SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

NA FRONTEIRA OESTE

Exposição a venenos, exaustão e comida estragada: em Uruguaiana, 82 pessoas são resgatadas em situação semelhante à de escravidão em lavouras de arroz

Na sexta-feira, 10, 56 pessoas foram resgatadas em lavouras de arroz na cidade de Uruguaiana; o número subiu para 82 depois de cruzamentos de dados das equipes de resgate, pois os trabalhadores estavam em lugares diferentes, nas estâncias Santa Adelaide e São Joaquim. Do total, 11 eram adolescentes. Esse foi o segundo maior resgate de pessoas trabalhando em condições análogas às de escravidão no Rio Grande do Sul, atrás apenas do caso dos 207 trabalhadores em plantações das viní­colas Aurora, Garibaldi e Salton em Bento Gonçalves.

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em conjunto com a Polí­cia Federal (PF) e com o Ministério Público do Trabalho (MPT), MPT, busca identificar quem são os empregadores dessas pessoas. Os proprietários da estância São Joaquim disseram que a propriedade está arrendada para uma pessoa que faz o plantio do arroz no local e alegam que não sabiam das suspeitas de exploração de mão de obra.

De acordo com Vitor Siqueira Ferreira, auditor-fiscal do trabalho, há dúvida sobre quem são os empregadores porque os responsáveis pelas lavouras teriam contratado uma empresa para semear e cultivar o arroz. Teria sido essa empresa que contratou o agenciador que forneceu a mão de obra, um homem de 56 anos, natural de Uruguaiana. O suspeito chegou a ser preso, mas foi liberado após pagar fiança. Ele não tinha empresa constituí­da e exercia uma forma de recrutamento informal e precária .

Condições degradantes

Conforme a fiscalização, os trabalhadores realizavam o corte manual do arroz e a aplicação de agrotóxico na plantação. Os resgatados não utilizavam equipamentos de proteção, de acordo com as autoridades.

A refeição e as ferramentas de trabalho eram custeadas pelos próprios trabalhadores. As condições degradantes incluí­am comida azeda, não fornecimento de água e caminhadas sob o sol escaldante para chegar ao local em que desempenhavam as atividades. Segundo Ferreira, os próprios funcionários dos órgãos de fiscalização ficaram impressionados com a situação.

A comida azedava, e os trabalhadores tinham que repartir o que não azedava entre eles. Se algum deles adoecesse, teria remuneração descontada, segundo apurado pela fiscalização. Conforme os relatos, um dos adolescentes sofreu um acidente com um facão e ficou sem movimentos de dois dedos do pé.

Era um trabalho penoso, ficavam no sol, sem alimentação, sem água potável, muitas vezes tinham que andar mais de 50 minutos, muitos andavam descalços”, diz o procurador Hermano Martins Domingues.

A operação foi realizada em duas propriedades rurais do municí­pio, após uma denúncia informar que havia jovens trabalhando sem carteira assinada. Ao chegar ao local, a fiscalização constatou a situação e identificou adultos também em condição de escravidão.

De acordo com o MPT, os trabalhadores eram da própria região, vindos de Itaqui, São Borja, Alegrete e de Uruguaiana. Eles teriam sido recrutados por um agenciador de mão de obra que atuava na Fronteira Oeste.

Segundo o MPT, os trabalhadores vão receber de imediato três parcelas de seguro-desemprego, e os empregadores serão notificados para assinar a carteira de trabalho dos resgatados e pagar as devidas verbas rescisórias. Na sequência, serão pleiteados os pagamentos de indenizações individuais e coletivas.

MTE tem o mesmo quadro de 25 anos atrás

O Ministério do Trabalho e Emprego, responsável pelas fiscalizações de combate ao trabalho análogo à escravidão, sofre com a falta de servidores e servidoras. Conforme o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), o último concurso foi realizado em 2013, com apenas 100 vagas, que não foram totalmente preenchidas. Dessa forma, cerca de 40% do quadro está vago, com quase 1.500 vagas em aberto. Ainda conforme o Sinait, a carreira da Auditoria-Fiscal do Trabalho está operando no limite, com menos de 2 mil auditores em atividade, o mesmo quadro de 25 anos atrás.

Sintrajufe/RS defende revogação da resolução de extinção de varas trabalhistas

Muitos casos de exploração de trabalho análogo à escravidão acabam sendo enviados à Justiça do Trabalho, principalmente quando não há assinatura de termo de ajuste de conduta (TAC) ou seu cumprimento posterior. Essas situações reforçam a importância da presença da Justiça do Trabalho em todas as regiões, em especial no interior.

Nesse contexto, é necessário que seja definitivamente revogada a resolução 296/2021, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), que determina que os tribunais regionais realizem a adequação da jurisdição ou transferência de unidades judiciárias de primeiro grau que tenham apresentado distribuição processual inferior a 50% (cinquenta por cento) da média de casos novos por Vara do Trabalho do respectivo tribunal, no último triênio .

A resolução foi suspensa até junho deste ano, após pressão de servidores e comunidades, mas o Sintrajufe/RS defende a revogação da medida. Em todos o paí­s, 69 varas trabalhistas podem ser extintas; 9 delas no Rio Grande do Sul: Alegrete, Arroio Grande, Encantado, Lagoa Vermelha, Santa Vitória do Palmar, Santana do Livramento, Santiago, São Gabriel e Rosário do Sul.

No estado, para chegar às varas trabalhistas mais próximas, os jurisdicionados e os advogados e advogadas terão que percorrer grandes distâncias caso as 9 varas sejam de fato extintas.


Os cortes que impedem o preenchimento de cargos vagos e buscam reduzir o tamanho de órgãos como MTE, MPT e Justiça do Trabalho têm grande relação com a emenda constitucional (EC) 95/2016, do teto de gastos, que congela os gastos públicos por vinte anos. Tanto para a contratação de fiscais quanto para outros servidores e servidoras dos demais órgãos públicos, a EC 95 impede o suprimento de cargos vagos, prejudicando a qualidade dos mais diversos serviços públicos dos quais a população necessita, incluindo a fiscalização de direitos trabalhistas. Assim, a revogação da EC 95 é uma necessidade para que o serviço público seja fortalecido e passe a atender às necessidades da sociedade brasileira.

Com informações de G1