SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

IMPUNIDADE

Dono de fazenda de arroz de Uruguaiana que usava trabalho escravo é reincidente; deputados querem extinguir JT, o que dificultaria ainda mais o combate ao problema

Um dos donos de uma fazenda de arroz, em Uruguaiana, que está sendo investigado após o resgate de 54 trabalhadores em situação análoga à escravidão em 10 de março, é reincidente. Ele já foi até mesmo condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo mesmo crime, previsto no artigo 149 do Código Penal, mas a execução da pena prescreveu. Trata-se de Jorge Milano Bergallo, ainda hoje sócio-administrador da Agropecuária Santa Adelaide, conforme informações registradas no CNPJ da Receita Federal, segundo reportagem na edição desta terça-feira, 29, do jornal Zero Hora.

Ele exercia a mesma função entre janeiro e março de 2009, quando o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em fiscalização na Santa Adelaide, resgataram dois trabalhadores que estavam atuando em trabalho análogo ao escravo no carregamento e no empilhamento de madeira. O MTE confirmou que as fiscalizações de 2009 e de 2023, ambas com resgate de trabalhadores, ocorreram na mesma fazenda Santa Adelaide, em Uruguaiana.

Trabalho degradante, jornada exaustiva e alojamento sem banheiro

Considerando que o MPT e o MTE atuam na esfera trabalhista, o Ministério Público Federal (MPF) deu continuidade ao caso na esfera criminal, denunciando Bergallo pela prática do crime de redução dos trabalhadores à condição análoga à escravidão, usando duas normas previstas em lei para essa classificação: situação degradante de trabalho e jornada exaustiva. A denúncia foi recebida pela Justiça Federal em abril de 2011. Na ocasião, os trabalhadores ficaram por dois meses em um barraco construí­do com tábuas e lona, tomado por frestas, com telhado de zinco e palha, na propriedade rural. Eles trabalhavam de domingo a domingo, recebiam menos de um salário mí­nimo, não tinham registro de emprego em carteira nem direito ao vale-transporte. O alojamento não tinha banheiro ou mesa para refeição. Também não havia água potável.

Primeira condenação em 2016

A sentença em primeira instância foi concedida em 2 de junho de 2016, sete anos após o resgate dos trabalhadores. O proprietário da fazenda foi condenado por manter trabalhadores na condição análoga à escravidão. A pena foi estabelecida em dois anos e dois meses de reclusão, em regime aberto, substituí­da por multa e prestação de serviços à comunidade. Bergallo apelou ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), mas não obteve sucesso. A decisão foi mantida em 7 de fevereiro de 2018.

Segundo o desembargador João Pedro Gebran Neto, as fotografias que compõem o relatório de fiscalização bem demonstram a situação de moradia dos obreiros, que eram alojados em barracos incapazes de protegê-los das intempéries, além de possibilitar a entrada de insetos e outros animais . Acompanhado da maioria, o relator avaliou que foi plenamente possí­vel a verificação do crime imputado e comprovada a autoria, a materialidade e o dolo .

STJ manteve condenação em 2020, mas execução da pena prescreve

O fazendeiro recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, onde a condenação foi mantida, em agosto de 2020, com reforma da pena final para dois anos e quatro meses de reclusão. No entanto, o ministro Joel Ilan Paciornik, do STJ, determinou que havia ocorrido a extinção da punibilidade , na medida em que, diante do tempo de pena, a pretensão punitiva se encerraria em quatro anos.

Para calcular a prescrição da punibilidade, o magistrado considerou individualmente a pena-base para cada um dos dois delitos praticados, sem somá-las, fixada em dois anos. Por causa disso, o prazo de aplicação da sanção expirou em quatro anos, de acordo com a previsão do Código Penal. Como a denúncia do MPF foi recebida em abril de 2011 e a condenação em primeira instância veio em junho de 2016, passaram-se pouco mais de cinco anos, levando à prescrição da execução da pena. O caso teve trânsito em julgado no STJ em agosto de 2020.

Agora, mais 54 trabalhadores resgatados

No último dia 10 de março, a fazenda Santa Adelaide foi novamente alvo de operação de resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão. Desta vez, a ofensiva alcançou também outra propriedade, a estância São Joaquim, igualmente em Uruguaiana. Após a fiscalização, foram resgatados 54 trabalhadores na Santa Adelaide, que atuavam no corte do arroz vermelho, um inço que cresce mais do que o grão cultivado e limita o rendimento das lavouras. Os homens trabalhavam sem equipamentos de proteção individual, não dispunham de banheiro ou local para refeição e tampouco tinham lugar para acondicionar a comida. Havia 10 adolescentes trabalhando na Santa Adelaide.

Acordo com MPT

No dia 21 de março, a Santa Adelaide assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) emergencial com o MPT, assumindo o compromisso de pagar uma indenização de R$ 228,9 mil aos 54 trabalhadores que atuavam na propriedade a tí­tulo de verbas rescisórias. O MPT também inseriu no acordo uma cláusula para que os proprietários custeiem o atendimento médico do adolescente que, após sofrer um acidente com um facão, perdeu parcialmente os movimentos do pé. O documento estabelece que a fazenda se responsabiliza por despesas médicas, hospitalares, fisioterápicas e, se necessário, cirúrgicas, até a pronta recuperação do jovem. Já a reparação de danos morais será apurada pelo MPT posteriormente, dando continuidade à averiguação da responsabilidade de todos os elos da cadeia produtiva envolvidos no ato ilí­cito, o que inclui também os agenciadores, chamados de gatos .

MTE tem o mesmo quadro de 25 anos atrás

O Ministério do Trabalho e Emprego, responsável pelas fiscalizações de combate ao trabalho análogo à escravidão, sofre com a falta de servidores e servidoras. Conforme o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), o último concurso foi realizado em 2013, com apenas 100 vagas, que não foram totalmente preenchidas. Dessa forma, cerca de 40% do quadro está vago, com quase 1.500 vagas em aberto. Ainda conforme o Sinait, a carreira da Auditoria-Fiscal do Trabalho está operando no limite, com menos de 2 mil auditores em atividade, o mesmo quadro de 25 anos atrás.

Resolução que pode fechar varas trabalhistas precisa ser revogada

Muitos casos de exploração de trabalho análogo à escravidão acabam sendo enviados à Justiça do Trabalho, principalmente quando não há assinatura de termo de ajuste de conduta (TAC) ou seu cumprimento posterior. Essas situações reforçam a importância da presença da Justiça do Trabalho em todas as regiões, em especial no interior.

Nas últimas semanas, porém, foi reaceso o movimento contra a Justiça do Trabalho. O deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) está coletando assinaturas para uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pretende reformar o Judiciário e, entras medidas, quer o fim da Justiça do Trabalho. Conforme a coluna Polí­tica, do jornal Zero Hora, pelo menos seis deputados federais gaúchos assinaram a proposta. O Sintrajufe/RS havia divulgado que os deputados gaúchos que assinaram a proposta eram oito: Afonso Hamm (PP), Bibo Nunes (PL), Giovani Cherini (PL), Marcel Van Hattem (Novo), Mauricio Marcon (Podemos), Pedro Westphalen (PP), Sanderson (PL) e Zucco (Republicanos). Segundo a coluna de ZH, Pedro Westphalen (PP) chegou a assinar a proposta, mas depois voltou atrás . Ele alegou que Tinha sido um engano, retirei a assinatura . O deputado Afonso Hamm (PP) teria sido procurado, mas não confirmou a assinatura, por isso seu nome não consta na lista divulgada pelo jornal.

Mas os ataques também vêm de dentro do próprio Judiciário trabalhista. A resolução 296/2021, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), suspensa até junho deste ano após pressão de servidores e servidoras e comunidades, traz uma ameaça imediata a dezenas de varas trabalhistas em todo o paí­s, inclusive no Rio Grande do Sulsão, em um primeiro momento, 69 varas em risco de extinção, sendo 9 no RS.

A resolução determina que os tribunais regionais realizem a adequação da jurisdição ou transferência de unidades judiciárias de primeiro grau que tenham apresentado distribuição processual inferior a 50% (cinquenta por cento) da média de casos novos por Vara do Trabalho do respectivo tribunal, no último triênio . Se aplicada, pode deixar sem acesso à Justiça do Trabalho justamente quem é mais vulnerável. Por isso, é fundamental que a resolução seja revogada.

Editado por Sintrajufe/RS; fonte: CUT/RS.