SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

NEM PERDÃO NEM ESQUECIMENTO

Há 50 anos, um golpe derrubava o presidente eleito do Chile e implantava uma ditadura que durou 17 anos com milhares de mortos e torturados

Em 11 de setembro de 1973, um golpe de Estado acabou com o governo de Salvador Allende, no Chile. Militares cercaram a sede do governo, que foi atacado com bombas. Allende, eleito três anos antes, foi assassinado enquanto resistia no Palacio de La Moneda. Em 2023, 50 anos depois, no paí­s redemocratizado, a palavra de ordem Ni perdón, ni olvido! continua atual para aqueles e aquelas que não aceitam “nem perdão, nem esquecimento” e que buscam justiça contra torturadores, assassinos, mandantes e cúmplices da ditadura militar no Chile liderada pelo general Augusto Pinochet.

Com o golpe de 1973, o Chile se tornava mais um paí­s latino-americano que vivia sob o jugo de uma ditadura, como o Brasil, onde o golpe ocorreu em 1964. A ditadura no Chile durou 17 anos. No entanto, sua herança ainda está presente na sociedade chilena. Enquanto uma parte da população luta para achar os corpos dos familiares desaparecidos na ditadura, ressurgem os defensores da era Pinochet. A Constituição e as instituições criadas no governo do golpe seguem vigentes até hoje.

O governo Allende

Formado em medicina, Salvador Allende integrou o Partido Socialista tão logo este foi fundado, em 1933, foi deputado, ministro de Saúde, Previdência e Assistência Social e senador por 25 anos. Durante esse perí­odo, concorreu à presidência da República quatro vezes, sendo eleito em 1970.

Apoiado por uma coligação de partidos de esquerda chamada Unidade Popular, Allende teve 36% dos votos. Uma vitória apertada em relação ao segundo colocado, Jorge Alessandri, da coligação de direita, com 34,9%; e 27,8% do terceiro, Radomiro Tomic. Pela primeira vez, um polí­tico socialista e marxista chegava ao governo de um paí­s por meio de votação popular. O projeto polí­tico ficou conhecido como a experiência chilena .

Documentos publicados pelo arquivista e escritor Peter Kornbluh e divulgados neste ano apontam que o então presidente estadunidense, Richard Nixon, se reuniu com um magnata da imprensa chilena dias antes das eleições, com o intuito de discutir formas de impedir a vitória de Allende. O passo seguinte foi tentar impedir a posse e, como não conseguiu, a CIA começou a traçar um plano para derrubar o governo chileno.

Inflação alta, boicote de empresários que resultou na falta de produtos básicos de alimentação e higiene, sequestros de dirigentes sindicais e militantes: esse era o panorama no paí­s, que foi alimentando o golpe. O Chile é uma das operações secretas mais infames da CIA. Você tem uma ligação explí­cita com o presidente dos Estados Unidos ordenando a derrubada de um governo democraticamente eleito , afirma Kornbluh.

Chicago Boys e neoliberalismo

Assim que tomaram o governo, os militares decidiram implementar um conjunto de medidas para abrir a economia chilena ao capital privado e estrangeiro. Adotaram-se, principalmente entre 1974 e 1982, de forma ortodoxa, os postulados neoliberais dos Chicago boys. Foram chamados assim os economistas chilenos que seguiram os estudos de pós-graduação na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, e, ao regressarem, passaram a influenciar as polí­ticas econômicas do Chile centradas em privatizações, redução do gasto público, abertura ao mercado externo e reforma trabalhista. Um dos que participaram desse processo foi Paulo Guedes, ministro da Economia do governo Bolsonaro.

As classes altas foram as principais beneficiadas. Não houve distribuição de renda e a desigualdade social foi uma das marcas desse perí­odo. Somaram-se a isso í­ndices altos de desemprego, diminuição de salários, aposentadorias e quebras de empresas.

Tortura e morte

A ditadura se caracterizou por destruir o sistema democrático, encerrar os partidos polí­ticos, dissolver o Congresso Nacional, restringir os direitos civis e polí­ticos e por violar direitos humanos. Logo nos primeiros dias, milhares de pessoas foram sequestradas e presas e centenas, assassinadas.

No plano internacional, a ditadura se uniu a outras ditaduras do Cone Sul (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai) para criar a Operação Condor, uma aliança entre ditaduras da América do Sul para reprimir opositores polí­ticos, e pelo alinhamento com os Estados Unidos no contexto da Guerra Fria.

Diante da pressão social crescente, a ditadura se viu obrigada a convocar um plebiscito, em 1988, para que a população decidisse sobre a continuidade do regime militar. Mesmo que não tenham sido apresentados prazos concretos para isso, o processo teve adesão grande da população, com mais de 92% dos habilitados para votar indo às urnas. As opções eram o Sim pela continuidade e o Não pelo término do regime. O Não venceu.

Em 1990, Augusto Pinochet deixara a Presidência, mas continuou como lí­der das Forças Armadas. Em 1998, voltaria à polí­tica oficial para assumir o posto de senador vitalí­cio. No mesmo ano, seria detido durante uma viagem a Londres para tratamento médico. Sobre ele pesava um mandado de busca e apreensão, e pedido de extradição para a Espanha, onde era acusado por violação aos direitos humanos. Ficou mais de 500 dias em prisão domiciliar, mas contou com a ajuda do governo britânico, que o extraditou de volta para o Chile. Em 2004, investigações no Senado dos Estados Unidos apontaram que ele tinha contas secretas fora do Chile, no valor de quase US$ 30 milhões, frutos de corrupção enquanto era ditador. Pinochet morreu em 2006, sem nunca ter sido julgado oficialmente pelos crimes que cometeu.

Relatórios oficiais dão conta de que mais de 40 mil pessoas foram ví­timas dos militares, o que inclui torturados, mortos e desaparecidos. Os principais afetados foram polí­ticos de esquerda, dirigentes sindicais, militantes e simpatizantes de movimentos de esquerda.

Há muitas cobranças pela punição dos criminosos da ditadura. Em agosto de 2023, um passo importante foi dado, quando a Justiça do Chile condenou sete militares aposentados pelo sequestro, tortura e assassinato, em 1973, do cantor Ví­ctor e de Jara Littér Quiroga, diretor prisional do governo de Salvador Allende. A pena estabelecida pelo Tribunal Supremo do Chile foi de 25 anos de reclusão.

No Brasil, impunidade

Em 2011, foi instalada no Brasil a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que publicou, em 2014, seu relatório final. Foram identificados 434 mortes e desaparecimentos de ví­timas da ditadura civil-militar; sendo 191 mortos, 210 desaparecidos e 33 os desaparecidos cujos corpos tiveram seu paradeiro posteriormente localizado. Conforme o relatório, esses números certamente não correspondem ao total de mortos e desaparecidos , mas restringem-se aos casos cuja comprovação foi possí­vel em função do trabalho realizado. A CNV ressalta que houve muitos obstáculos na investigação, em especial a falta de acesso à documentação produzida pelas Forças Armadas.

A CNV lista os nomes de 377 agentes do Estado apontados como responsáveis por crimes durante a ditadura. Desde o fim da ditadura, mais de 50 ações foram impetradas pelo Ministério Público Federal pedindo a punição de torturadores. Nenhum foi preso. O único caso em que houve punição aconteceu bem antes: em 1972, 15 soldados foram torturados em um batalhão militar em Barra Mansa (RJ) e, em decorrência, 4 morreram ; foram condenados, por unanimidade, pelo Superior Tribunal Militar (STM), oito militares e dois civis.

Com informações de Agência Brasil, Carta Capital e El Paí­s