SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE

DIVIDENDOS ACIMA DO MERCADO

Lemann, Telles e Sicupira, da Americanas, já estiveram envolvidos em outros escândalos; sobre o último, alegam: “jamais tivemos conhecimento”

Na noite do último domingo, 22, os três principais acionistas da Americanas, envolvida num escândalo bilionário, divulgaram uma nota pública em seu primeiro posicionamento público sobre o caso. No texto, negaram conhecer previamente a situação e se disseram prejudicados pelo esquema, descoberto no início do mês após renúncia do presidente da empresa. O trio controlador da Americanas – Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira – não conta, porém, com a credulidade de muitos especialistas, que veem como improvável o desconhecimento dos três sobre o que ocorria nos balancetes da empresa e que, agora, afeta até mesmo bancos públicos.

Entenda o caso

Na virada de ano, o CEO Sergio Rial assumiu a Presidência da Americanas. Porém, apenas dez dias depois, Rial renunciou ao cargo. O motivo? Ele descobriu um rombo de R$ 20 bilhões nas contas da empresa. Esse valor refere-se a dívidas que estavam sendo erroneamente contabilizadas: a empresa pediu empréstimos para pagar os fornecedores (em operações chamadas de “risco sacado” e, em vez de essas dívidas serem contabilizadas como tal, foram registradas como despesas com fornecedores. Isso esconde as dívidas acumuladas, apresentando a potenciais acionistas e possíveis credores uma realidade financeira que não existe, como se a empresa tivesse menos dívidas do que na realidade possui. Chamada de “inconsistência contábil” por alguns, a prática foi caracterizada como uma “fraude multibilionária” pela Abradin, associação que reúne acionistas minoritários de empresas de capital aberto.

O que alegam Lemann, Telles e Sicupira

Na nota divulgada no domingo, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira disseram desconhecer o que chamaram de “manobra” nas contas da empresa: “Jamais tivemos conhecimento e nunca admitiríamos quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia. Nossa atuação sempre foi pautada, ao longo de décadas, por rigor ético e legal”. Também destacaram que a PwC, que realizou auditorias na empresa, jamais apontou qualquer irregularidade. Mesmo sendo acionistas majoritários e experientes, os três tentam colocar-se no mesmo nível dos demais, tanto em relação às informações disponíveis quanto aos prejuízos: “assim como todos os demais acionistas, credores, clientes e empregados da companhia, acreditávamos firmemente que tudo estava absolutamente correto”, dizem, para depois completarem: “Lamentamos profundamente as perdas sofridas pelos investidores e credores, lembrando que, como acionistas, fomos alcançados por prejuízos”. Especialistas consultados por diversos portais de notícias nos últimos dias, porém, têm afirmado ser muito improvável que os três controladores da Americanas não soubessem da fraude.

Histórico de suspeitas e escândalos

No contexto da crise da Americanas, o portal Uol publicou reportagem lembrando outras situações do mesmo tipo em que o trio de controladores da empresa esteve envolvido. Lembrou, por exemplo, que, em 1998, o banco Garantia, criado por eles e responsável pela primeira parceria entre os três, esteve perto da falência antes de ser vendido. Já em 2014, diz a reportagem, “a Cosan, que adquiriu a ALL (América Latina Logística), afirmou ter encontrado a malha ferroviária da companhia em frangalhos e práticas fraudulentas para inflar resultados. A percepção era que o grupo, que havia deixado o controle da ALL havia 10 anos, mantivera um estilo de gestão ao qual são atribuídos muitos desses escândalos”. Em 2021, “o trio teve de fazer um acordo com a SEC, equivalente americana à CVM (Comissão de Valores Imobiliários), para encerrar uma investigação sobre má-conduta contábil na Kraft Heinz entre 2015 e 2018. A multa paga foi de US$ 62 milhões”. E mais: “Ainda em 2021, a Stone, ‘unicórnio’ (startup que vale mais de US$ 1 bilhão) da qual o grupo detém 4% das ações, teve problemas enormes de concessão de crédito, por ‘erros de experiência com recebíveis’, segundo o CEO da empresa. Naquele ano, a fintech perdeu 80% de valor de mercado”.

Privatização da Eletrobras

Os três também atuaram diretamente para a privatização da Eletrobras, da qual também são acionistas. Reportagem do jornalista Luis Nassif denuncia, sobre Lemann, que “a forma como se apropriou da Eletrobras é indecente, fruto de lobby direto na veia do poder público. Entrou como minoritário, no golpe do impeachment passou a ter poder de indicação dos gestores. Estes reduziram investimentos – que eram relevantes para o país – para garantir dividendos polpudos. A 3G, controlada por ele, produziu uma avaliação do preço da Eletrobras indecente, tomando como base o valor contábil da empresa. O golpe da privatização ocorreu com a empresa emitindo ações, que diluíram a participação estatal, e impuseram um acordo de acionistas pelo qual a União só tem direito a 10% dos votos, independentemente de sua participação acionária”.

Dividendos recordes, o dobro das concorrentes

Em meio à fraude, a Americanas pagou, no ano passado, dividendos recordes a seus acionistas. Conforme levantamento do TradeMap, a empresa distribuiu, de janeiro a setembro do ano passado, R$ 333,205 milhões em dividendos, o maior valor distribuído pela companhia na última década. Além disso, nos últimos dez anos, foram R$ 2,1 bilhões distribuídos aos investidores, mais do que o dobro do que concorrentes como a Magazine Luiza e a VIA.

Diretores venderam ações antes de anúncio de rombo

O portal Metrópoles publicou levantamento que aponta outra situação no mínimo suspeita: “Meses antes de a Americanas anunciar publicamente a descoberta de um rombo contábil de R$ 20 bilhões em seu balanço financeiro, diretores da varejista fizeram um movimento relevante de venda de ações”, diz a reportagem. Conforme o levantamento, a diretoria da empresa vendeu R$ 241 milhões em ações entre julho e outubro, com especial crescimento desse volume em setembro, um mês depois do anúncio de que Sergio Rial seria o novo presidente. A reportagem aponta que “chamou a atenção de investidores a decisão da diretoria de vender ações justo quando uma guinada parecia ter começado a acontecer. A saída estratégica levantou no mercado as suspeitas de que os problemas contábeis da Americanas poderiam já ser conhecidos internamente”.