SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

FOME E DESESPERO

Dezenas de pessoas arriscam-se em saque a trem em movimento por carne que não conseguem comprar em meio à pobreza crescente

Ví­deos gravados na periferia de Cubatão, no interior de São Paulo, trazem à tona mais uma vez a situação de fome e miséria que vem crescendo no Brasil no último perí­odo. Dezenas de pessoas saquearam um vagão de trem que estava carregado com carne bovina. Em entrevistas, sem se identificar, moradores que participaram do saque contaram que mal vêm conseguindo comprar comida.

Os ví­deos mostram o trem em movimento já com pessoas sobre um dos vagões. Depois, quando para, essas pessoas começam a jogar caixas para muitas outras, que aguardam embaixo, no chão. O teto do vagão foi cortado para que se obtivesse o acesso aos pacotes.

Ao portal Uol, uma jovem de 24 anos que participou da ação justificou o ato de desespero: Nós não temos de onde tirar dinheiro para comprar comida mais, tudo aumentou. Meu pai trabalha de segunda a segunda fazendo carreto. Eu trabalho meio perí­odo numa loja, minha mãe vende perfumes e cremes e meu irmão só estuda , afirmou, destacando que muitos vizinhos também estão sofrendo com dificuldades financeiras e, por isso, levaram os pacotes de carne para casa: Juntando tudo o que a gente ganha, mal paga o aluguel e as contas. O que a gente mais come é macarrão, porque é barato. Essa carne é um presente de Deus , completou.

O saque ao trem soma-se a muitos casos que, no último perí­odo, demonstram de forma concreta o agravamento do problema da fome e da miséria no Brasil. O consumo de carnes no Brasil seguiu a tendência que já vinha em 2021 e 2020 e chegou ao patamar mais baixo da série histórica, iniciada em 2010.

No ano passado, por exemplo, ganharam destaque nacionalmente cenas gravadas em uma fila do osso na cidade de Cuiabá: dezenas de famí­lias esperavam para receber de um açougue doações de ossos. Um ano depois, em julho de 2022, na região central do Rio de Janeiro, um grupo de pessoas foi fotografado procurando restos de alimentos em um caminhão de coleta de lixo. Outros registros desse tipo se espalharam pelo paí­s nos últimos anos, acrescentando drama à busca, cada vez mais comum, por restos de ossos de boi, pés de frango e outras soluções para o desespero que acompanha a fome em milhões de brasileiros e brasileiras. Em agosto, ganhou repercussão a gravação da ligação de um menino de 11 anos à polí­cia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte: Seu policial, aqui É porque aqui em casa não tem nada para a gente comer. Aqui, minha mãe só tem farinha e fubá para a gente viver , disse o menino.

Bolsonaro nega que haja fome no Brasil e corta recursos da área

Em um contexto no qual Jair Bolsonaro (PL) nega reiteradamente a gravidade do problema da fome no Brasil, os principais programas de assistência alimentar foram praticamente extintos do Orçamento apresentado pelo governo federal para 2023. Ações importantes tiveram cortes que variam de 95% a 97% na verba prevista para o próximo ano, como o Alimenta Brasil. Atualmente chamado Alimenta Brasil, o programa nasceu em 2003, no governo Lula (PT), como Programa de Aquisição de Alimentos, tendo como finalidades promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar. O Alimenta Brasil é o principal programa de aquisição de alimentos da agricultura familiar. Ele compra da produção agrí­cola de famí­lias e doa a comida para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional.

33 milhões passam fome no Brasil; hospitalização de bebês por desnutrição no Brasil atinge o pior ní­vel dos últimos 14 anos

Pesquisa divulgada em junho mostrou que mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com insegurança alimentar em algum grau, o que significa que 125,2 milhões de brasileiros estão nessa situação; 33 milhões são enquadrados em insegurança alimentar grave, ou seja, fome.

Ao mesmo tempo, o paí­s atingiu o pior í­ndice de desnutrição infantil dos últimos 14 anos: dados de 2021 mostram que, a cada 100 mil nascimentos no Brasil, 113 bebês de até 1 ano de idade são internados com insuficiência de nutrientes, desidratados e com quadros de infecção. Trata-se de aumento de 10,9% em relação a 2008 (101,9 casos de hospitalização), ano de iní­cio do perí­odo analisado. Em números absolutos, 2.939 crianças nessa faixa etária precisaram de internação no ano passado, segundo pesquisa inédita do Observatório de Saúde na Infância (Observa Infância), ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).