o mesmo.
Mara destacou também a importância da presença da Desembargadora Tânia Reckziegel e relembrou a luta pela instalação das comissões e comitês de enfrentamento ao assédio moral e sexual nos órgãos do Judiciário Federal e do MPU, mas, apesar desse avanço, ainda temos muito que evoluir no processo de acolhimento das denúncias e proteção dos e das denunciantes e que contamos com o diálogo com o CNJ para que haja essa discussão.
A dirigente também fez uma saudação às 21 entidades e instituições parceiras. A atividade foi assistida por quase 400 pessoas durante a transmissão.
Transparência no Judiciário
Saudando as colegas de mesa e ouvintes, a desembargadora do TRT4 Tânia Reckziegel, que é também coordenadora da Comissão de Combate ao Assédio Moral e Sexual do CNJ, fez uma saudação, na qual reforçou a importância da denúncia e efetiva resolução desses casos.
Ela trouxe também o exemplo da experiência da criação da Política de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral e Assédio Sexual e de Discriminação no âmbito do Poder Judiciário, expressa na resolução 351/2020, aprovada em 20 de outubro.
Segundo Tânia, a luta para instituir essa política foi delicada, porque falar de assédio dentro do próprio ambiente de trabalho é um tema espinhoso, mas indispensável para garantir que este seja saudável e seguro para aqueles profissionais que acolhem as denúncias da sociedade sobre este tema.
Para além da desigualdade de gênero
A médica Margarida Barreto é professora de Medicina do Trabalho da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e professora convidada na USP e no Instituto Oscar Freire. É autora, entre outros, dos livros Assédio moralGestão por humilhação , Violência, saúde e trabalho, uma jornada de humilhações , Do assédio moral à morte de si (organizadora).
Ela iniciou sua apresentação destacando que as ocorrências de assédio têm como causa principal a forma de gestão das empresas que, com foco na produtividade e estimulando a concorrência a partir do medo do desemprego, levou ao rompimento dos laços fraternos nos ambientes de trabalho, o que gera todo tipo de abuso de autoridade e de poder. Mostra disso é que o assédio, em 25% dos casos, ocorre entre colegas do mesmo nível hierárquicoou seja, não se trata um fenômeno individual, mas social. Por isso, mesmo no funcionalismo público não está livre do assédio, porque ainda que a gestão tenha diferenças, a lógica social e de poder é a mesma.
Margarida afirmou que o assédio é visivelmente mais praticado contra mulheres, negros e negras e pessoas de orientação sexual não normativa. Essa situação é um reflexo direto das desigualdades de condições de trabalho a que estão submetidos esses grupos sociais.
Segundo a médica, neste momento, o Brasil é um dos países mais desiguais no planeta, tendo que enfrentar temas como a desigualdade estrutural, a violência institucionalizada, a violência como exercício de poder, que se alastra, discrimina e é naturalizada. A desigualdade social não é exclusividade do nosso país, já que em muitos países chamados desenvolvidos os 10% mais ricos igualmente detêm 60% da riqueza nacional.
Mas, aqui, a situação também é de desigualdade de gênero, raça, geração, geográfica e de acesso aos serviços públicos. Essa desigualdade se tornou mais aguda com o surgimento da crise econômica derivada do isolamento social. O trabalho remoto, também consequência desse contexto, teria intensificado o trato violento nas relações de trabalho.
Empreendedorismo como forma de nova escravidão
A prática de assédio em ambiente de trabalho seria fruto do próprio sistema capitalista, e sua fase atual de neoliberalismo financeirizado que busca sempre um Estado mínimo, que opera a favor dos mais ricos e que está instituindo uma ilusão de empreendedorismo aos trabalhadores e trabalhadoras, que leva à perda da consciência de classe. Deixando de ser empregado e se tornando parceiro ou colaborador através de denominações como MEI, EPP (empresa de pequeno porto), EI (empresário individual) e outras, o trabalhador e a trabalhadora perdem a consciência sobre a própria condição de opressão.
Mais do que isso, inicia-se um processo de autocoerção, de autoexploração por parte do próprio trabalhador e trabalhadora, que, sustentando a ilusão de que são livres, ficam em silêncio ante situações coercitivas, motivados pelo medo de perder o posto. A violência como exercício de poder do contratante segue sendo exercida. O trabalhador e a trabalhadora se desesperam buscando formas para obterem uma remuneração mais consistente, que creem dependerem dele e delas somente. Segundo a médica, isso leva, progressivamente, à angústia, ao desespero, à depressão, que redundam em Burnout (distúrbio psíquico relacionado ao trabalho, causado pela extrema exaustão extrema) ou, em alguns casos, mesmo em suicídio.
Fim do silêncio
Margarida aponta que o enfrentamento dessa realidade exige a denúncia e uma postura intolerante com a violência e contra o silêncio institucional, o silêncio branco, hétero e todos os silêncios que encubram os fatos em busca do favorecimento por um grupo em detrimento de minorias.
Por mais difícil que a situação de denúncia se revele, torna-se necessária a criação de dispositivos para que quem denuncie se sinta segura e acolhida em sua condição.
Próximo evento acontece dia 6 de maio
A jornada continua na próxima quinta, 6 de maio, também às 18h30min, com o painel Formação do Estado brasileiro: as raízes da subalternidade . que contará com a presença do cientista político Henrique Carlos Oliveira de Castro e da filósofa e escritora Márcia Tiburi.
Todos os eventos da jornada são transmitidos pelo canal do YouTube do Sintrajufe/RS e Facebook do sindicato e das entidades parceiras.
Entidades parceiras:
TRT4 e Escola Judicial do TRT4
Fenajufe (Judiciário Federal e MPU) e Fenajud (Judiciário Estadual)
CUT/RS e CUT Regional Centro RS (Santa Maria e região) e FSST
Sindicatos do Judiciário Federal/MPU: Sindjuf/PA-AP, Sintrajuf/PE, Sisejufe/RJ, Sintrajusc/SC e Sindiquinze/SP
Sindicatos do Judiciário Estadual: Sindjustiça/GO, Sindijus/PR e SinjuSC/SC
Sindicatos de outras categorias: Assufsm, Cpers/RS, Semapi/RS, Sindiágua/RS, Sindipetro/RS, Sindjor/RS, APP Sindicato (educação pública do Paraná)