Quase dois terços dos municípios do Brasil não realizaram sequer um concurso público para a contratação de professores nos últimos cinco anos. Além disso, um terço deles não o faz há pelo menos dez anos. Os dados são de levantamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em parceria com o Movimento Profissão Docente.
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Conforme o levantamento, professoras e professores concursados estão sendo substituídos por temporários. Esses trabalhadores e trabalhadoras têm menos direitos e menores salários e, segundo o relatório do BID, em geral são contratados por meio de processos seletivos excessivamente simplificados, sem as etapas recomendadas internacionalmente. No estado de São Paulo, por exemplo, a maior rede de ensino municipal do país, 50,7% dos 162 mil professores estão contratados como temporários.
O estudo aponta que apenas 37% dos municípios tinham feito concurso público a menos de cinco anos. Em 31% deles os concursos tinham sido realizados entre 5 e 9 anos. Em 22%, entre 10 e 15 anos e em 10% há mais de 15 anos. O estudo encontrou ainda municípios que estão há mais de 20 anos sem fazer concurso para docentes, como é o caso de cidades no interior da Bahia, Minas Gerais e Paraná. A situação é semelhante nas redes estaduais.
No RS, privatização e previsão de contratação do dobro de temporários em comparação com concursados
No Rio Grande do Sul, o último concurso público para a contratação de professores fora realizado há mais de dez anos, conforme o relatório, que chega até 2023 – no ano passado, finalmente, foi realizado novo certame e resultou em 1,5 mil contratados. No início do ano, o governador Eduardo Leite (PSDB) anunciou que realizará um concurso para a contratação de 3 mil professores para a rede pública estadual. Mas a proporção pende para a precarização: governo do estado protocolou, no ano passado, na Assembleia Legislativa, um projeto de contratação emergencial (PL 364/2023) que prevê vagas para até 9 mil professores e servidores temporários.
Ao mesmo tempo, Leite acaba de dar mais um passo para destruir a educação pública no estado: está prestes a lançar a consulta pública obrigatória que precederá o repasse ao setor privado de diversos serviços em 99 escolas da rede pública estadual. O projeto foi lançado em agosto de 2023, abrange 4,2% da rede estadual e irá afetar 56 mil estudantes de 15 municípios. As empresas selecionadas para a chamada “parceria público-privada” (PPP) irão reformar as escolas e explorar, por 25 anos, serviços como conservação e manutenção predial, conectividade, zeladoria, higiene e limpeza, segurança e vigilância, jardinagem, controle de pragas, fornecimento de utilidades, gestão de resíduos sólidos e fornecimento de mobiliário e equipamentos. A consulta é obrigatória para o processo e ficará aberta por 30 dias. A intenção do governo é lançar o edital até dezembro e realizar o leilão em fevereiro de 2025, com a assinatura do contrato até abril do ano que vem e a apresentação dos planos de obras em junho. Leia AQUI mais sobre o caso.
São Paulo e Paraná aceleram privatização de escolas com o mesmo argumento utilizado no RS
Em São Paulo e no Paraná, os governadores Tarcísio de Freitas (REP) e Ratinho Jr. (PSD) vêm implementando projetos que, também sob o pretexto das “reformas”, repassam ao setor privado a gestão das escolas. Em São Paulo, o projeto foi iniciado em abril de 2023, com leilão para empresas privadas construírem e gerirem de 33 escolas estaduais previsto para novembro. No Paraná, o projeto tramita na Assembleia Legislativa, e a intenção é implementar esse modelo em 200 escolas da rede pública.
Em ambos os casos, o argumento é de que o objetivo é “liberar a direção da escola de tarefas burocráticas, permitindo maior dedicação às questões pedagógicas”. Não por acaso, a mesma linha é utilizada para defender o projeto de Leite. Em novembro do ano passado, a secretária de Educação, Raquel Teixeira, disse que “hoje, os diretores de escola perdem muito tempo tendo que lidar com questões burocráticas de obras de infraestrutura. Nessas 100 escolas, isso ficará a cargo do parceiro privado e o diretor poderá se dedicar mais ao apoio pedagógico”.
Leia AQUI a íntegra do relatório do BID.
PEC 32, a reforma administrativa de Bolsonaro e Guedes, em doses homeopáticas
Jair Bolsonaro (PL) terminou seu governo sem conseguir aprovar sua proposta de reforma administrativa, a PEC 32 – que segue com defensores no Congresso, mas por ora está parada. Mesmo sem a aprovação da PEC, porém, parte de seu conteúdo vem, na prática, sendo aplicada em diversos âmbitos. A reforma aponta, por exemplo, para o fim dos concursos públicos, com sua substituição por formas “alternativas” de contratação – inclusive contratos “temporários” de até dez anos, com menos direitos para os trabalhadores, menos regras nas contratações e enfraquecimento dos serviços prestados à população. A substituição de professores concursados por temporários nada mais é, portanto, do que a aplicação prática desse tipo de agenda.
No Judiciário, a precarização se chama “residência jurídica”
Algo semelhante à troca de concursados por temporários na educação acontece no Judiciário sob a nomenclatura de “residência jurídica”. Essa modalidade de contratação vem desde 2022 se espalhando pelo país, voltado para pessoas “que estejam cursando especialização, mestrado, doutorado, pós-doutorado ou, ainda, que tenham concluído o curso de graduação há no máximo 5 (cinco) anos”, conforme resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O salário é chamado de bolsa de auxílio e tem valor estipulado pelos respectivos órgãos. Trata-se de uma espécie de substituição de mão de obra, extremamente mais barata, inclusive com outra forma de ingresso. O programa já foi aprovado em vários tribunais no país. Exemplos são o TRF2 (Rio de Janeiro e Espírito Santo), os TREs de Amazonas, Tocantins e Minas Gerais e os tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, Paraná, Tocantins, Amazonas e Paraíba.
Com informações da Folha de S. Paulo
Foto: Arquivo/Agência Brasil