Três produtores de café de Minas Gerais foram autuados por fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) por submeter 23 trabalhadores a condições análogas à escravidão. Entre os fazendeiros flagrados, dois são cooperados da Cooxupé (Cooperativa Regional dos Cafeicultores de Guaxupé), a maior cooperativa de café do mundo, responsável por 10% das exportações brasileiras do grão, e que já esteve envolvida em outros casos de trabalho escravo. Os trabalhadores, entre eles um adolescente de 16 anos, se encontravam em condições degradantes, sem fornecimento de água potável, sem acesso a banheiro e a local adequado para refeições.
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As fiscalizações ocorreram entre os dias 17 e 20 de junho, em sete fazendas no sul de Minas Gerais, região responsável por 16% da produção nacional de café. Conforme a fiscalização, em todas elas foram encontradas irregularidades, mas o trabalho escravo ficou caracterizado em três. Os 23 resgatados vinham do Vale do Jequitinhonha, no Norte de Minas Gerais, e do Maranhão.
No Sítio Mata do Sino, de Marcos Florio de Souza, em Juruaia (MG), seis trabalhadores foram resgatados. Dez pessoas foram resgatadas na Fazenda Cachoeirinha, em Nova Resende, que pertence a Vagner Freire da Silva. O terceiro flagrante, com resgate de sete pessoas, ocorreu em Alfenas, no Sítio de Ilha, de Luis Carlos Moreira.
As condições de trabalho variavam em cada uma das três fazendas, mas em todas os trabalhadores atuavam na informalidade, sem qualquer direito trabalhista garantido por lei. Eles eram cobrados pelo aluguel das derriçadeiras, equipamento usado para acelerar a colheita do grão, pela gasolina usada nessas máquinas e pelos alojamentos. Todos esses descontos são ilegais. Após o resgate, os produtores assinaram Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e realizaram o pagamento de verbas rescisórias.
Maior cooperativa de café do mundo
A Cooxupé ficou na 26ª posição na lista da Forbes das 100 maiores empresas do agronegócio brasileiro de 2023. É a única cooperativa que atua exclusivamente com café a integrar o seleto grupo da revista. Na última safra, a cooperativa faturou R$ 6,4 bilhões e as suas exportações de café chegaram a clientes em 50 países.
A cooperativa informou à Repórter Brasil que os dois fazendeiros cooperados autuados foram bloqueados. E que, “diante de eventuais constatações de inconformidades com o Ministério do Trabalho, as atividades comerciais dos mesmos são automaticamente bloqueadas e suspensas pela Cooxupé, independentemente de certificação ou verificação”.
Essa não é a primeira vez que relações da Cooxupé com fazendeiros flagrados por trabalho escravo se tornam públicas. Em abril, a Repórter Brasil mostrou que dois cafeicultores incluídos na “lista suja” do trabalho escravo forneciam para a cooperativa. Os produtores foram autuados pela submissão de 11 trabalhadores a condições análogas à escravidão no Sítio Douradinha, em São Pedro da União (MG), em junho de 2023.
Deputado quer mudar regras a fim de punir fazendeiros somente em uma segunda fiscalização
Após os três casos no sul de Minas Gerais, o deputado federal Emidinho Madeira (PL-MG) foi à tribuna da Câmara pedir apoio para mudar a norma que orienta a fiscalização trabalhista no campo, instituindo a “dupla visita” nos casos de flagrantes de trabalho escravo. Nesse mecanismo, a fiscalização trabalhista primeiro orienta e só depois pune, em caso de manutenção da irregularidade. O instrumento já é previsto pela legislação em casos de infrações leves, mas não é aplicado em casos de flagrantes de trabalho escravo e infantil. Em seu pronunciamento, o deputado também acusou a fiscalização de causar pânico entre os produtores de café.
Em 2023, o cultivo de café foi a atividade econômica onde mais trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão, com 316 vítimas resgatadas, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego.
“Nesses três empreendimentos, que direitos laborais esses trabalhadores tinham? Nenhum direito. O que essas vítimas são, se elas não possuíam nenhum direito? Nada mais são que escravizados contemporâneos”, afirma Marcelo Campos, auditor que coordenou as fiscalizações nas propriedades. “Nós vamos continuar fazendo o nosso trabalho, independente da grita de um ou outro parlamentar”, completa.
Um negócio lucrativo
Reportagem do Intercept Brasil, de julho, mostrou que, apesar das multas e outros pagamentos, escravizar trabalhadores sai barato. Em 2023, foram resgatadas 3.190 pessoas em condições análogas à escravidão em todo o Brasil, e os empregadores flagrados pagaram apenas, em média, R$ 4.115,89 por pessoa em verbas rescisórias. Isso equivale a pouco mais de três salários mínimos. Nem sequer dá conta do que o trabalhador perdeu durante o tempo de serviço.
As verbas rescisórias são todos os direitos que o trabalhador teria se tivesse sido contratado regularmente desde o início do trabalho, incluindo salário de acordo com piso da categoria, décimo-terceiro, férias, horas extras. A fiscalização também aplica multas referentes aos autos de infração para cada descumprimento da legislação, mas o valor é irrisório. No caso de flagrante de trabalho infantil, por exemplo, a multa vai de R$ 416,18 por “menor” até o máximo de R$ 2.080,90. Em 2023, foram 2.564 crianças e adolescentes retirados do trabalho infantil.
Uma verba indenizatória pode ser paga via dano moral individual proposto pelo Ministério Público do Trabalho, seja por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta ou via ação civil pública. Porém, isso não acontece em todos os casos e os valores variam muito. Cada procurador analisa de acordo com a gravidade da situação encontrada pela fiscalização.
Com informações de Repórter Brasil e Intercept Brasil