SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

FOME

Governo corta em até 97% verbas de programas alimentares e de acesso à água no Orçamento de 2023

Os principais programas de assistência alimentar foram praticamente extintos do Orçamento apresentado pelo governo federal para 2023. Ações importantes tiveram cortes que variam de 95% a 97% na verba prevista para o próximo ano, como o Alimenta Brasil. O aumento de verbas para esses programas passa a depender do interesse de repasse de parlamentares por meio de emendas ou de negociação antes da votação do Orçamento, que normalmente ocorre em dezembro.

Os atingidos são principalmente pequenos agricultores e comunidades tradicionais, como quilombolas. O programa de cisternas, que permite acesso à água para consumo humano e produção de alimentos, está praticamente paralisado desde 2021 e segue sem previsão de verbas para 2023. Com o encolhimento dos repasses, esses grupos deixam de ter renda e de ampliar a integração de suas produções, diminuindo a oferta nutricional do que conseguem consumir.

O Alimenta Brasil é o principal programa de aquisição de alimentos da agricultura familiar. Ele compra da produção agrícola de famílias e doa a comida para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. “Famílias agricultoras em situação de insegurança alimentar grave [fome] enfrentam muitas vezes a condição da terra insuficiente para plantar ou falta de acesso à água para produzir na estiagem”, diz Silvio Isoppo Porto, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e ex-diretor da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Pesquisa divulgada em junho mostrou que mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com insegurança alimentar em algum grau, o que significa que 125,2 milhões de brasileiros estão nessa situação; 33 milhões são enquadrados em insegurança alimentar grave, ou seja, fome. No Rio Grande do Sul, 14,4% passam fome, segundo a pesquisa.

Os programas com verba quase zerada ficam sob o comando do Ministério da Cidadania, o mesmo que paga o Auxílio Brasil, principal aposta de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição. O orçamento da pasta para 2023 cresceu 32% para atender um maior número de beneficiários do Auxílio Brasil. Mas esse dinheiro não vai para as ações de segurança alimentar e nutricional ou de acesso à água.

A verba destinada para o Alimenta Brasil foi reduzida em 97%, para R$ 2,6 milhões. Em 2010, recebeu R$ 622 milhões, mas tem sofrido cortes nos últimos anos. “A redução dos recursos tem impacto direto sobre famílias agricultoras, comunidades tradicionais e povos indígenas, que deixam de produzir e comercializar”, diz Porto.

Efeitos para pequenos agricultores

Maria Conceição Ferreira é produtora e presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Feira de Santana (BA). Ela afirma que os cortes de recursos para compra de alimentos da pequena agricultura trouxeram vários prejuízos, em especial pela redução do Alimenta Brasil. “A gente se organizava a partir das associações, e a produção era toda comercializada [com o governo]. Com esses cortes, gerou desemprego e falta de oportunidade. Se eu não tenho para quem mandar esses alimentos, eu também não tenho muito o que produzir”, diz. Segundo ela, o volume de compra caiu em torno de 90% nos últimos anos.

Para tentar amenizar os prejuízos, Ferreira diz que as entidades têm organizado feiras e espaços para que os agricultores vendam diretamente os seus produtos, mas afirma que eles não suprem o que foi perdido com a queda de compras governamentais.

Maria Domingas Marques Pinto, 60, faz parte de uma cooperativa de quebradeiras de coco em Itapecuru-Mirim (MA). O grupo vendia produtos para o governo federal, mas não recebe o apoio do Alimenta Brasil desde 2021. “Faz falta demais, a gente sente na pele a perda de recurso. Falta comida na mesa. É a mesma coisa que dizer ‘fica com fome’. O Alimenta Brasil para nós é muito importante, digo com clareza. Quem tem fome, tem pressa. O dinheiro era usado para comprar comida, remédio, uma questão de sustento”, diz ela. “Na crise em que estamos hoje, quem comia um quilo de carne não come mais. Só come feijão se tiver na lavoura própria. Falta muita coisa na mesa e nem falo sobre outros itens”, afirma.

O apoio à agricultura urbana também foi quase extinto: redução de 95%, para R$ 25.000, entre o que foi apresentado no Orçamento de 2022 para o de 2023. Porto diz que, com o corte, as famílias perdem acesso aos recursos para implantar hortas residenciais ou coletivas, alternativa de alimento e para famílias em situação de insegurança alimentar.

“O tema segurança alimentar saiu da agenda deste governo”, diz Renato Maluf, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e coordenador da Rede Penssan, responsável pelos levantamentos recentes sobre fome no país.

Sem verba para água potável

Outros programas voltados para populações de baixa renda com acesso precário à água também foram negligenciados no Orçamento de 2023. Um deles, votado a equipamentos para acesso à
a água para consumo e à produção de alimentos foi cortado em 96%, para R$ 2,3 milhões.

Juliana Izidro mora com o marido e o filho de 12 anos no sítio Lagoa do Gravatá, em Água Seca (Paraíba) e não tem cisterna. “É uma situação complicada. A única renda que a gente tem é só do Auxílio Brasil. Como minha terra é pequena e não tem água, só planto o que dá para comer, não tem como plantar para vender”, diz.

Porto, da UFRB, diz que o valor previsto para 2023 é suficiente para construir 140 cisternas para consumo. As estimativas para universalizar o acesso à água, afirma, são bem maiores: pelo menos mais 350 mil cisternas para consumo e cerca de um milhão para produção agrícola. “Essa é a magnitude do impacto quando o governo praticamente zera os recursos para cisternas o próximo ano”, afirma.

Fonte: UOL