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PRIVATIZAÇÃO

PEC que pode privatizar “terrenos de marinha” em praias é tema de audiência pública na CCJ do Senado

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado promoveu um debate, nessa segunda-feira, 27, sobre a proposta de emenda à Constituição (PEC) 3/2022. A matéria transfere os chamados terrenos de marinha, atualmente de propriedade exclusiva da União, para ocupantes particulares. Segundo o Observatório do Clima, a proposta faz parte do “pacote da destruição” de direitos socioambientais.

O texto da PEC 3/2022, que teve origem na Câmara dos Deputados, revoga o inciso VII do caput do artigo 20 da Constituição Federal e o parágrafo 3º do artigo 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Em 2022, a proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados. A votação teve dois turnos e, na segunda votação, recebeu 389 votos a favor e 91 contra. O texto recebeu parecer favorável do relator na CCJ do Senado, Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Os terrenos de marinha são as áreas situadas na costa marítima que contornam as ilhas, as margens dos rios e das lagoas, em faixa de 33 metros medidos a partir da posição do preamar (maré cheia) médio de 1831. Esses terrenos são de domínio da União quando utilizados por concessionárias e permissionárias de serviços públicos e unidades ambientais federais, além das áreas não ocupadas, e são transferidos gratuitamente se estiverem sob ocupação de estados ou municípios. Por outro lado, passam ao domínio pleno dos foreiros e dos ocupantes regularmente inscritos no órgão de gestão do patrimônio da União até a data de publicação da emenda constitucional, caso o texto seja aprovado no Senado.

Quem tenha feito ocupação irregular também pode pagar para ter a posse do terreno, desde que a ocupação tenha ocorrido pelo menos cinco anos antes da data de publicação da emenda constitucional e seja “formalmente comprovada a boa-fé”.

“Pacote da destruição”

No início deste mês, o Observatório do Clima, uma coalizão de organizações da sociedade civil brasileira para discutir mudanças climáticas, elencou um “pacote da destruição” que ameaça direitos socioambientais e citou a PEC 3/2022. Para o Observatório, a proposta consolida ocupações em terrenos de marinha sem as cautelas necessárias com relação à importância dessas áreas, “que inclusive poderão ser diretamente afetadas pelo aumento do nível do mar”; pode consolidar ocupações instaladas de forma totalmente inadequada; e atende aos interesses dos grandes empresários do turismo.

No ano passado, o Observatório das Metrópoles manifestou sua posição contrária à PEC 3/2022. O observatório é vinculado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), sediado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Para o grupo de pesquisa, a PEC “cria condições para que esse patrimônio seja destruído, na medida em que pode extinguir o instituto dos terrenos de marinha, possibilitando a sua entrega gratuita ao interesse privado, sem nenhuma contrapartida ao interesse coletivo quanto ao uso e ocupação desta parte do território nacional”.

Presente no debate na CCJ, Ana Ilda Nogueira Pavão, representante do Movimento das Pescadoras e Pescadores Artesanais, afirmou que “essa PEC veio nos trazer um retrocesso”. Ela mencionou a falta de uma consulta prévia a esses trabalhadores e trabalhadoras e disse que muitos não puderam estar presentes ao debate, em Brasília, por dificuldades para viajar e mesmo por falta de acesso à internet, meio pelo qual foram feitas as inscrições. “Quando fazem uma consulta pública, uma audiência, já chamam aquelas pessoas que eles sabem que vão aprovar aquela lei”, criticou. Ana Ilda disse quem trabalha e mora nas áreas de marinha, na beira de lagos e rios, é quem mais sofre com os assoreamentos, os desmatamentos desordenados e a remoção forçada de populações. Segundo ela, o que está por trás da PEC é um projeto de urbanização das orlas por grandes empreendimentos, “e quem vai lucrar não somos nós, a gente só vai perder”.

De acordo com o Observatório das Metrópoles, a existência dos terrenos de marinha vem desde as primeiras leis criadas no Brasil, quando o país conquistou sua soberania como nação, momento em que esses territórios foram constituídos como domínio da União. O grupo explica que, em sua origem, essa regulação tinha fins militares, mas ao longo da história se transformou em instrumento de fundamental importância na garantia do interesse público no uso e ocupação da faixa costeira das cidades brasileiras.

“Com efeito, tem servido como ferramenta para a proteção dos territórios das comunidades caiçaras, por meio do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), para a construção de conjuntos habitacionais populares, para a garantia da moradia de ocupações de interesse social por meio da regularização fundiária, para a salvaguarda do livre acesso às praias e para a proteção ambiental de mangues e restingas, entre outras áreas sensíveis”, aponta.

Esse debate acontece em meio a discussões no país sobre a preservação do meio ambiente, em meio às fortes enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul.

A audiência pública contou com a presença do diretor-presidente da Associação de Terminais Portuários Privados (ATP), Murillo Barbosa, de prefeitos e representantes do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, da Advocacia-Geral da União (AGU), da Secretaria de Patrimônio da União do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e da Associação S.O.S. Terrenos de Marinha.

Com informações de Agência Saiba Mais e Agência Senado

Foto: Agência Brasil