Desde 1981, o 24 de janeiro é o Dia Nacional dos Aposentados e Aposentadas. A data celebra a aprovação, em 1923, da lei que deu origem ao sistema de aposentadoria hoje existente. Mas, desde antes de 1923 e ao longo dos mais de cem anos que nos separam daquela data, esse direito nunca deixou de ser alvo de ataques reiterados. Por outro lado, foi a luta dos trabalhadores e das trabalhadoras que garantiu a legislação original e que até hoje reforça a ideia de que a “aposentadoria é um direito e respeitar as e os aposentados é um dever”, como diz a campanha que o Sintrajufe/RS lança nesta sexta-feira para marcar a data.
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Origem
Em 1917, mesmo ano da Revolução Russa, no Brasil se desenvolveu uma greve histórica que parou o país reivindicando, por exemplo, jornada de trabalho de oito horas e fim do trabalho infantil. Entre as pautas, estava também o direito à aposentadoria.
A greve de 1917 impulsionou as mobilizações dos trabalhadores no Brasil. E uma categoria central da classe trabalhadora brasileira naquele momento eram os ferroviários, fundamentais para a circulação de mercadorias em uma época em que as estradas de ferro eram a base do sistema viário. No início do século XX, foram diversas as greves da categoria, reivindicando direitos como a aposentadoria. Até aquele momento, os próprios trabalhadores e trabalhadoras se organizavam para manter caixas próprias que os dessem alguma segurança. Foi justamente como resultado dessas lutas que, em 1923, foi aprovada a Lei Eloy Chaves, considerada a origem da Previdência Social no Brasil.
A primeira lei
A Lei Eloy Chaves (Decreto 4.682/23) definiu que cada companhia ferroviária do país deveria criar uma caixa de aposentadorias e pensões (CAP), que teria a missão de recolher contribuições das empresas e dos funcionários e pagar o benefício aos aposentados. Para ter esse direito, que pagaria um pouco menos do que a média dos últimos salários recebidos na ativa, os trabalhadores deveriam ter no mínimo 50 anos de idade e 30 anos de serviço no setor ferroviário – esses mínimos poderiam ser reduzidos, com redução também do valor do benefício. Além da aposentadoria (ordinária ou por invalidez), a lei definia que as CAPs deveriam garantir “socorros médicos” para os trabalhadores e seus familiares, medicamentos com desconto e pensão por morte.
No primeiro ano de validade da lei, 27 empresas instituíram suas CAPs, mas não sem resistência. Foram denunciadas diversas tentativas de empresários de burlarem a legislação das mais diversas formas.
Leia AQUI a íntegra da Lei Eloy Chaves, de 1923.
Direito chega a mais categorias
Ao longo da década de 1920, as CAPs foram ampliadas para empresas de outros ramos, como portuário, de navegação marítima e aviação. Direito conquistado pouco a pouco com luta pelas categorias. Em 1933, a lógica previdenciária brasileira mudou com a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs). Se as CAPs cuidavam cada uma de apenas uma empresa, cada IAP abrangia uma categoria profissional inteira, nacionalmente, com suas próprias regras para aposentadoria, pensão e demais benefícios e uma estrutura administrativa própria. Até o final da década de 1960, os IAPs seriam a base a da estrutura previdenciária no país, incluindo a construção de hospitais e centros de saúde próprios.
A grande variedade de direitos oferecidos às diferentes categorias, porém, gerava dificuldades. Trabalhadores e trabalhadoras de categorias mais organizadas e com mais força social acabavam obtendo muito mais benefícios do que os demais. E mais: categorias onde havia maior relação de aposentados e aposentadas em comparação com trabalhadores ativos enfrentavam crises financeiras em seus institutos. Além disso, essa estrutura tornava inviável a aplicação de políticas previdenciárias em nível nacional. Em 1960, as regras foram unificadas, com fixação de valores para contribuições e benefícios; em 1966, os CAPs e IAPs (como o IAPI e o IAPETEC) foram extintos, sendo suas atribuições unificadas no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
Com o INPS, a gestão da previdência social passou a ser centralizada e as regras foram padronizadas. Com a unificação do sistema, também foi aberto caminho para que a cobertura previdenciária chegasse a trabalhadores antes não alcançados, como autônomos e empregados rurais. Em 1990, o INPS foi fundido com o Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS), dando origem ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que passou a administrar tanto os benefícios previdenciários quanto os assistenciais e hoje paga quase 40 milhões de benefícios mensalmente, incluindo o atendimento a 23 milhões de aposentados e aposentadas, apesar de o Brasil ainda ter cerca de 40 milhões de trabalhadores e trabalhadoras na informalidade.
A aposentadoria na Constituição
Embora a primeira legislação sobre aposentadoria tenha sido aprovada em 1923, o tema chegou pela primeira à Constituição em 1934. É nessa Carta que consta a primeira menção expressa aos direitos previdenciários, incluindo o estabelecimento da aposentadoria por invalidez e o benefício por acidente de trabalho para os servidores públicos. O texto citava o tripé trabalhadores-empregadores-Estado como sustentáculo financeiro desses direitos. Essa citação acabou omitida na Constituição de 1937, o que enfraqueceu os direitos. Em 1946, nova Constituição deu início a um sistema mais complexo de previdência social, incluindo direitos relacionados a maternidade, velhice, invalidez, doença e morte e definindo metodologias de contribuição novamente no sistema tripartite. Por fim, a Constituição de 1988 consolidou a previdência social como um sistema de direitos, baseado no princípio da solidariedade. E elencou a previdência como um direito social.
Reformas e ataques
Como se viu, já em 1923 os empresários não ficaram satisfeitos com a instituição do direito à aposentadoria. E, desde lá, as tentativas de retirar os direitos conquistados foram e são recorrentes. Diversas reformas com retrocessos foram aplicadas ao sistema previdenciário.
Em 1998, o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) aprovou uma reforma que gerou mudanças tanto para os trabalhadores e trabalhadoras do setor privado quanto do serviço público. Para os primeiros, o estabelecimento de período mínimo de contribuição e a criação do “fator previdenciário” para desestimular aposentadorias com menos idade. Para os servidores públicos, a fixação de idade mínima para aposentadoria e o fim da aposentadoria proporcional, que garantia a possibilidade de antecipação da aposentadoria.
Em 2003, a reforma veio do governo Lula (PT), focada nos servidores públicos federais. A medida aumentou a idade mínima, estabeleceu o teto de aposentadoria para servidores e servidoras e descontos em aposentadorias e pensões acima do teto do RGPS. Também acabou com a integralidade e a paridade.
E 2012, no governo Dilma Rousseff (PT), foi criado o fundo de previdência complementar para os servidores civis da União. Com a mudança, para receber aposentadoria acima do teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), passou a ser necessário contribuir à parte, para a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público da União (Funpresp). A lei sancionada por Dilma implementou o que já fora estabelecido no governo Fernando Henrique Cardoso, primeiro por emenda constitucional e depois por leis complementares que definiam a criação de planos de previdência complementar.
Por fim, em 2019, o governo de Jair Bolsonaro (PL) aprovou a emenda constitucional 103/2019, com uma reforma profunda no sistema previdenciário, ampliando a idade mínima e aumentando o tempo de contribuição. Também aumentou a contribuição previdenciária dos servidores e servidoras e reduziu o valor dos benefícios, como o cálculo que diminuiu drasticamente os valores das pensões. Outros itens da reforma foram barrados graças à luta dos trabalhadores: a intenção do então ministro Paulo Guedes era a criação de contas individuais de previdência, minando a solidariedade de classe e geracional e a contribuição do Estado. Parte da reforma de Bolsonaro está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), em ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que podem derrubar parcialmente os ataques.
Aposentadoria é um direito e respeitar as e os aposentados é um dever
Todas as conquistas relacionadas ao direito à aposentadoria e aos direitos previdenciários em geral foram fruto da luta dos trabalhadores e trabalhadoras. Mesmo com retrocessos sendo aprovados, outros ataques foram rechaçados graças à mobilização. Em todo o mundo, a previdência dos trabalhadores vem sendo ameaçada para o financiamento de guerras e políticas de ajuste fiscal. No Brasil, por exemplo, segue uma enorme pressão para desvinculação dos benefícios previdenciários do salário mínimo. Dessa forma, esses direitos devem ser compreendidos como requerentes de vigilância constante, considerando que há setores sociais que jamais se conformaram com essas conquistas da classe trabalhadora.
O Dia Nacional do Aposentado, portanto, além de celebrar o aniversário da primeira legislação sobre o tema, é momento de relembrar que os avanços obtidos não foram consequências naturais dos processos sociais, mas sim conquistas de uma luta que precisa continuar. Nos próximos dias, o Sintrajufe/RS irá divulgar uma série de matérias sobre temas relacionados aos aposentados, aposentadas e pensionistas que demarcam pautas deste momento, ameaças e tarefas que se impõem tanto aos aposentados de hoje quanto aos de amanhã.
Com informações do Conjur, BlogdoPrev, OAB, gov.br, Agência Senado, O Estado de São Paulo e CUT