SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

TRAGÉDIAS LUCRATIVAS

Relatório da Oxfam mostra como empresas se aproveitaram da última tragédia enquanto trabalhadores perdiam; enchentes no RS podem ser nova oportunidade

Em 2022, um relatório da Oxfam, organização que atua globalmente buscando reduzir a desigualdade, apontou que a riqueza dos bilionários teve alta recorde durante a pandemia de covid-19, enquanto a maioria da população se viu em processo de empobrecimento. A leitura desse relatório, no contexto de crise pelo qual passa o Rio Grande do Sul, sugere pistas para o contexto de disputa que se estabelece em momentos como esse – e ajuda a entender os ataques contra os trabalhadores e trabalhadoras que já começaram.

O relatório engloba apenas o período entre 2020 e 2021 e, mesmo assim, aponta que, nesse período, foi registrado o maior aumento da extrema pobreza em mais de 20 anos, com dezenas de milhões de pessoas no mundo todo passando a essa situação. Por outro lado, entre o início de 2020 e o final de 2021, em apenas 24 meses, a fortuna dos bilionários aumentou o equivalente a 23 anos. Especial destaque tiveram os bilionários de setores como o alimentício, o de energia, o de tecnologia e o farmacêutico. Os lucros dessas empresas – como Walmart, Cargill, Moderna, Pfizer, Apple, Microsoft, Tesla e Amazon – bateram recordes históricos enquanto os preços disparavam: o relatório informa que os preços dos alimentos atingiram seu nível mais alto em décadas, com crescimento de 33,6% em um ano, ao mesmo tempo em que surgiram 62 novos bilionários no setor.

Entre 2020 e 2021, o número de bilionários no mundo saltou de 2.095 para 2.668, somando uma fortuna de US$ 12,7 trilhões – um aumento em termos reais de US$ 3,78 trilhões (42%). Esse valor significava, em 2021, 13,9% do Produto Interno Bruto (PIB) global, bem acima dos 4,4% registrados em 2000. Por sua vez, no mesmo período, 125 milhões de empregos em tempo integral foram perdidos.

Exemplos concretos deixam clara a realidade dos bilionários e das grandes empresas

No setor de alimentos, a família proprietária da Walmart tinha, em 2020, US$ 229 bilhões. Em 2021, sua fortuna alcançou US$ 238 bilhões, o que significa um aumento de US$ 503.000 por hora. A Cargill, outra gigante do setor, também ampliou seus lucros na pandemia. A riqueza dos membros da família listados na lista de bilionários da Forbes somava, em 2021, US$ 42,9 bilhões – US$ 14,4 bilhões a mais do que em 2020 (aumento de 65%), crescendo quase US$ 20 milhões por dia no período.

No setor energético, cinco das maiores empresas (BP, Shell, TotalEnergies, Exxon e Chevron) obtiveram um lucro combinado de US$ 82 bilhões em 2021 – ou seja, US$ 2.600 por segundo. Enquanto o preço da energia para os consumidores disparava, impactando também os preços de transporte e alimentos, a margem de lucro das grandes petrolíferas dobrou entre 2020 e 2021.

Já no setor de tecnologia, Apple, Microsoft, Tesla, Amazon e Alphabet registraram, em 2021, US$ 271 bilhões em lucros, quase o dobro de 2019 (aumento de 94% ou US$ 131 bilhões). Também em 2021, as margens de lucro médias dessas empresas aumentaram de 16% para 22%. Conforme o relatório, a Amazon “talvez tenha sido a maior vencedora corporativa da pandemia”: entre 2019 e 2021, seus lucros mais do que triplicaram, “pois usou seu enorme poder de mercado para se tornar a loja de ‘tudo’”. Ao mesmo tempo, aponta a Oxfam, “o poder que a Amazon exerce sobre trabalhadores, fornecedores e governos é sem precedentes, enquanto seu modelo de negócios global continua dependente de centenas de milhares de trabalhadores de armazéns e motoristas de entrega com baixos salários”. Já a riqueza pessoal do fundador Jeff Bezos aumentou em US$ 45 bilhões entre 2020 e 2021. E mais: “A influência política que esse tipo de riqueza compra não pode ser subestimada, e as empresas de tecnologia gastam grandes quantias realizando lobby em nome de seus interesses. Amazon e Google, por exemplo, gastaram US$ 7,5 milhões fazendo lobby junto a políticos dos EUA nos primeiros três meses de 2021”, diz o relatório.

Veja AQUI o relatório completo.

Lei 14.437/2022: redução de salários e suspensão de contratos; CUT/RS cobra não aplicação da lei e ultratividade

As enchentes dos últimos dias no Rio Grande do Sul jogaram parte significativa da população em uma verdadeira crise humanitária. São mais de 150 mortos, dezenas de desaparecidos e meio milhão de pessoas desalojadas, sendo que cerca de 80 mil estão em abrigos provisórios. Na estrutura do estado, as enchentes também geraram graves problemas, com cidades destruídas, bairros inteiros devastados e estradas intransitáveis, seja por deslizamentos de terra, seja porque as próprias vias sofreram danos graves.

Tudo isso coloca o Rio Grande do Sul em xeque e cria uma situação de grave risco à dignidade e aos direitos dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, a crise é interpretada como uma oportunidade por alguns setores, que já começaram a se movimentar para lucrar ainda mais em cima do desastre.

A água nem baixou ainda em muitas partes do estado, mas já há diversos relatos de empresas que buscam aplicar contra seus empregados a lei 14.437/2022. Essa lei foi aprovada em 2022, sob o governo Bolsonaro, durante a pandemia de covid-19, e institui regras trabalhistas “alternativas” para vigorar em períodos de calamidade pública, incluindo enchentes e secas. Entre as medidas, passa a ser permitido aos empresários reduzir a jornada e os salários dos trabalhadores e trabalhadoras e determinar a suspensão temporária de contratos. A Central Única dos Trabalhadores no Rio Grande do Sul (CUT/RS) tem defendido a não aplicação da lei e a edição de uma Medida Provisória que determine a ultratividade dos acordos coletivos de trabalho. Esse foi o conteúdo da intervenção de Amarildo Cenci, presidente da Central, em reunião com o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, na noite desta quinta-feira, 16, com vários sindicatos e centrais.

O que Brumadinho, Katrina, Corsan e Melo tem em comum?

Na segunda-feira, 13, o prefeito Sebastião Melo (MDB) anunciou a contratação de uma empresa dos Estados Unidos para a gestão do pós-enchentes na cidade. A empresa, chamada Alvarez & Marsal, teve atuação direta na privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), em 2022, e tem experiência na gestão de crises como a passagem do furacão Katrina nos Estados Unidos e o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, momentos nos quais atuou pela redução das indenizações às vítimas. A Alvarez & Marsal terá, entre outras atribuições, o direito à “caneta”: ela irá atuar na gestão de recursos financeiros aplicados no pós-enchentes. Talvez esse privilégio explique a proposta da empresa de atuar “sem custos” nos primeiros 60 dias – ainda não foi oficializado quanto receberá a partir daí.

Especulação imobiliária

Outra questão envolve a situação das moradias dos atingidos pelas enchentes e a lógica da especulação imobiliária. No início do ano, em entrevista ao site Sul 21, ao comentar a grande quantidade de pessoas morando nas ruas de Porto Alegre, Melo defendeu: “Se tem 100 mil apartamentos vazios, é o capitalismo, não vou intervir”. Agora, em meio às enchentes, o prefeito disse não haver imóveis disponíveis para os desalojados pelas enchentes, mesmo que o último Censo aponte, justamente, que há 100 mil imóveis vazios em Porto Alegre.

Recursos massivos em disputa

Tudo isso – e muito mais – será discutido a partir de agora sob um novo cenário, de aplicação massiva de recursos no Rio Grande do Sul. Apenas do governo federal já foram anunciados investimentos e medidas que envolvem recursos superiores a R$ 70 bilhões. O destino desse montante e as decisões sobre os beneficiários efetivos desse aporte são questões já em disputa.

Com informações da Oxfam