As contratações temporárias em prefeituras do Brasil tiveram aumento de 52,5% entre 2013 e 2023. Já os cargos comissionados cresceram 36% no mesmo período, enquanto o saldo positivo no número de servidores concursados foi de apenas 4% em dez anos. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e fazem parte de reportagem do jornal Folha de S. Paulo, publicada nesta sexta-feira, 16.
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O percentual de servidores temporários no serviço público municipal chegou ao maior patamar em pelo menos dez anos: 20%. Há muitas cidades de todos os tamanhos onde esse percentual ultrapassa 50%. Em Fernando de Noronha (PE), por exemplo, 93% da força de trabalho é composta por temporários. Em Montes Claros (MG), cidade com 400 mil habitantes, o percentual é de 70%. João Pessoa, capital da Paraíba, tem 51% de temporários entre seus servidores e servidoras.
A contratação temporária é um recurso previsto na legislação para suprir necessidades emergenciais e, como o próprio nome diz, temporárias. Porém, esse instrumento tem sido usado para reduzir custos sob a justificativa da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Isso porque servidores temporários ganham menos do que os concursados e têm menos direitos, como benefícios e estabilidade. Ou seja, trata-se de uma forma precarizada de contratação. Além disso, como adverte a reportagem da Folha, esse tipo de contratação simplificada, que exige apenas envio de currículo e entrevista, sem concurso público, é uma porta para o clientelismo e a pressão política.

A Folha cita o caso de um município, não especificado, onde, conforme a professora de administração pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Gabriela Lotta, “profissionais [temporários] da saúde, nas vésperas da eleição, foram pressionados por um prefeito a mudar a fila de espera do SUS. Senão, seriam demitidos”. Outra entrevistada pela Folha, a professora da Escola de Administração de Empresas da FGV Cibele Franzese, aponta ainda um prejuízo específico na educação: “A fixação de um professor na escola, por exemplo, é importante. Se esse professor vai sendo trocado, ainda mais no meio do ano letivo, é ruim para a aprendizagem”.
O prejuízo é compartilhado, portanto, entre servidores temporários (sem direitos e com salários menores para exercer as mesmas funções dos concursados) e o conjunto da população, que vê a qualidade dos serviços cair e as pressões políticas e interesses pessoais ganharem espaço. O problema é agravado, explica o jornal, pelo crescimento dos cargos comissionados: “O aumento de servidores em cargos comissionados, de 36% em dez anos, pode ser outro sintoma do clientelismo. De acordo com Lotta, as prefeituras passaram a contratar esses profissionais também para exercer funções de servidores efetivos. A diferença é que, em alguns casos, eles assumem o cargo sem passar por processo seletivo”.
Escolas estaduais do Brasil têm mais professores temporários do que efetivos
O problema não se restringe a prefeituras. Reportagem publicada pelo portal G1 e repercutida pelo Sintrajufe/RS em outubro de 2024 aponta que, desde 2022, os colégios estaduais do Brasil têm mais professores temporários do que efetivos. Em 2013, eram 505 mil professores concursados nas redes estaduais, frente a 230 mil temporários. O número de temporários cresceu devagar até 2020, período em que havia queda no número de concursados. Mas, a partir de 2020, a mudança foi vertiginosa, até que em 2022 as posições se inverteram. Em 2023, último ano com dados do Censo da Educação Básica, eram apenas 321 mil concursados e 356 mil temporários.
Estado por estado, 15 estão nessa situação. No Rio Grande do Sul, 59% dos professores da rede estadual são temporários. A situação mais grave é em Minas Gerais, onde os temporários são 80%. O que era para ser uma estratégia para eventualidades, como doenças ou aposentadorias recentes dos professores titulares, virou regra como caminho para reduzir custos – uma conta que acaba sendo paga pelos trabalhadores e trabalhadoras da educação e também pela sociedade como um todo, que vê a qualidade da educação cair.
No Judiciário, problemas parecidos
Nos últimos anos o Sintrajufe/RS vem denunciando o crescimento de formas “alternativas” de contratação no Judiciário. Temporários, terceirizações e, em especial, cargos em comissão crescem vertiginosamente, substituindo a contratação via concursos públicos. O problema dos cargos em comissão, que não atinge o Judiciário Federal, agrava-se dia a dia no Judiciário Estadual, inclusive no Rio Grande do Sul.
Outro problema é “residência jurídica”, por meio da qual diversos tribunais do Judiciário Federal em todo o país estão oferecendo “bolsas” muito inferiores aos salários dos servidores a “residentes” que acabam fazendo trabalhos similares aos concursados. Trata-se de uma espécie de substituição de mão de obra, extremamente mais barata, inclusive com outra forma de ingresso. Em vez do concurso público, uma simples seleção. É uma flagrante precarização do trabalho.
Foto: Alex Rocha/PMPA