SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

A DITADURA E O JUDICIÁRIO

TRF3 reverte pagamento de indenização a ví­tima da ditadura alegando que ela sabia das consequências de se colocar contra o regime

Um acórdão da 6ª Turma do TRF3 modificou sentença favorável a Antonio Torini, ex-funcionário da Volkswagen preso e torturado em 1972, na ditadura civil-militar. Segundo ação iniciada pela famí­lia, ele não conseguiu empregos formais após ser preso. Em decisão de primeira instância a famí­lia de Torini ganhou indenização por danos morais. Mas o desembargador Luí­s Antonio Johonsom Di Salvo reformou a sentença, sustentando que o trabalhador é que confrontou a lei.

Ao condenar a União, o juiz Denilson Branco, da 3ª Vara Federal, em Santo André (SP), afirmou que Torini teve sua dignidade humana violada por meios nefastos e arbitrários, qual seja, prisão, tortura e perseguição por motivações polí­ticas . A indenização por danos morais a ser paga seria de R$ 150 mil à viúva do operário.

No acórdão, no entanto, utilizando termos como “lí­der de movimento esquerdista”, Di Salvo afirma que “a prisão, a incomunicabilidade, o julgamento e o banimento sofridos por Torini eram as consequências jurí­dicas de seus atos que tendiam à implantação de uma ditadura comunista no Brasil, em confronto com a opção polí­tica vigente”. A decisão afirma ainda que “não há espaço para indenização do agente dessas condutas a ser paga, via judicial, pela União, eis que o infrator das leis vigentes era Antonio Torini, vinculado a movimentos e partidos defensores da ditadura do proletariado”.

Preso, torturado, perseguido

Torini foi preso em 1972, durante a ditadura civil-militar, e permaneceu detido no Departamento de Ordem Pública e Social (Dops) de São Paulo por 49 dias, incomunicável. O operário fazia parte do Movimento pela Emancipação do Proletariado.

Ainda de acordo com os defensores Bruno Luis Talpai e Victor de Almeida Pessoa, ele voltou a ser preso em 1974 e seu nome figurou na lista suja elaborada por empresas e enviada ao governo, o que impossibilitou que ele conseguisse um emprego formal. Torini ficou desempregado até 1998, ano de sua morte. Ele sobreviveu de trabalhos informais, o que levou a famí­lia a dificuldades financeiras. Os advogados afirmam que ele foi perseguido e vigiado por forças de segurança durante muitos anos.

TRF3 desconsidera Lei da Anisitia, termo de ajustamento da Volkwagen e a própria Constituição de 1988

A decisão do TRF3 desconsiderou o fato de que a própria União reconheceu a condição de anistiado polí­tico de Torini. Segundo o acórdão, “isso não está em discussãoesse reconhecimento não induz necessariamente que a pessoa foi torturada no cárcere, como alega a inicial , já que “não há qualquer prova nos autos de que, encarcerado, Antonio Torini sofreu as ‘bárbaras’ torturas que a inicial imputa aos agentes da União”.

O tribunal também não considerou o termo de ajustamento de conduta assinado pela Volkswagen com o Ministério Público Federal pelo qual a empresa se comprometeu a pagar cerca de R$ 36 milhões, em diversas ações, por sua colaboração com a ditadura militar. A empresa publicou no domingo, 14, informe em jornais no qual lamenta profundamente as violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura no Brasil e diz se solidarizar com eventuais episódios que envolveram ex-empregados e familiares, em desacordo com os seus valores . O texto, de um quarto de página, faz parte de acordo firmado com o Ministério Público (Federal, Estadual e do Trabalho). Operários da montadora foram presos na própria fábrica, com colaboração patronal. Torini foi um deles.

O documentário Cúmplices?A Volkswagen e a Ditadura Militar no Brasil,
mostra a colaboração da empresa com o regime de exceção.

A doutora em direito e professora da PUC-SP Lucineia Rosa dos Santos questiona o entendimento do tribunal. Segundo ela, apenas a presença do nome de Torini na lista suja, que reunia o nome de militantes polí­ticos e era compartilhada por governo e empresas, já justificaria uma indenização por violar convenções de direitos humanos. Especialista em direitos humanos, Lucineia afirma também que o tribunal deveria julgar o caso de acordo com as leis estipuladas pela Constituição Federal de 1988 em vez de considerar a legislação em vigor durante o perí­odo do regime de repressão.

Os advogados da famí­lia de Torini afirmam que pretendem recorrer da decisão. Em nota, ressaltam que “O Poder Judiciário não pode chancelar os atos de exceção praticados durante a ditadura militar contra os que foram perseguidos por posições polí­tico-ideológicas, seja à luz da Constituição de 1967como fundamentou o relator do acórdão tampouco sob a égide da Carta Maior de 1988”.

Decisão acontece em meio à anulação de status de anistiados pelo governo Bolsonaro

O diretor do Sintrajufe/RS Reginaldo Lüring, pesquisador sobre a ditadura civil-militar, afirma que a decisão da 6ª Turma do TRF3 é extremamente grave, por si só, pelo tanto que traz de defesa da ditadura civil-militar imposta a partir de 1964 e de seus atos arbitrários, ignorando todo o arcabouço jurí­dico em defesa dos direitos humanos embutidos na Constituição de 1988, a começar por seu artigo 5º, que garante que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante .

Para o dirigente, a gravidade desta decisão se acentua quando ela ocorre quase simultaneamente à decisão do Ministério da Famí­lia, da Mulher e dos Direitos Humanos de anulação do status de anistiado polí­tico concedido a 156 pessoas, por meio de portarias que anulam as declarações de anistia concedida anteriormente publicadas no Diário Oficial da União (DOU) no dia 9 de março.

Ambas as decisões relativizam os abusos e os tratamentos degradantes cometidos pela ditadura civil-militar e se inserem na destruição dos direitos conquistados, a duras penas, na Constituição de 88, destruição parcialmente já consolidada na reforma da Previdência, no congelamento de salários recentemente aprovado na PEC 186, e que avança com o projeto de Reforma Administrativa em análise no Congresso. O revisionismo histórico contido nessa decisão merece repúdio de toda a sociedade, e nos alerta sobre a necessidade de determos o projeto de retirada de direitos do qual este revisionismo é signo claro , adverte Reginaldo.

Sintrajufe/RS, com informações de CUT e Folha de S. Paulo