SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Chega da violência policial contra a população negra; Judiciário, chega de impunidade

Dados do Atlas da Violência 2024 mostram que 46.409 pessoas foram vítimas de homicídio no ano de 2022 no Brasil. Do total de homicídios registrados em 2022, 76,5% tiveram como vítimas pessoas pretas e pardas. Ou seja, para cada pessoa não negra assassinada no Brasil, 2,8 negros foram mortos.

O estudo foi realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e mostra que o número de homicídios vem variando pouco desde 2018, quando foi registrada uma queda mais acentuada de registros desse tipo de crime.

Os números são assustadores. Entre 2002 e 2021, 720.927 pessoas negras foram assassinadas no Brasil, uma média de 99 negros por dia.

Morte em operações policiais

Parte das mortes é resultado de operações policiais, onde novamente os negros são maioria. O Relatório Pele Alvo: a Cor que a Polícia Apaga, divulgado em 2021, elaborado a partir de dados das Secretarias de Segurança e obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação pela Rede de Observatórios da Segurança, atualmente composta por sete estados (BA, CE, MA, PE, PI, RJ e SP), aponta que pelo menos 5 pessoas negras foram mortas por dia em ações policiais.

Foram 3.290 mortes em operações policiais em 2021 na Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Dessas, 2.154 vítimas (65%) eram negras – utilizando-se como referência o critério do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que considera negros a soma de pardos e pretos.

Origem da violência policial contra os negros vem de longe…

Dado o histórico de violência e controle direcionado pelo Estado brasileiro às pessoas negras, podemos observar que as estruturas de vigilância e repressão foram moldadas desde o período colonial, na maioria, para manter a população negra sob constante vigilância. As primeiras forças policiais criadas no Brasil, como a Guarda Real de Polícia, instituída em 1808, tinham como função inicial conter a população escravizada e evitar fugas e levantes, essencialmente atuando para proteger a ordem escravista e as elites que dela se beneficiavam. Essas forças foram diretamente ligadas ao controle social dos corpos negros, uma característica que permanece de explícita na atualidade.

Quando as forças policiais foram criadas, nos primeiros anos do Brasil independente, o inimigo interno tinha o rosto das camadas negras escravizadas e dos movimentos abolicionistas.

Em 1887, pouco antes de a escravidão ser abolida no Brasil (no dia 13 de maio de 1888), cabia à força policial zelar pela boa conduta da população: sambas foram proibidos depois das 22h, o candomblé proibido, a capoeira foi considerada crime. Na época, a população negra livre ou liberta em Salvador já superava numericamente a de escravizados. A política pública empregada pelas elites brasileiras fundou-se no cerceamento de homens e mulheres negras: se eles não estavam sob o controle de um senhor, deveriam passar para o controle do Estado.

As polícias e as forças armadas brasileiras destruíram quilombos, esmagando revoltas populares como as de Canudos, do Contestado e da Chibata e perseguindo movimentos grevistas, além de exercer no cotidiano da população uma violência mais miúda, sorrateira e amplamente disseminada.

Na ausência de uma definição legal clara sobre o que é “fundada suspeita”, a prática normativa reforça o poder discricionário dos agentes policiais, permitindo abordagens arbitrárias que, historicamente, recaem, majoritariamente, sobre a população negra. A prática evidencia o uso do aparato policial como um mecanismo de controle racial, validando a criminalização e a suspeição sobre pessoas negras. A afirmação de Ricardo de Mello Araújo Mello, então comandante da Rota de SP (entre 2017 e 2019) e atual vice-prefeito eleito da capital paulista, comprova a manutenção dessa lógica. Os PMs que atuam na região nobre e na periferia de São Paulo adotam formas diferentes de abordar e falar com moradores: “É outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá”, disse Mello.

No bojo da estrutura estatal racista, a polícia parece estar autorizada pela Justiça a realizar prisões, por exemplo, com base unicamente em suas narrativas. Pessoas negras são desproporcionalmente criminalizadas, enfrentam maior rigor em condenações e têm menos chances de absolvição em comparação com pessoas brancas em situações similares. Tais práticas e discursos judiciais acabam por legitimar a ação muitas vezes arbitrária do policial em círculo vicioso.

A prática do racismo pelas autoridades das instituições públicas não é temida, tampouco denunciada ou reprimida; ela é naturalizada, normalizada e legitimada, uma vez que casos de racismo institucional sequer são revisados pelo Ministério Público.

Não se trata somente da falta de representatividade de pessoas negras no próprio sistema judicial, incluindo juízes, promotores e defensores, que também contribui para uma aplicação de justiça que não reflete a realidade e as necessidades de uma sociedade racialmente diversa, mas da natureza das atuais instituições.

A impunidade faz parte da máquina da violência

Carandiru (1992/SP), Eldorado dos Carajás (1996/PA), Cabula (2015/BA), Jacarezinho (2021/RJ), Operação Escudo (2023/SP), são algumas das chacinas com participação de policiais. A sucessão sem fim de casos como esses só é possível pela certeza da impunidade. Em muitos casos, quando o Ministério Público não arquiva, é o Poder Judiciário que absolve.

Não pode haver um projeto de Brasil realmente democrático que não passe por uma mudança total no sistema de policiamento autoritário que sempre dominou o país e que massacra os negros. Uma reforma que ponha fim à tutela militar e às polícias militares, uma reforma profunda do Poder Judiciário, que perpetua a impunidade. Temos consciência de que reformas como essas não serão feitas por esse Congresso nem com as atuais regras do sistema político. A justiça ao povo negro, ao povo brasileiro, virá da luta por novas instituições.

O combate ao racismo (estrutural, institucional, recreativo, cultural, religioso, etc.) é uma responsabilidade coletiva, e é essencial que toda a classe trabalhadora esteja engajada nessa luta. O Sintrajufe/RS reconhece a importância de trazer à tona essa discussão, pois o racismo – produto da sociedade de classes – afeta a vida de todos e todas. A questão racial é uma preocupação que deve unir a todos nós, independentemente de nossa cor ou origem étnica. Mais do que nunca, é preciso elevar o antirracismo para além do discurso.

Viva o dia 20 de novembro!

Com informações de Agência Brasil, Jacobina, Brasil de Fato, Deustsche Welle, BBC, UOL.

Artigos consultados: Jamil Amorim de Queiróz (Abordagem policial militar no contexto etnicorracial), Diana Anunciação, Leny Alves Bonfim e Tiago Ferreira (“Mão na cabeça!”: abordagem policial, racismo e violência estrutural entre jovens negros de três capitais do Nordeste)