SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

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Entidade empresarial gaúcha divulga nota relacionando trabalho análogo à escravidão com existência de políticas sociais; em 2022, cancelaram evento com Fux e foram contra a PEC da transição

O Centro da Indústria, Comércio e Serviços (CIC), que reúne empresários de Bento Gonçalves, divulgou no último sábado uma nota sobre o resgate de cerca de 200 trabalhadores terceirizados que estavam em situação análoga à escravidão, atuando na colheita de uva no município. A nota tenta criar uma relação entre a situação desses trabalhadores e as políticas assistenciais do governo, como o Bolsa Família. O CIC é a mesma entidade que, em maio do ano passado, cancelou uma palestra do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, na cidade. A mesma entidade, também, que, em novembro, criticou a PEC da Transição e defendeu a reforma administrativa.

Entenda o caso

O caso só foi descoberto porque um grupo conseguiu fugir e fazer a denúncia à PRF. Segundo a PRF, três trabalhadores procuraram os policiais na Unidade Operacional da PRF em Caxias do Sul e informaram que tinham acabado de fugir de um alojamento em que eram mantidos contra sua vontade. Eram cerca de 200 trabalhadores atuando para uma empresa terceirizada que prestava serviços a vinícolas como a Salton, a Aurora e a Garibaldi. Eles recebiam comida estragada, tinham de trabalhar com roupas molhadas, sem banho quente, e eram obrigados a realizar compras apenas em um mercadinho, com produtos superfaturados e o valor descontado dos salários, o que gerava dívidas dos trabalhadores com o aliciador, pretexto por meio do qual eram impedidos de deixar o local, sob ameaças a eles próprios e aos familiares que vivem na Bahia. Os trabalhadores também relataram terem sido vítimas de violência física.

Empresários lamentam “falta de mão de obra” para tentar “justificar” escândalo

Em meio a um escândalo que ganhou destaque em todo o país, o CIC veio a público posicionar-se. Lamentou o que chamou de “práticas inaceitáveis” e instou as “autoridades competentes” a que “cumpram seu papel fiscalizador e punitivo”. Porém, esse lamento ficou restrito à abertura da nota. Nos três parágrafos seguintes, procurou defender as empresas envolvidas e, de certa forma, justificar o problema por outras vias.

Primeiro, diz que “é fundamental resguardar a idoneidade do setor vinícola, importantíssima força econômica de toda microrregião. É de entendimento comum que as vinícolas envolvidas no caso desconheciam as práticas da empresa prestadora do serviço sob investigação e jamais seriam coniventes com tal situação”. Coniventes ou não, são responsáveis. Artigo publicado no site Conjur em 2021, comentando a Lei da Terceirização (lei 13.429/2017), aponta que “a empresa contratante dos serviços é responsável subsidiária pelas obrigações trabalhistas dos trabalhadores terceirizados referentes ao período de prestação dos serviços terceirizados (artigo 5º-A, §5º, da lei). Isso significa que a empresa contratante é legalmente responsável pela quitação dos salários, depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), recolhimentos das contribuições previdenciárias e do Imposto de Renda (IR) de todos os trabalhadores terceirizados que lhe prestarem serviços, caso a empresa contratada (responsável principal) não o faça”.

Depois, o CIC vai além: vincula a utilização de mão de obra em situação análoga à escravidão ao pagamento, pelo governo, de benefícios assistenciais – caso, por exemplo, do Bolsa Família. Diz o CIC que “situação como esta, infelizmente, estão também relacionadas” à “falta de mão de obra”. Para o CIC, essa alegada falta de mão obra relaciona-se, por sua vez, com o fato de que “há uma larga parcela da população com plenas condições produtivas e que, mesmo assim, encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade”. E completa: “É tempo de trabalhar em projetos e iniciativas que permitam suprir de forma adequada a carência de mão de obra, oferecendo às empresas de toda microrregião condições de pleno desenvolvimento dentro de seus já conceituados modelos de trabalho ético, responsável e sustentável”.

A tentativa é clara: dizer que a utilização de trabalho análogo à escravidão só ocorre – e está, assim, justificada – por conta de uma alegada falta de mão de obra que, por sua vez, existe por culpa de políticas assistenciais, isso num país que possui mais de 33,1 milhões de pessoas não têm garantido o que comer segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil.

Em novembro, entidade divulgou nota contra a PEC da Transição, que garantiu Bolsa Família

No final do ano passado, o CIC já apontara sua posição contrária aos programas sociais. Em nota pública divulgada no dia 30 de novembro e direcionada a senadores e deputados, a entidade diz que, sem “limites para os gastos”, o cenário “será bastante prejudicial ao bom andamento da economia brasileira”. Diz, ainda, que, para o CIC, essa “estabilidade das contas” seria comprometida caso a PEC da Transição fosse aprovada.

A referida PEC, apresentada pelo governo Lula (PT) acabou aprovada no Congresso e garantiu recursos para contemplar, por exemplo, verbas para saúde, educação e a manutenção do Bolsa Família de R$ 600,00. Contra a vontade do CIC. E é justamente o fim da política de teto de gastos que pode garantir a contratação de fiscais para combatar o trabalho análogo à escravidão.

Em maio de 2022, CIC cancelou palestra de Fux em Bento Gonçalves

A mesma entidade chegou a anunciar, em maio de 2022, a participação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, em um evento chamado “Risco Brasil e Segurança Jurídica”, organizado pelo CIC. Porém, associados reclamaram da presença do ministro, que se via em meio a crises com o governo Bolsonaro. O convite a Fux acabou sendo cancelado.