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MAIS UM CASO

Em julgamento sobre assédio a menina de 12 anos, desembargador condenado por violência doméstica diz que “mulherada está louca atrás de homem”

No julgamento do caso de uma menina de 12 anos que pediu medida protetiva por se sentir assediada por um professor, o desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) Luís César de Paula Espíndola aproveitou para tecer críticas ao feminismo e dizer que, ao contrário do alegado pela vítima, são as mulheres que “estão loucas atrás dos homens”. O caso ocorreu na 12ª Câmara Cível da Corte, na quarta-feira, 3. Em março de 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou Espíndola à prisão por quatro meses e 20 dias, em regime aberto, por lesão corporal em contexto de violência doméstica contra a irmã e a mãe; a pena foi substituída por prestação de serviços à comunidade e ele retornou ao cargo.

No processo julgado na 12ª Câmara Cível, o pedido de medida protetiva se deu após o professor pedir o contato e enviar mensagens com elogios para a menina no horário da aula. A vítima apresentou comportamento estranho e não quis mais ir à aula, mas como não podia faltar ficava trancada no banheiro da escola. Com acompanhamento psicológico, a adolescente revelou que o professor proferia piscadas e olhadas maliciosas, o que a deixava constrangida. Ele chegou a ser alvo de processos nas áreas administrativa e criminal, mas foi absolvido. O caso tramita em segredo de justiça.

Os magistrados e as magistradas da 12ª Câmara Cível seguiram o voto do relator, a partir de solicitação do Ministério Público, e concederam medida protetiva à adolescente. Espíndola divergiu desse entendimento, afirmando que era absurdo “estragar a vida desse professor”. Ele desconsiderou a situação da menina, dizendo que se tratava de “ego de adolescente” que “precisava de atenção”. O docente, segundo o magistrado, teria sido “infeliz, mas aprendeu a lição”.

Uma desembargadora que estava no julgamento o confrontou, ressaltando a importância de se levar em consideração a palavra da vítima. Espíndola reagiu, chamou a declaração da colega de “discurso feminista desatualizado” e afirmou que são “as mulheres que estão assediando”, inclusive professores de universidades. E não parou por aí: “Quem está correndo atrás dos homens são as mulheres. Não tem no mercado, né? A mulherada está louca para levar um elogio, uma piscada, uma cantada respeitosa. Vai no parque só tem mulher com cachorrinho, louca para encontrar um companheiro. A paquera é uma conduta que sempre existiu, sadia”.

Após a fala, o desembargador pediu desculpas pela “conversa mundana e sem relação com o processo” em julgamento. Em nota, disse que não teve a intenção de menosprezar o comportamento feminino e que sempre defendeu “a igualdade entre homens e mulheres, tanto em minha vida pessoal quanto em minhas decisões”.


CNJ abre reclamação disciplinar contra o desembargador

O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, instaurou reclamação disciplinar, nesta sexta-feira, 5, contra o desembargador Luis Cesar de Paula Espíndola. O modo como ele se manifestou na sessão da 12ª Vara Cível foi considerado “potencialmente preconceituoso e misógino em relação à vítima de assédio envolvendo menor de 12 anos”. O desembargador será intimado da decisão e terá 15 dias para prestar informações.

Segundo o corregedor, “infelizmente, ocorrências desse tipo envolvendo a fala e a postura de magistrados com potencial inobservância dos deveres do cargo e princípios éticos da magistratura tem chegado com recorrência ao conhecimento desta Corregedoria Nacional de Justiça, e, não por acaso, envolvendo mulheres como destinatárias dos atos praticados”.

Na decisão, Salomão afirmou que “a cultura de violência de gênero disseminada em nossa sociedade” é “fomentada por crenças e atos misóginos e sexistas, além de estereótipos culturais de gênero. Ao se tornar habitual e naturalizada, a discriminação dá ensejo à violência, e gera práticas sociais que permitem ataques contra a integridade, saúde e liberdade da mulher. A responsabilidade do Poder Judiciário e de seus membros, nesse mister, é inafastável”.

A seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná classificou a manifestação como “odiosa” e “estarrecedora”. Além disso, pontuou que as declarações “expressam elevado grau de desconhecimento sobre o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, de cumprimento obrigatório pelos magistrados e tribunais”.

O TJPR emitiu nota dizendo que “não endossa os comentários” feitos pelo magistrado e que foi aberta investigação preliminar no âmbito da Corte. A Comissão de Igualdade e Gênero do tribunal também publicou nota, dessa vez de repúdio, ao “lamentável episódio” e afirmando que “certamente em defesa do assediador”, Espíndola imputou às mulheres a prática generalizada do “assédio aos homens”. Para a comissão, o episódio “revela o quão ainda estão internalizados neste segmento específico da sociedade brasileira, opiniões preconceituosas, conceitos misóginos, hábitos discriminatórios, desrespeitosos e até predatórios contra pessoas do gênero feminino, crianças, adolescentes e adultas”.

Condenado por violência doméstica

Em março do ano passado, Luís Espíndola foi condenado à prisão pelo STJ, por lesão corporal em contexto de violência doméstica contra a irmã e a mãe. Ao longo do processo, o desembargador argumentou que a situação em que agrediu as duas mulheres fora provocada pela irmã. O crime aconteceu em 2013, na época em que ele ganhou o cargo no TJ, como promoção por antiguidade. A ação se arrastou por quase uma década em virtude das sucessivas manobras para postergar o julgamento.

O magistrado também já foi absolvido de denúncia por lesão corporal contra uma dona de casa, sua vizinha, após a vítima e as testemunhas não comparecerem a depoimento.

Com informações de Carta Capital, CNJ, Migalhas e UOL