SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

EM BENTO GONÇALVES

MPT pode responsabilizar Aurora, Salton e Garibaldi por trabalho análogo à escravidão; qual a relação do caso com a EC 95/2016?

O Ministério Público do Trabalho (MPT) pode responsabilizar as viní­colas Aurora, Salton e Garibaldi pela contratação de mão de obra análoga à escravidão para a colheita de uva em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Ao longo desta semana, será designada audiência com a empresa empregadora, a Fênix Serviços de Apoio Administrativo de Bento Gonçalves, e com as viní­colas tomadoras para prosseguimento da negociação de indenizações individuais e coletiva e também para fixação de obrigações que previnam novas ocorrências.

Na operação, que envolveu também a Polí­cia Rodoviária Federal (PRF), Polí­cia Federal (PF) e agentes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), foram resgatados 207 trabalhadores, de 18 a 57 anos, a grande maioria vinda da Bahia, mesmo estado do aliciador Pedro Augusto Oliveira de Santana, 45 anos, que chegou a ser preso, mas foi liberado após pagar fiança no valor de R$ 39.060.

Com relação às empresas tomadoras é preciso garantir reparação coletiva e medidas de prevenção, já foram instaurados procedimentos investigativos contra as três viní­colas já identificadas , afirmou a procuradora do MPT Ana Lucia Stumpf González. O gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Vanius Corte, afirmou também que as três viní­colas podem ser responsabilizadas pelo pagamento dos direitos trabalhistas, caso o contratante original não faça a quitação. Segundo ele, isso ocorre porque as viní­colas têm responsabilidade subsidiária em relação aos trabalhadores que prestaram serviços, mesmo sendo contratados por terceiros. Ou seja, quando o devedor principal não pode pagar totalmente o débito, a despesa é arcada por quem contou com essa mão de obra. No caso, a responsabilização seria financeira, mas não haverá processo criminal contra as viní­colas.

Corte também explicou que as empresas foram incluí­das na investigação porque têm a obrigação de fiscalizar quem são as pessoas contratadas de forma terceirizada. Ele disse que produtores rurais que têm relação com o agenciador serão investigados. A informação foi dada por Corte em entrevista à Rádio Gaúcha.

Indenizações devem chegar a R$ 1 milhão

Na noite de sexta-feira, 24, os trabalhadores receberam parte das suas verbas rescisórias e foram enviados de volta para seu estado natal em quatro ônibus fretados, com garantia de custeio da alimentação durante o trajeto. Apenas 12 dos resgatados permaneceram no Rio Grande do Sul, por serem aqui residentes ou por não terem manifestado interesse em retornar.

Como forma de adiantar o pagamento das verbas rescisórias aos resgatados, foi negociado com o proprietário da empresa contratante um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) Emergencial garantindo que cada trabalhador recebesse R$ 500,00 em dinheiro. O restante das verbas devidas será quitado até terça-feira, 28. Está estabelecido no TAC que o empresário deverá apresentar a comprovação dos pagamentos sob pena de ajuizamento de uma ação civil pública por danos morais coletivos, além de multa correspondente a 30% do valor devido. Até o momento, estima-se que o cálculo total das verbas rescisórias ultrapasse R$ 1 milhão. O custo do transporte dos trabalhadores de volta à Bahia também ficou sob responsabilidade do contratante. Os valores desembolsados pela empresa contratante, segundo o TAC, também não quitam os contratos de trabalho, nem importam em renúncia de direitos individuais trabalhistas, que poderão ser reclamados pelos trabalhadores. Os próximos passos são acompanhar o integral pagamento dos valores devidos aos trabalhadores, estabelecer obrigações para prevenir novas ocorrências com relação a esse grupo de empresas intermediadoras , afirmou a procuradora Stumpf González.

Entenda

O caso só foi descoberto porque um grupo conseguiu fugir e fazer a denúncia à PRF. Segundo a PRF, três trabalhadores procuraram os policiais na Unidade Operacional da PRF em Caxias do Sul e informaram que tinham acabado de fugir de um alojamento em que eram mantidos contra sua vontade. A PRF acionou o MTE e a PF para deslocar ao endereço indicado e confirmar a informação dos trabalhadores. As equipes foram até o local que seria utilizado como alojamento pelos homens e os Auditores do Trabalho constataram que havia em torno de 150 homens em situação análoga à escravidão .

Os trabalhadores recebiam comida estragada, tinham de trabalhar com roupas molhadas, sem banho quente, e eram obrigados a realizar compras apenas em um mercadinho, com produtos superfaturados e o valor descontado dos salários, o que gerava dí­vidas dos trabalhadores com o aliciador, pretexto por meio do qual eram impedidos de deixar o local, sob ameaças a eles próprios e aos familiares que vivem na Bahia.

Os trabalhadores também relataram terem sido ví­timas de violência fí­sica. Um dos trabalhadores que conseguiu escapar contou ao jornal Pioneiro que, apesar das circunstâncias de trabalho diferentes do prometido quando da contratação, tentou relevar, mas acabou decidindo gravar um ví­deo denunciando as condições. Após a gravação, foi violentamente agredido e ameaçado: Tomei cadeirada, spray de pimenta, estou com os dentes moles. Eu escutei eles falando que um carro estava vindo para levar para me matarem. O tempo dos escravos eu não vivi, acho que nem minha bisavó viveu. Hoje vai existir escravo de novo? Não vai. O que depender de mim, não vai, eu vou abrir minha boca, eu vou falar que tá errado , disse.

Problema se repete anualmente na colheita da uva

De acordo com o MTE, já foram feitas outras operações do mesmo tipo, neste ano, em Nova Roma do Sul, Caxias do Sul, Flores da Cunha e também em Bento Gonçalves. Dois locais que serviam como alojamentos foram interditados por apresentarem problemas de segurança em instalações elétricas, superlotação e questões de higiene. No total, foram vistoriadas 24 propriedades rurais nessas cidades e identificados 170 trabalhadores sem registro.

Ministério tem mesmo quadro de 25 anos atrás

A precarização vivida nos últimos anos pelo conjunto do serviço público também atinge o Ministério do Trabalho e Emprego, responsável pelas fiscalizações de combate ao trabalho análogo à escravidão, de forma que operações como a de Bento Gonçalves não dependam de fugas de trabalhadores. A situação no órgão é de grave falta de servidores e servidoras. Conforme o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), o último concurso foi realizado em 2013, com apenas 100 vagas, que não foram todas preenchidas até agora. Dessa forma, cerca de 40% do quadro está vago, com quase 1.500 vagas em aberto. Ainda conforme o Sinait, a carreira da Auditoria-Fiscal do Trabalho está operando no limite, com menos de 2 mil auditores em atividade, o mesmo quadro de 25 anos atrás. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, em reunião com o Sinait neste mês, disse que está buscando viabilizar a realização de um concurso o quanto antes, se possí­vel ainda neste ano.

Parte do problema é oriundo da emenda constitucional (EC) 95/2016, do teto de gastos, que congela os gastos públicos por vinte anos. Tanto para a contratação de fiscais quanto para outros servidores e servidoras dos demais órgãos públicos, a EC 95 impede o suprimento de cargos vagos, prejudicando a qualidade dos mais diversos serviços públicos dos quais a população necessita, incluindo a fiscalização de direitos trabalhistas. Assim, a revogação da EC 95 é uma necessidade para que o serviço público seja fortalecido e passe a atender às necessidades da sociedade brasileira.

Resolução que ameaça varas trabalhistas precisa ser revogada

Muitos casos de exploração de trabalho análogo à escravidão acabam sendo enviados à Justiça do Trabalho, principalmente quando não há assinatura de termo de ajuste de conduta (TAC) ou seu cumprimento posterior. Essas situações reforçam a importância da presença da Justiça do Trabalho em todas as regiões, em especial no interior.

Nesse contexto, é necessário que seja definitivamente revogada a resolução 296/2021 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). Essa resolução, suspensa até junho deste ano após pressão de servidores e comunidades, traz uma ameaça imediata a dezenas de varas trabalhistas em todo o paí­s, inclusive no Rio Grande do Sul. A resolução determina que os tribunais regionais realizem a adequação da jurisdição ou transferência de unidades judiciárias de primeiro grau que tenham apresentado distribuição processual inferior a 50% (cinquenta por cento) da média de casos novos por Vara do Trabalho do respectivo tribunal, no último triênio . Se aplicada, pode deixar sem acesso à Justiça do Trabalho justamente quem é mais vulnerável. As áreas mais afastadas e de cidades menores, com maiores áreas rurais, registram maior incidência de trabalho análogo à escravidão justamente por estarem mais afastadas dos grandes centros e da fiscalização, e o fechamento de varas trabalhistas pode agravar o problema.

Fonte: CUT/RS; editado por Sintrajufe/RS