SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

DESTAQUE

O que o Setembro Amarelo não diz

O Sintrajufe/RS publica artigo de Bruno Chapadeiro, professor do PPG em Psicologia da Saúde da Umesp. No texto, o autor aponta que neste mês, dedicado à prevenção do suicí­dio, é preciso pensar o assunto não apenas como uma questão individual. Tratando dos efeitos da pandemia do novo coronaví­rus na economia, Chapadeiro propõe uma reflexão mais aprofundada sobre o tema, relacionando-o com desigualdade social, econômica, racial, geográfica, educacional e de gênero.

No ano passado, escrevi sobre a campanha do Setembro Amarelo de prevenção ao suicí­dio fazendo um paralelo entre a miséria socioeconômica interplanetária e o fenômeno do autoextermí­nio. Na ocasião, expus, a partir de dados e referências bibliográficas cientí­ficas especializadas no tema, que o aumento da desigualdade social-econômica é indiretamente relacionado às ampliadas taxas de suicí­dios ao redor do globo que se agravam em momentos de crise financeira e consequentes medidas de austeridade por parte dos Estados que asfixiam as polí­ticas de proteção social.

Mantenho minha linha argumentativa quanto ao tema. A crise estrutural sem precedentes na história, imposta pela pandemia do novo coronaví­rus, irá cobrar sua fatura não somente em números de mortos e infectados pelo SARSCoV-2, mas também no que tange a impactos à saúde mental das populações com consequências deletérias e, quiçá, incontornáveis, de acordo com Kavukcu e Akdeniz (2020). Segundo Gruber e Rottenberg (2020), o impacto do novo coronaví­rus na saúde mental pode ser literalmente mortal, havendo projeções de que o número de mortes derivadas de problemas de saúde mental pode ser semelhante ao das diretamente causadas pela covid-19.

Os autores citam estimativa de uma fundação chamada Well Being Trust, que estima que a pandemia pode levar a um número de mortes entre 27.644 e 154.037 nos Estados Unidos por suicí­dio e overdose decorrentes do desemprego em massa, depressão e ansiedade. Consideram como o grande desafio desta pandemia achatar a curva da saúde mental .

Em 30 de junho, as estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (ILO, 2020a) mostravam que as perdas de horas de trabalho pioraram durante o 1º semestre de 2020, refletindo a deterioração da situação, especialmente nos paí­ses em desenvolvimento. Durante o 1º trimestre do ano, cerca de 5,4% das horas de trabalho globais (equivalente a 155 milhões de empregos em tempo integral) foram perdidas em relação ao 4º trimestre de 2019. Perdas em horas de trabalho no 2º trimestre de 2020 em relação ao último trimestre de 2019 estão estimadas em 14,0% em todo o mundo (equivalente a 400 milhões de empregos em tempo integral), com a maior redução (18,3%) ocorrendo nas Américas (ILO, 2020b).

Segundo Kawohla e Nordta (2020), a taxa de desemprego mundial aumentaria de 4,93% para 5,64%, o que estaria associado a um aumento de suicí­dios de cerca de 9.570 por ano num cenário com altas estimativas. No cenário de baixas estimativas, o desemprego aumentaria para 5,08%, associado a um aumento de cerca de 2.135 suicí­dios.

Por aqui, em terra brasilis, os dados da primeira quinzena de setembro de 2020 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicí­lios (PNAD Covid-19), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatí­stica (IBGE), aponta que o desemprego bate 13,6%; 4,3 milhões de pessoas estão afastadas do trabalho devido ao distanciamento social, 40 milhões de brasileiros(as) com vontade de trabalhar, 28 milhões de informais e 75,5 milhões fora da força de trabalho.

E nada há de dados oficiais que relacionem tais números com as taxas de suicí­dio.

Outros dados da PNAD Covid-19 nos chamam atenção: 30,1% das pessoas ocupadas tiveram rendimento menor do que o normalmente recebido, de forma que 3,2 milhões de pessoas ocupadas e afastadas deixaram de receber remuneração; 17,7 milhões de pessoas não procuraram trabalho por conta da pandemia ou por falta de trabalho na localidade (13,5% de pretos e pardos e 8,2% brancos) e 8,3 milhões de pessoas (10% da população ocupada do Brasil) estão em regime de teletrabalho, sendo que, 84,1% são trabalhadores(as) formais, 31,1% tem ní­vel superior completo ou pós-graduação e praticamente a metade, 36,7% (4,9 milhões) está concentrada na região Sudeste do paí­s.

Não à toa, em contrapartida, dos 44,1% de domicí­lios que receberam o auxí­lio emergencial durante esta pandemia (com média de rendimento de R$ 896,00) estão concentrados nas regiões Norte (61,7%-68,8%) e Nordeste (55,3%-59,8%) do paí­s. Duas regiões que, somadas, não chegam a 11,8% de pessoas (1,65 milhões) em home office.

Observa-se que a desigualdade neste paí­s tem recortes de gênero, cor ou raça, região do paí­s e grau de instrução. Aqui no mulato inzoneiro, o IBGE demonstrou, em 6 de maio, ou seja, com cerca de 1 mês e pouco do iní­cio da pandemia na terra de samba e pandeiro, que o 1% com maior rendimento mensal ganha, em média, 180 vezes o que ganha a pessoa que está na parcela dos 5% com menor renda.

Uma pessoa branca recebe 70% a 80% mais que uma pessoa preta ou parda em um mês.

Homens recebem 28,7% a mais que as mulheres.

Alguém com diploma de ensino superior ganha 5,6 vezes o que recebe alguém sem instrução.

As regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste registram rendimentos de cerca de R$ 900/R$ 1.000 a mais do que a renda média no Norte e Nordeste.

Já escrevi, em outros momentos, sobre polí­ticas de transição de renda ao redor do mundo e os investimentos em polí­ticas públicas de saúde mental que evidenciam saí­das plausí­veis à diminuição das taxas de suicí­dio. Neste ano, com a pandemia da covid-19 que assola o mundo em termos sanitários e econômicos, nunca esteve tanto na pauta do dia tornar, por exemplo, como evidencia Carvalho (2020), a renda básica algo permanente, assim como resolver injustiças históricas do nosso sistema tributário, tendo na agenda a taxação de grandes fortunas, conduzida por um Estado forte e protetor.

Entretanto, os coachings da saúde mental preferem pautar o fenômeno do suicí­dio no campo da Saúde como algo patologizado individualmente e cujas tratativas versam tão somente na balela do autocuidado pessoal. Qualquer cartilha básica sobre suicí­dio dirá o quão importante é falarmos sobre o tema para a população, a fim de não torná-lo um tabu.

Relacioná-lo à desigualdade social, econômica, estrutural, racial, geográfica, educacional e de gênero também o é. Mas isso as campanhas do Setembro Amarelo não dizem.

Referências

â-  Carvalho, L. Curto-circuito: O ví­rus e a volta do Estado. São Paulo: Todavia, 2020.

â-  Gruber J.; Rottenberg, J. Flattening the mental health curve is the next big coronavirus challenge. The Conversation, 29 maio 2020.

â-  International Labour Organization. Almost 25 million jobs could be lost worldwide as a result of COVID-19, says ILO. ILO: Genebra, 2020a.

â-  International Labour Organization. Monitor: COVID-19 and the world of work. 5th ed. Updated estimates and analysis. ILO: Genebra, 2020b.

â-  Kavukcu, E.; Akdeniz, M. Tsunami after the novel coronavirus (COVID-19) pandemic: A global wave of suicide? The Intern. Journ. of soc. Psych., jul 29 2020.

â-  Kawohla, W.; Nordta, C. COVID-19, unemployment, and suicide. The Lancet Psychiatry, 7 (5), 389-390, 2020.

Este texto foi publicado, originalmente, no site Multiplicadores de Vigilância em Saúde do Trabalhador.