SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

PREJUÍZO PÚBLICO

Bancos públicos estão entre os principais credores da Americanas, onde possível fraude tentou esconder dívida de R$ 20 bilhões. Quem pagará por isso?

Na última semana, um escândalo financeiro de grandes proporções trouxe à tona algo que estava escondido por trás do alegado bom exemplo de gestão de grandes empresas privadas. Tendo como sócios alguns dos homens mais ricos do Brasil, defensores incansáveis das privatizações, a Americanas teve reveladas “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões – chamadas abertamente de “fraude multibilionária” pela representação dos acionistas minoritários. Entre os principais credores, cujos recursos ficam ameaçados pelo rombo, estão bancos públicos – ou seja, o prejuízo atinge um perímetro muito maior do que os acionistas da Americanas.

Para além do prejuízo que pode repercutir nos bancos públicos, esse fato coloca em questão (mais uma vez) a propaganda falsa baseada na premissa “se é privado, é melhor”, protagonizada justamente por aqueles que estão diretamente envolvidos na privatização de estatais. Não se trata, portanto, de um problema “da Americanas”.

Entenda o caso

Na virada de ano, o CEO Sergio Rial assumiu a Presidência da Americanas. Porém, apenas dez dias depois, Rial renunciou ao cargo. O motivo? Ele descobriu um rombo de R$ 20 bilhões nas contas da empresa. Esse valor refere-se a dívidas que estavam sendo erroneamente contabilizadas: a empresa pediu empréstimos para pagar os fornecedores (em operações chamadas de “risco sacado” e, em vez de essas dívidas serem contabilizadas como tal, foram registradas como despesas com fornecedores. Isso esconde as dívidas acumuladas, apresentando a potenciais acionistas e possíveis credores uma realidade financeira que não existe, como se a empresa tivesse menos dívidas do que na realidade possui.

Chamada de “inconsistência contábil” por alguns, a prática foi caracterizada como uma “fraude multibilionária” pela Abradin, associação que reúne acionistas minoritários de empresas de capital aberto. Em nota, a Abradin afirmou que o caso “não só destruiu patrimônio dos acionistas da companhia como, e principalmente, mina a credibilidade do mercado de capitais brasileiro, afugentando investidores justamente em um momento em que a economia nacional tanto precisa de investimentos diretos na produção para retomar sua trajetória de crescimento”.

As contas da Americanas são auditadas pela PwC, uma das maiores multinacionais de consultoria e auditoria do mundo, que está há mais de 100 anos no Brasil. Em seus relatórios, a PwC não apontou qualquer inconsistência. Agora, as revelações sobre o rombo colocam em xeque a atuação da PwC, que faz parte do grupo apelidado de “big four” de empresas de consultoria e auditoria, e, por consequência, devem lançar dúvidas sobre a credibilidade também das demais integrantes do grupo.

Caixa fez empréstimo no apagar das luzes do governo anterior; são R$ 6,4 bi de dívidas com bancos públicos

Dos R$ 20 bilhões em dívidas que estavam escondidos nos balancetes da Americanas, R$ 6,4 bilhões têm como credores bancos públicos: Banco do Brasil, Banco Econômico de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e Caixa Econômica Federal. No dia 21 de dezembro, no apagar das luzes do governo de Jair Bolsonaro (PL) e menos de três semanas antes do anúncio do rombo, a Caixa concedeu à empresa um empréstimo de R$ 450 milhões. Todos correm agora para minimizar os prejuízos que podem sofrer.

Quem são os acionistas majoritários da Americanas?

Especialistas têm dito ser improvável que o rombo tenha passado despercebido pelas gestões anteriores e pelos acionistas majoritários. Os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira possuem cerca de um terço das ações da Americanas. Lemann, que vive na Suíça, é o homem mais rico do Brasil, com uma fortuna estimada em quase R$ 80 bilhões. Ele e seus sócios – que são proprietários da 3G Capital – atuaram diretamente para a privatização da Eletrobras, da qual também são acionistas.

Reportagem do jornalista Luis Nassif denuncia, sobre Lemann, que “a forma como se apropriou da Eletrobras é indecente, fruto de lobby direto na veia do poder público. Entrou como minoritário, no golpe do impeachment passou a ter poder de indicação dos gestores. Estes reduziram investimentos – que eram relevantes para o país – para garantir dividendos polpudos. A 3G, controlada por ele, produziu uma avaliação do preço da Eletrobras indecente, tomando como base o valor contábil da empresa. O golpe da privatização ocorreu com a empresa emitindo ações, que diluíram a participação estatal, e impuseram um acordo de acionistas pelo qual a União só tem direito a 10% dos votos, independentemente de sua participação acionária”.

Riscos para fundos de pensão e trabalhadores

Os fundos de pensão que se vinculam ao mercado financeiro também podem ser – e alguns já estão – sendo afetados direta ou indiretamente pela crise desencadeada pela “inconsistência” da Americanas. Reportagem do jornal O Globo aponta que dois fundos da Fundação dos Economiários Federais (Funcef), que administra as pensões de funcionários da Caixa Econômica Federal, foram afetados, embora de forma apenas marginal. A desconfiança sobre a confiabilidade dos balancetes de grandes empresas e até mesmo sobre empresas de auditoria como a PwC, porém, pode trazer efeitos futuros também sobre outros fundos de pensão. São os riscos assumidos pelos fundos de pensão que se vinculam às dinâmicas instáveis do mercado financeiro.

Além dos riscos para os trabalhadores e trabalhadoras que têm suas aposentadorias vinculadas a fundos de pensão, também não está afastado o risco de demissões na Americanas, onde trabalham 44 mil pessoas. Isso porque a situação financeira da empresa ainda é incerta, assim como a forma como ela irá lidar com o possível estrangulamento. Nos próximos dias, especula-se que a Americanas irá mover processo de recuperação judicial, pedindo à Justiça o congelamento dessas dívidas que não estavam sendo contabilizadas até que ela apresente um plano de recuperação – que poderá incluir demissões.