Na última sexta-feira, 14, milhares de pessoas, a maioria mulheres, protestaram em Porto Alegre contra o projeto de lei (PL) 1904/2024, que prevê que mulheres vítimas de estupro possam ter penas maiores do que as dos estupradores se fizerem aborto com mais de 22 semanas de gestação. A manifestação fez parte de uma mobilização nacional realizada nos últimos dias contra o projeto, cuja tramitação em regime de urgência foi aprovada após articulação do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). O Sintrajufe/RS esteve presente na atividade em Porto Alegre.
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O projeto
O PL 1904/2024, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 32 parlamentares – incluindo os gaúchos Bibo Nunes (PL) e Franciane Bayer (REP) –, qualifica como homicídio o aborto a partir de 22 semanas de gestação, mesmo em casos de estupro – no Brasil, a cada oito minutos, uma menina ou mulher é estuprada, conforme dados do Fórum de Segurança Pública. Atualmente, a legislação permite o aborto em apenas três casos, todos eles sem limite de tempo de gestação: se a gravidez for resultante de um estupro; se colocar a vida da mãe em risco; ou se o feto for anencéfalo.
Na última quarta-feira, 12, a Câmara aprovou, em 23 segundos, o regime de urgência do projeto, o que faz com que ele possa ser votado no Plenário sem passar pelas comissões temáticas da Casa. O requerimento de urgência foi apresentado pelo deputado Eli Borges (PL-TO), coordenador da Frente Parlamentar Evangélica. O pedido foi patrocinado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – conforme o portal Uol, Lira tinha prometido colocar o tema em discussão no plenário em troca de apoio da bancada evangélica à sua reeleição na presidência da Casa em 2023. Já Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor da proposta, é próximo ao pastor Silas Malafaia.
“Criança não é mãe, estuprador não é pai”; “Fora Lira!”
Partidos, centrais, sindicatos e movimentos sociais convocaram atos em diversas cidades para combater o projeto. Já na quinta-feira, 13, manifestações foram realizadas em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo – que teve ato contra o PL também no sábado, 15. Em Porto Alegre, a mobilização aconteceu na sexta-feira, 14, com início na Esquina Democrática, no Centro, com caminhada até o Largo Zumbi dos Palmares.
Na capital gaúcha, faixas e cartazes denunciaram Arthur Lira e reivindicaram o direito ao aborto legal e seguro, com especial atenção aos retrocessos contidos no PL 1904/2024: “Nem presa, nem morta”; “Aborto legal é direito! Estupro é crime!”; “Gravidez forçada é tortura”; “Fora Lira, agressor de mulher, destruidor da infância” foram alguns dos cartazes registrados. O Sintrajufe/RS levou cartazes com os dizeres “Não ao PL 1904/2024 – Criança não é mãe, estuprador não é pai – Não à criminalização do aborto!”. A insígnia “criança não é mãe, estuprador não é pai” foi um dos centros da convocação dos atos e da mobilização contra o projeto também nas redes sociais nos últimos dias – monitoramento realizado pela Quaest apontou que, do dia 11 até o início da tarde do dia 14, 52% das postagens coletadas sobre o tema nas redes sociais defendiam argumentos contrários ao PL, enquanto apenas 15% eram favoráveis (além de 33% consideradas “neutras”).
Enquanto isso, no Congresso…
Em meio às manifestações e pressões nas ruas e nas redes sociais, a imprensa passou a noticiar que o projeto perdeu força. O presidente do PP, partido de Lira, senador Ciro Nogueira (PP-PI), diz agora que nem ele, nem Lira, têm qualquer compromisso com o mérito da proposta: “O acordo, o gesto para a bancada evangélica, era apenas o de votar a urgência. Apenas isso. Não há qualquer acordo sobre o mérito (conteúdo) da proposta”, disse Nogueira, conforme o portal G1. Também o G1 informa que aliados de Lira vão defender que o projeto saia de pauta para evitar desgaste. A matéria do G1 diz que “a decisão deve ser acertada na reunião de líderes desta terça-feira (18), quando o presidente da Câmara dos Deputados deve pedir um esforço para tentar votar o principal projeto de regulamentação da reforma tributária aprovado antes do recesso parlamentar”.
Por outro lado, em entrevista à Globo News na tarde desta segunda-feira, o autor do projeto, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), voltou a defender o PL, disse que não há negociação para retirada da proposta e reafirmou que meninas menores de idade terão que cumprir medidas socioeducativas por abortar, mesmo em caso de estupro. Além disso, a pedido do senador Eduardo Girão (Novo-CE), apoiador do projeto, o Senado realizou nesta segunda uma sessão de debates sobre o tema, com a presença praticamente apenas de apoiadores do PL.
Diretoras e diretores do Sintrajufe/RS destacam força da mobilização
Representaram o Sintrajufe/RS no protesto em Porto Alegre as diretoras Arlene Barcellos, Márcia Coelho e Marli Zandoná e os diretores Paulo Guadagnin e Zé Oliveira. Para Arlene Barcellos, “a mobilização mostrou a nossa capacidade de responder nas ruas que não iremos aceitar nenhum retrocesso nos direitos das mulheres. Aliás, temos que derrubar esse PL que culpabiliza a vítima. Isso é um absurdo. Artur Lira, nas suas manobras, aprovou a urgência e nós respondemos nas ruas em todo o Brasil”.
Já Márcia Coelho avalia que “foi um ato potente, cuja organização nasceu em menos de 24 horas da aprovação da urgência. Essa mobilização demonstra o quanto esse PL é abjeto, que não possui nada de religioso ou ético, serve apenas para um Congresso misógino utilizar os corpos de crianças e mulheres como produto de barganha com o governo federal, e, de quebra, proteger estupradores penalizando por duas vezes as reais vítimas”.
Para Marli Zandoná, “o grande ato de sexta-feira mostrou a nossa indignação com a atitude do Arthur Lira, querendo em segundos destruir décadas de lutas das mulheres. Devemos continuar nas ruas, demonstrando que não vamos ficar caladas e não vamos aceitar mais este retrocesso”.
Conforme Paulo Guadagnin, “foi um grande ato na defesa de um direito básico que é o direito das mulheres de não terem seus corpos submetidos à vontade dos homens. Ficou demonstrado nesse ato que a luta nas ruas, sob pautas concretas, é o que realmente possibilita a defesa dos direitos, como fizemos na Marcha a Brasília, em maio. Fica cada vez mais evidente aos olhos do povo brasileiro que com esse congresso não dá, é preciso abrir uma saída democrática para construirmos novas instituições.”
Para Zé Oliveira, “a articulação de um movimento, envolvendo o presidente da Câmara dos Deputados e sua recandidatura, para votar um projeto que ataca justamente o direito de mulheres, de meninas, que sofrem, por exemplo, a violência de um estupro, é a comprovação do rebaixamento político que a extrema direita tenta impor no Brasil. Milhares foram às ruas, na última sexta-feira, para lutar em defesa do direito das mulheres sobre seus corpos e se contrapor a um projeto que penaliza a mulher violentada, que quer impor uma punição a quem sofreu uma violência e não a quem a causou, uma violência que só as mulheres que sofreram uma situação como essa podem falar da dimensão da dor do que representa nas suas vidas. Não à criminalização do aborto! Não ao PL 1904!”.
Enquete no site da Câmara tem mais de um milhão de votos
A Câmara dos Deputados abriu enquete sobre projeto, com acesso AQUI. Só é possível votar uma vez; caso ocorra mais de um registro pela mesma pessoa, ainda que com cadastro diferente, os votos mais recentes, duplicados ou divergentes serão cancelados. Para votar, é preciso fazer um cadastro prévio na Câmara dos Deputados, com e-mail e senha. Também é possível acessar a partir do cadastro no gov.br.
Até o início da tarde desta segunda-feira, 17, a enquete já registra mais de um milhão de votos, com 88% para “Discordo totalmente” e 12% para “Concordo totalmente”.