Cerca de 50 pessoas acompanharam, na manhã desta sexta-feira, o debate Formação Sindicalsaúde mental no trabalho e combate ao assédio moral e sexual . A atividade, organizada em parceria entre Sintrajufe/RS e Sindiserf/RS, tratou das lógicas que geram as práticas de assédio no trabalho e também das formas de combater o problema de maneira coletiva.
Notícias Relacionadas
A painelista foi a professora do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília (UnB) Ana Magnólia Mendes. Ela esteve acompanhada, no debate, pela secretária da Mulher Trabalhadora da CUT/RS e ex-diretora do Sintrajufe/RS Mara Weber e pela advogada da assessoria jurídica do Sindiserf/RS, Juliane Durão. As diretoras do Sintrajufe/RS Cristina Viana e do Sindserf Eleandra Koch realizaram a mediação e apresentaram o trabalho que vem sendo feito por ambas as entidades no enfrentamento ao assédio. No caso do Sintrajufe, Cristina ressaltou as ações de acolhimento e encaminhamento dessas situações com o apoio das equipes jurídica e de saúde vinculadas à entidade.
Ideologias que geram opressão e violência sustentadas no discurso neoliberal
A professora Ana Magnólia explicou que há uma série de ideologias que vêm sendo produzidas e estimuladas pelo modo de produção capitalista neoliberal e que têm gerado impactos negativos nos laços sociais. Conforme a especialista, a lógica que sustenta o capital é a mesma que faz com que ele se reproduza e gera os funcionamentos que são replicados nas instituições públicas e privadas, com um modelo da qualidade total, baseado nas metas, nos selos, nas altas performances, um modelo produtivista, inclusive no serviço público.
A professora elencou as seguintes ideologias como parte desse processo:
Ideologia da insuficiência: sempre estamos devendo alguma coisa, não temos condições de atender às exigências. Se articula a uma idealização moral de que temos que ser intensos e heróis, que nosso corpo tem que ser heróico e temos que dar conta de tudo como se fôssemos máquinas. |
Ideologia da urgência: tudo é para ontem. Como consequência, a hiperatividade, a hiperconexão e a hiperaceleração. Dificulta nossa relação com o tempo e evita que a gente pense. |
Ideologia da felicidade: trabalhadores tendem a trabalhar medicados, para aumentar a produtividade, esconder o adoecimento e gerando fluidez para não parar a produção. |
Ideologia da performance: o corpo adaptado de forma tirânica às performances, autoexploração, empreendedorismo de si mesmo, adaptações do ponto de vista psicológico, afetivo e do corpo. |
A painelista destacou que essas ideologias vão operando como uma rede, de forma inconsciente, gerando opressão, tiranias, uso abusivo do poder e autoritarismo, sustentados pelo discurso neoliberal. Isso tudo produz comportamentos antiéticos e uma normalidade que banaliza situações de violência, não produzindo laços sociais. São esses comportamentos antiéticos que levam ao assédio, explicou, e, ao mesmo tempo, geram culpa, medo, vergonha, em função de não conseguir atender às demandas, comportamentos que vão desqualificar o trabalhador, julgamentos, acusações e perseguição. Com tudo isso e sem laços sociais, instalam-se também as patologias do trabalho, agravadas pela falta de escuta ao trabalhador e à trabalhadora.
Saídas são coletivas
Ana Magnólia apontou, por outro lado, que esse labirinto tem saídas. Não saídas prontas a priori, mas que podem e devem ser construídas coletivamente. Isso passa pela defesa do tempo de falar, com os sujeitos chamados a criar, a ser a existir, a participar, considerados como seres a construir. Passa pela criação dos coletivos de trabalho, por espaços de escuta e de democracia, com uma nova ética da convivência humana que combata o discurso neoliberal de que não existe saída.
A seguir, a advogada Juliane Durão reforçou essa perspectiva, defendendo saídas coletivas que partem da discussão do tema, da fala e da escuta. Nesse sentido, ela ressaltou também a importância da formação sindical com vistas à sensibilização com relação a esse tema. Conforme Durão, muitas vezes o assédio é visto como algo pouco importante ou como questão individual, lógica que precisa ser desconstruída para que o combate ao assédio seja efetivo. Os sindicatos, ressaltou, também precisam estar preparados para atender as vítimas e oferecer suporte.
Organização para gerar transformação nos locais de trabalho
Mara Weber lembrou que os sindicatos denunciam a prática de assédio moral e sua institucionalização há muito tempo, e sublinhou que o enfrentamento é um processo longo e difícil, mas que há uma rede de pessoas e entidades que atuam na área e ajudam a construir saídas. Segundo ela, falar do tema nos locais de trabalho é revolucionário, pois questiona a lógica dominante em muitos espaços.
Sob assédio, apontou, as pessoas passam de sujeito para indivíduos, sozinhos, que precisam dar conta dessas situações em que a vítima muitas vezes se coloca como responsável pelo que aconteceu, de forma que é preciso entender que a culpa não é da vítima, mas de um sistema que alimenta o assédio. A saída para esse contexto, reforçou Mara, só poderá ser encontrada coletivamente, e passa por pensarmos sobre o sistema em que estamos inseridos: O capitalismo neoliberal não tem mais para onde se expandir, então se volta para a superexploração dos trabalhadores e das trabalhadoras , disse a sindicalista, lembrando que essa lógica também aparece com força no serviço público, mesmo em um governo mais progressista, já que o Estado continua neoliberal, bem como os modelos de gestão.
Precisamos, de forma coletiva, formar, organizar os trabalhadores para que eles transformem esse local de trabalho, para que sejam sujeitos da sua própria história, da sua construção no trabalho , defendeu Mara, que também falou sobre a importância do trabalho em rede dos sindicatos na busca por entender as diferentes vivências dos grupos de trabalhadores, com seus cortes por categoria, gênero e raça para que se lute por processos reflexivos, jornadas menos intensas e contra o silenciamento. O fundamental é a organização nos locais de trabalho, sozinhos não vamos dar conta , concluiu.
Ao final do painel, foi aberto espaço para perguntas e colocações das e dos demais participantes. Nesse momento, foram compartilhados relatos de situações de assédio vividas e também de experiências de combate a essas práticas. Também foi reforçado o enfrentamento coletivo às diversas formas de assédio, que deve estar fundamentalmente na organização dos trabalhadores e das trabalhadoras. A diretora do Sintrajufe Arlene Barcellos fez uma das falas, defendendo que não vamos mais nos calar , já que, com as ações do movimento sindical, temos espaço de fala e de escuta para combater o assédio.
Sugestões de leitura sobre o tema |
Desejar, Falar, Trabalhar, de Ana Magnólia Mendes (disponível AQUI) |
A Loucura do TrabalhoEstudo de psicopatologia do trabalho, de Christophe Dejours |
A Informática no BrasilPrazer e sofrimento no trabalho, de álvaro Roberto Crespo Merlo |
Gestão e Organização no Capitalismo GlobalizadoHistória da manipulação psicológica no mundo do trabalho, de Roberto Heloani |
Dicionário Crítico de Gestão e Psicodinâmica do Trabalho, de Fernando de Oliveira Vieira, Ana Magnólia Mendes e álvaro Roberto Crespo Merlo (org.) |
Assédio MoralGestão por humilhação, de Roberto Heloani e Margarida Barreto |
Sintrajufe/RS oferece suporte e apoio a colegas que sofrerem assédio no Judiciário Federal e no MPU no RS
O Sintrajufe/RS disponibiliza atendimento para as e os colegas que sofrerem assédio moral ou sexual; o enfrentamento dessas e de outras violências no trabalho é uma das prioridades da entidade. Além da participação de representantes da categoria nas comissões de combate ao assédio nos órgãos, o sindicato mantém atendimento interdisciplinar para esses casos. É importante a denúncia pelas vítimas não só para a punição do assediador, mas também para que outras pessoas se sintam encorajadas a fazê-lo. Lembrando que o sindicato de cada categoria é o espaço seguro para levar denúncias dos conflitos laborais.
Veja os canais para obter suporte da Saúde e do Jurídico do Sintrajufe/RS:
E-mail: [email protected] ou [email protected]
Telefone: (51) 3235-1977