No Reino Unido, a proposta de redução da jornada de trabalho para quatro dias semanais sem diminuição nos salários foi testada por seis meses. Das empresas que participaram, 91% querem manter o modelo. Outros 4% estão inclinados a manter, e apenas 4% das empresas descartaram a continuidade da semana de quatro dias.
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O programa-piloto envolveu 61 empresas de diversos setores e quase 3 mil trabalhadores e trabalhadoras entre julho e dezembro de 2022. O teste foi conduzido pela organização sem fins lucrativos 4 Day Week Global (Semana de Quatro Dias Global, em tradução livre), junto com a campanha 4 Day Week Reino Unido e a organização de pesquisa Autonomy. Além de mais bem-estar e tempo livre para os trabalhadores e as trabalhadoras, a proposta pode ajudar a reduzir o desemprego e proteger o meio ambiente.
As empresas adotam uma jornada de 32 horas semanais, que é o equivalente a quatro dias de 8 horas. Os empregadores que aderiram recebem apoio, na forma de oficinas e seminários on-line com especialistas e mentoria direta com organizações que já implementaram a semana de 4 dias de forma bem-sucedida.
Em média, as empresas atribuíram uma nota de 8,5 à experiência como um todo, em uma escala de 0 a 10. Produtividade e performance dos negócios receberam nota 7,5. As receitas cresceram 35% nos meses do teste, quando comparadas com período similar do ano anterior. Houve mais contratações e o absenteísmo dos funcionários diminuiu.
A pesquisadora responsável pelo teste, Juliete Schor, professora do Boston College, comemora a pouca variação dos dados entre as empresas. Os resultados são em geral consistentes em locais de trabalho de vários tamanhos, demonstrando que essa é uma inovação que funciona para muitos tipos de organização , afirma. Ela destaca que trabalhadores de organizações sem fins lucrativos e prestadores de serviços especializados tiveram um aumento maior no tempo gasto com exercícios físicos, enquanto aqueles que trabalham no setor de construção ou indústria tiveram as maiores reduções em casos de burnout (esgotamento) e problemas para dormir .

Tempo com a família e equilíbrio das tarefas entre gêneros
Entre os benefícios para os trabalhadores e as trabalhadoras, foi registrada a diminuição dos relatos de estresse no ambiente de trabalho: 39% das pessoas ouvidas disseram sentir que seu nível de estresse diminuiu, contra 13% que disseram que o estresse aumentou e 48% que não notaram mudanças. Além disso, 48% das pessoas disseram estar mais satisfeitas com seus empregos do que antes do teste.
Um dos ganhos mais relatados foi o equilíbrio entre o trabalho remunerado e as demandas de trabalho doméstico e de cuidados: 60% das pessoas relataram sentir que estava mais fácil balancear as duas pontas. Conflitos entre trabalho e o tempo com a família diminuíram: 54% dos trabalhadores e das trabalhadoras relataram ser menos provável que se sentissem cansados demais para realizar trabalhos domésticosantes do teste, apenas 10% relataram essa situação.
A pesquisa também buscou saber se a mudança traria benefícios para a divisão do trabalho doméstico entre os gêneros; homens relataram que seu tempo dedicado às tarefas de casa aumentou 27%, contra 13% em relação às mulheres. No entanto, 68% das pessoas não relataram mudanças na divisão da carga desse trabalho entre homem e mulher em seus lares.
O CEO da 4 Day Week Global, Dale Whelehan, cita outras diferenças de resultado entre os gêneros detectadas no estudo. Homens e mulheres se beneficiaram da semana de quatro dias, mas a experiência das mulheres em geral é melhor. É o caso para burnout, satisfação com vida e trabalho, saúde mental e redução do tempo no transporte. De forma encorajadora, o fardo dos deveres não relacionados ao trabalho fora de casa parece se equilibrar mais, com mais homem assumindo uma parcela maior do trabalho doméstico e do cuidado com as crianças.
Com o resultado do Reino Unido, a Four Week Global chegou a 91 empresas que participaram de programas-piloto ao redor do globo, incluindo países como Irlanda, Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia. Nas próximas semanas, a organização deve divulgar os resultados do teste que está sendo realizado na Austrália. Também já há experimentos em desenvolvimento na áfrica do Sul, Brasil e outros países da Europa, com resultados previstos para os próximos meses.
Reivindicação histórica
A efetiva redução da jornada de trabalho está intrinsecamente ligada às lutas da classe trabalhadora e de suas organizações sindicais. Na Europa, o primeiro documento que disciplinou a jornada de trabalho data de 1349; artesãos e trabalhadores agrícolas iniciavam o trabalho às 5h e encerravam por volta das 20h. Com a Revolução Industrial, o tempo de trabalho nas fábricas não era fixado; o limite era o da exaustão do corpo do trabalhador e da trabalhadora.
Em 1800, a Austrália foi o primeiro país a fixar a jornada, aproximadamente, em 12 a 16 horas por dia. A pressão dos movimentos de trabalhadores ingleses por melhores condições de vida resultou em cinco leis após 1802. Mas só a Lei Fabril, de 1833, foi efetivamente implementada, definindo a jornada normal de trabalho entre 5h30 e 20h30, com intervalos.
Na França, só no início do século 20 as trabalhadoras e os trabalhadores franceses conquistaram a redução para 10 horas diárias, e mesmo assim pequenas empresas e trabalhos em domicílio ultrapassavam as 12 horas. Em 1919, a jornada máxima foi fixada em 8 horas diárias e 48 horas semanais. Em 1936, o governo de coalizão de partidos de esquerda baixou a jornada para 40 horas semanais e instituiu duas semanas de férias pagas por ano; pela primeira vez, era reconhecido o direito ao lazer para o trabalhador.
Importante lembrar que, no Brasil, durante quatro séculos, a mão de obra era escravizada, e não havia qualquer parâmetro legal para a jornada. Conforme Renan Scatena Mescoloti e Fernando Batistuto, no artigo A jornada de trabalho e sua evolução: aspectos relevantes , somente em 1934, depois de longos anos de luta, foi aprovada uma Constituição Federal que limitava a jornada a oito horas diárias. A CF de 1937 manteve esse limite, mas possibilitou que leis fossem criadas para aumentar ou reduzir a jornada em casos específicos. Somente com a Constituição de 1988 a jornada foi fixada em 44 horas semanais.
Fonte: CUT Brasil, Agência Senado