SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

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Colegas negros e negras falam sobre políticas afirmativas e representatividade no Judiciário

Colegas negros e negras falam sobre políticas afirmativas e representatividade no Judiciário

Na população brasileira, 56,1% pessoas se declaram negras e negros, de acordo com dados do IBGE. No entanto, essa realidade não se reflete na ocupação de cargos mais bem remunerados, inclusive no serviço público. No Judiciário Federal, de acordo com o levantamento mais recente divulgado, o Censo 2014, eram 6,6% de servidores e servidoras negros (pretos e pardos) e 93,3% de brancos. No Rio Grande do Sul, de acordo com as respostas à Pesquisa de Saúde 2018/2019 do Sintrajufe/RS, negras e negros são 7,6% do quadro.

Ainda não há números oficiais sobre o impacto de sua resolução 203/2015, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que define reserva de 20% das vagas a negros e negras para provimento de cargos efetivos e ingresso na magistratura. O CNJ tomou por base a lei 12.990, do governo federal, publicada no ano anterior, que também garante o mesmo percentual nas vagas em concursos públicos para provimento de cargos públicos e empregos públicos.

Em novembro deste ano, houve 20 nomeações de cotistas no ato 365, resultado do primeiro concurso da Justiça Federal da 4ª Região com cota racial depois da resolução do CNJ. Começando com esses colegas nomeados em novembro, alguns que não tomaram posse ainda, o Sintrajufe/RS faz uma série sobre o assunto. O objetivo é ouvir colegas negras e negros, sua visão sobre as políticas afirmativas e representatividade no Judiciário.

Thatiane Oliveira Santana, nomeada no TRF4 pela política de cotas
Thatiane Oliveira Santana

“A maioria da população brasileira é negra, entretanto esse número não se reflete no número de magistrados e servidores, principalmente do Poder Judiciário. Somente em 2015 o Judiciário adotou o sistema de cotas, o qual ainda não é suficiente para ampliar o número de negros em seus quadros.

Ainda causa estranheza e desconforto para muitos encontrar juízes negros nos corredores dos fóruns. Acredito que uma Justiça mais plural traria mais segurança jurídica, sobretudo se as decisões dos tribunais superiores tivessem a participação de membros negros, já que temos em média 2/3 da população carcerária composta de negros. Isso diminuiria a sensação de injustiça e discriminação das sentenças.

O racismo estrutural é uma realidade no Brasil, por isso é importante investir em políticas afirmativas. O motivo da baixa representatividade do negro no Judiciário brasileiro é a ideia preconceituosa de que o negro não combina com funções intelectuais, e sim como subalternos. Precisamos de um Judiciário mais plural e atuante na luta contra o racismo que ainda divide a sociedade brasileira. Precisamos de negros atuando nos tribunais superiores, para isso é necessário incentivar e ampliar as políticas afirmativas de inclusão.”

Guilherme Casseano, ingresso previsto para dezembro de 2020 na Justiça Federal, pela política de cotas
Guilherme Casseano

“A falta de representatividade é perceptível em todo o serviço público, no Judiciário não é diferente. Em todos os cargos nota-se a falta dela. A situação ainda é mais evidente nos cargos que exigem maior nível de escolaridade.

Com certeza, uma mudança na estrutura da composição do Judiciário pode levar a uma melhora no acesso à Justiça pela população preta e parda, aliada a outras políticas públicas de inclusão. A mudança na composição pode trazer junto uma mudança de ideias, mudança de visão, outros pontos de vista, de diferentes ângulos da nossa sociedade plural.

Políticas afirmativas de inclusão são ferramentas importantíssimas para reduzir as desigualdades presentes na sociedade. Além das ações para inclusão de pessoas pretas e pardas, pode-se citar a de inclusão de pessoas com deficiência, cotas sociais para pessoas de baixa renda nas universidades, entre outras. Apesar de muitas delas serem tardias, observa-se que, nos últimos anos, têm ganhado forças. Precisamos, assim, com a colaboração de todos, fazer com que as oportunidades cheguem ao maior número de pessoas excluídas, para tentar mitigar os impactos que esses grupos sofreram ao longo de tantos anos de esquecimento.”

Kátia Cristina de Oliveira, nomeada em novembro de 2020, ingresso pela política de cotas
Kátia Cristina de Oliveira

“A falta de representatividade é notória nos órgãos públicos, bem como em cargos de chefia da iniciativa privada. No Poder Judiciário, por sua vez, a realidade não é diferente, visto que é composto majoritariamente por pessoas brancas. Além disso, a situação é mais grave nas carreiras mais prestigiadas desse Poder, em que o número de pretos e pardos é ainda é menor.

Historicamente, a estrutura do Poder Judiciário é marcada pela invisibilidade negra. Diante deste cenário desalentador, é importante prestigiar ações afirmativas que visam garantir uma representatividade mais expressiva em todos os níveis da carreira judiciária.

O racismo estrutural do Poder Judiciário limita o acesso à Justiça para a população negra. Por um lado, ela tem dificuldade de efetivar seus direitos e acessar a Justiça; e, por outro lado, é vítima do sistema penal. O sistema carcerário representa uma das maiores desigualdades raciais, visto que há um encarceramento em massa do povo negro e uma verdadeira seletividade penal.

É necessário haver mais pluralidade, diversidade e integração no Poder Judiciário. A população negra deve ocupar mais espaços nos órgãos públicos a fim de modificar as estruturas de poder e construir uma Justiça mais justa e igualitária.

As políticas públicas de combate ao racismo devem incluir ações afirmativas que visam concretizar a igualdade material, aumentar a representatividade nos órgãos públicos e diminuir a desigualdade latente do nosso país. O racismo estrutural é uma das marcas mais severas das desigualdades sociais do Brasil: negros são as maiores vítimas de violência, maior população carcerária, menor renda, ocupam menos espaço na política, menos acesso ao ensino superior etc.”