SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

SERVIÇOS PÚBLICOS

Falta de servidores e ataques ao setor público nos últimos governos colocam em risco a vida da população; EC 95 precisa ser revogada

Alvo de ataques e desmontes nos governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), o serviço público federal perdeu cerca de 150 mil servidores nos últimos seis anos. O resultado é a deterioração do atendimento à população em áreas como saúde, educação, previdência e segurança, além da falta de fiscalização em diversos setores como o ambiental.

Hoje o paí­s precisa de, no mí­nimo, mais 200 mil servidores públicos nas mais diversas áreas , afirma o Secretário-Geral da Confederação Nacional dos Servidores Públicos Federais (Condesf), Sérgio Ronaldo da Silva. Em 2019, a força de trabalho do Executivo era 665 mil. Ao final do governo Bolsonaro, eram 501 mil, ou seja, 160 mil a menos. Isso gera impacto não só no serviço prestado, mas também no trabalho de quem fica, que acaba sobrecarregado e adoece , diz o dirigente.

Tragédias como a que atinge o Território Indí­gena Yanomami, em Roraima, poderiam ter sido evitadas não só com polí­ticas públicas consistentes e efetivas, mas também com servidores em número suficiente para prestar um atendimento de excelência aos indí­genas. Quem mais sofre com a destruição do setor público é o povo brasileiro, especialmente os mais pobres, que mais dependem desses serviços, não têm como pagar por saúde ou escolas particulares e precisam dos benefí­cios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sem ter de passar meses na fila virtual, aguardando atendimento. Mas as classes médias e altas também são prejudicadas com a falta de fiscais agropecuários ou ambientais, que controlam a qualidade da alimentação e da água, por exemplo.

De acordo com Sérgio Ronaldo da Silva, nos últimos anos os governos Temer e Bolsonaro ˜ quase conseguiram destruir a máquina pública, mas a resistência das centrais [sindicais] evitou um mal maior . Apesar disso, ressalta, as consequências do desmonte são inevitáveis e trágicas, como estamos vendo no caso dos yanomamis, que estão morrendo de fome e de doenças como a malária.

Saúde, meio ambiente e INSS

As áreas da saúde e do meio ambiente são as mais emblemáticas, mas há problemas também na Previdência Social e em outros setores. O número insuficiente de servidores no Sistema único de Saúde (SUS), nos mais diversos estados, pode significar a morte de trabalhadores e trabalhadoras. Na prática, o que ocorre são problemas como as filas em cirurgias eletivas, aquelas que podem ser agendadas. Se não há profissionais em número suficiente, essas filas aumentam, e os problemas de saúde do paciente podem se agravar , explica Sandro Cezar, secretário de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS) e presidente da CUT-Rio de Janeiro. O que poderia ser tratado sem ser emergência, pela demora excessiva, acaba evoluindo, se tornando um problema grave, e pode levar à morte por falta de atendimento , complementa. Ainda na área da saúde, Sandro Cezar aponta a carência de servidores para o atendimento básico de saúde, que poderia prevenir doenças futuras: São coisas simples que podem virar casos de morte , pontua.

Autarquias deficitárias

Responsável pela fiscalização ambiental e aplicação de penalidades administrativas no que diz respeito à prevenção e controle de desmatamentos, queimadas e incêndios florestais, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, também tem como responsabilidade o registro de agrotóxicos, avaliando esses produtos e componentes do ponto de vista ambiental. Em março de 2021, a autarquia contava 2.480 servidores estatutários. Em 2009 eram 4.208 empregados. Para além dessa redução, durante o governo de Jair Bolsonaro o Ibama passou a ser um território de perseguição, ameaças e desmoralização aos servidores que tentavam cumprir com as obrigações legais do instituto. Em entrevista concedida ao portal Amazônia Real em setembro de 2022, o presidente da Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema), Denis Riva, afirmou que os órgãos ambientais foram totalmente desmontados durante a gestão de Bolsonaro: A fiscalização ambiental vem sendo ocupada por pessoas sem experiência e sem compromisso. É dever do próximo governo reestruturar os órgãos com a experiência dos técnicos e do movimento social comprometido com a agenda ambientalista , disse Riva.

O que o governo Bolsonaro fez foi um desmonte, com perseguição aos servidores, que passaram a ser cassados, transferidos. Aqueles que conseguiram exercer seu trabalho foram desmobilizados , afirma o secretário de Meio Ambiente da CUT, Daniel Gaio. O dirigente cita ainda os cortes do orçamento destinados à defesa do meio ambiente, A redução foi de 71% em relação a 2014, passando de R$ 13,3 bilhões naquele amo para R$ 3,7 bilhões em 2021. Os dados são do O financiamento da gestão ambiental no Brasil: uma avaliação a partir do orçamento público federal , realizado pela pelo Instituto Socioambiental (ISA) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O ano de 2021 registrou o maior í­ndice de desmatamento na Amazônia nos últimos 15 anos. Quando não há servidores públicos para autuar, multar, prender, o que ocorre é uma permissividade para as ações ilegais, o garimpo ilegal, os crimes, os desmatamentos aconteçam. Isso era projeto de Bolsonaro, pontua Daniel Gaio.

Funai

A crise humanitária vivida pela comunidade Yanomami em Roraima é uma das consequências da falta de atuação da Fundação Nacional dos Povos Indí­genas (Funai), também aparelhada pelo governo Bolsonaro de forma a desconsiderar as necessidades dos povos originários. O contingente de servidores também teve redução drástica ao longo dos anos. Em dez anos, o número passou de 2.587 para apenas 1.343. Em entrevista à Globo News, o procurador da República em Roraima, Alisson Marugal, afirmou que a falta de ação do órgão foi determinante para o agravamento da crise: O abandono da Funai nesse território, justamente quando os indí­genas mais precisavam, foi determinante para que chegasse a situação que estamos hoje , disse.

A Funai é responsável por garantir direitos sociais, territoriais, culturais e ambientais de 305 povos indí­genas que falam 274 lí­nguas e ocupam 13% do território nacional. Esses povos estão distribuí­dos em áreas de alta biodiversidade, em muitos casos, marcadas pela atuação do crime organizado. Segundo relatos dos servidores da Funai, faltam de coletes à prova de balas a combustí­vel para abastecer as lanchas usadas em deslocamento. Falta também apoio regular das forças de segurança aos 92 servidores que trabalham nas 5 bases estratégicas distribuí­das pelo Vale do Javari , disse a representante do Sindicato dos Servidores Públicos Federais, Mônica Machado, em audiência no Senado, em 2022.

A volta da fila no INSS

Outro gargalo recriado nos últimos anos foi a volta da fila, agora virtual, no INSS, fato que penaliza trabalhadores e trabalhadoras que buscam a aposentadoria e os benefí­cios a que têm direito, como o auxí­lio-doença. Em setembro de 2022, a fila chegou a 5,5 milhões de pessoas esperando por atendimento. Dados do próprio instituto, obtidos pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), mostraram que, em dezembro do ano passado, o tempo de espera para conseguir um atendimento para requerer benefí­cios como o auxí­lio-acidente, invalidez e pensão por morte, chegava a 122 dias, quando o prazo máximo é de 45 dias. Isso se deve ao fato de que, ao longo dos 10 últimos anos, a Previdência perdeu mais de 20 mil servidores. Especialistas da área apontam que a defasagem de servidores é de cerca de 23 mil trabalhadores.

A falta de servidores no INSS implica no aumento da demora da concessão de benefí­cios. Hoje o INSS está reduzido a 50% do seu quadro. Antes, éramos 38 mil, hoje somos cerca de 18 mil , afirma Vilma Ramos, Secretária-Geral do Sindicato dos Servidores do Seguro Social e Previdência no Estado de São Paulo (SINSSP). A realidade hoje, ela explica, é de uma demanda significativamente maior do que a capacidade de trabalho, portanto, o que se consegue cumprir é somente o reconhecimento inicial do direito aos benefí­cios. As agências estão sem atendimento por falta de funcionários, que têm de ser qualificados. Não basta apenas receber o documento. É preciso orientar sobre como um beneficiário deve requerer o benefí­cio e é preciso conhecer a legislação previdenciária , diz a dirigente.

Perí­cia

A falta de médicos peritos no INSS agrava o problema, já que o número é insuficiente para dar vazão aos atendimentos. Se um trabalhador dá entrada em um auxí­lio-acidente e não consegue passar pelo perito com rapidez, a fila aumentará. Vira uma bola de neve, diz Vilma, lembrando que o trabalhador fica sem renda enquanto espera sua vez. Ela observa ainda que a tecnologia adotada para tentar solucionar os problemas de atendimento no Instituto, na verdade se mostrou um facilitador para que benefí­cios fossem negados. Isso acarreta em aumento de judicialização e um gasto maior pela União por ter negado benefí­cios aos quais o segurado tem direito. Vira uma roda vida de despesas e isso impacta na qualidade de atendimento à população , pontua a dirigente.

Genocí­dio dos indí­genas

Conforme dados colhidos pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 2020 foram registrados 182 assassinatos de indí­genas brasileiros. Em 19 estados, 201 terras indí­genas foram alvos de 263 de invasões e explorações ilegais de recursos naturais.

O relatório aponta ainda que quase 50 mil indí­genas foram contaminados pela covid-19 e 900 morreram em consequência dessa doença. Além disso, o documento aponta que mais de três mil crianças indí­genas morreram no paí­s, nos últimos quatro anos, sob o governo Bolsonaro.

Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul tem mais de 400 cargos vagos

O Judiciário Federal também sofre com o desmonte dos últimos anos. Com poucas nomeações de servidores e servidoras, o número de cargos vagos multiplicou-se, prejudicando o atendimento às necessidades da população e a eficiência da Justiça e gerando sobrecarga de trabalho para os servidores e as servidoras em atividade. Apenas na Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul, que deve zelar pelos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, são mais de 400 cargos vagos.

Revogar o teto de gastos

Além de uma agenda de reconstrução e valorização dos serviços públicos, para qualificar o atendimento à população e defender, via serviço público, os direitos de brasileiros e brasileiras, é necessário derrotar a polí­tica de arrocho representada pela emenda constitucional (EC) 95. Essa EC estabeleceu um teto de gastos de vinte anos, congelando, na prática, a possibilidade de gastos do Estado. O arcabouço de destruição gerado pela EC 95 precisa ser derrotado para que o Brasil tenha mais e melhores serviços públicos, não menos.