Com o aumento do desmatamento na Amazônia nos últimos anos e com a destruição dos biomas Pantanal e Cerrado seguindo no mesmo ritmo, nesta quinta-feira, 22, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) usou seu espaço na primeira sessão da Cúpula de Líderes mundiais sobre o clima para afirmar que, apesar das limitações orçamentárias do governo, determinou o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização.
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Ainda nem tinha concluído seu pronunciamento, as informações trazidas pelo presidente em sua fala começaram a ser contestadas e desmentidas nas redes sociais e na imprensa, repercutindo no Brasil e no exterior.
Como amplamente divulgado pelos meios de comunicação, 2020 foi o ano em que foram constatados os maiores focos de desmatamentos e incêndios na floresta amazônica nas últimas décadas. Imagens do pantanal e do Cerrado brasileiro em chamas também correram o mundo.
Para se ter uma ideia do tamanho da tragédia, em setembro de 2020, um incêndio de grandes proporções atingiu a região de Alto Paraíso (GO). O fogo se estendeu por mais de dez dias, destruindo 67 mil hectares, 22 mil no interior do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, o equivalente a 9% de sua área total.
Segundo informações divulgadas à época pelo Programa Queimadas, do Inpe, entre os dias 1 e 11 de outubro de 2020 foram registrados 9.884 focos de incêndio no Cerrado, incluindo a área da Chapada dos Veadeiros, sendo que em todo o mês de outubro de 2019 foram 8.356 focos.
Um mês antes, em setembro de 2020, matéria publicada pelo Brasil de Fato mostrou que o número de fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) despencou de 1.311, em 2010, para 591, em 2019, uma redução de 55%. Em 2020, o número de servidores contratados pelo órgão para fiscalização era 47% menor em relação ao início da última década.

Os números, portanto, contradizem as afirmações do presidente quando este diz trabalhar pelo fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização.
Em carta aberta, servidores e especialistas em meio ambiente denunciam desmonte do Ibama e do ICMBio
Recentemente, 93 servidores e servidoras da carreira de especialistas em meio ambiente, divulgaram carta afirmando que a fiscalização ambiental no país foi paralisada pelo governo Bolsonaro. O documento foi assinado por fiscais do Ibama, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e outros servidores e servidoras do setor ambiental.
Direcionada a Eduardo Bim, presidente do Ibama, a carta afirma que “todo o processo de fiscalização e apuração de infrações ambientais encontra-se comprometido e paralisado” por causa de um recente ato publicado pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido). Trata-se da instrução normativa conjunta do (Ministério do Meio Ambiente (MMA), do Ibama e do ICMBio número 1, do dia 12 de abril deste ano, assinada pelo ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), por Fernando Lorencini, presidente do ICMBio e por Bim.
A instrução altera o processo de fiscalização e multas ambientais no país. Segundo os servidores e as servidoras ambientais, as novas normas criaram um verdadeiro obstáculo à atividade de fiscalização ambiental federal, o que provocou um apagão no rito processual de apuração de infrações ambientais constatadas pelo Ibama e pelo ICMBio em todo o país.
Segundo análise do projeto Política por Inteiro, as novas regras concentraram maior poder de decisão em autoridades hierarquicamente superiores.
A carta também destaca que o ato resulta em uma nova troca de sistema, o que já havia ocorrido em 2019 e levaria a um maior gasto de dinheiro e tempo com criação e implantação. “Baseado na última mudança de sistemas feita em 2019, para a realização de todos os ajustes haveria necessidade de no mínimo um ano de trabalho e mais recursos financeiros dos órgãos, frente a um orçamento disponibilizado pelo governo federal cada vez menor”, diz o texto dos servidores.
Eles também afirmam que não foram convidados para participar da elaboração da nova norma, “condição que tem se repetido com frequência na atual gestão”.
Reforma administrativa e EC 95 fragilizam estrutura de fiscalização
Os problemas na área ambiental se sobrepõem desde que Bolsonaro assumiu a Presidência da República. Em setembro de 2020, servidores e servidoras do meio ambiente já reclamavam do sucateamento da área. Na época, Wallace Lopes, ex-superintendente substituto do Ibama no Tocantins, afirmou que a reforma dificultará a fiscalização e o papel de proteção dos biomas pelos agentes ambientais. A reforma administrativa tende a dificultar ainda mais a execução do nosso trabalho, porque fazer fiscalização, licenciamento, auditoria ambiental, regulação de agrotóxico sem estabilidade é algo impensável , disse ele em coletiva realizada no dia 4 de setembro, quando foi apresentado o dossiê Cronologia de um desastre anunciado: Ações do governo Bolsonaro para desmontar as políticas de meio ambiente no Brasil .
Após a emenda constitucional (EC) 95/2016, que congela investimentos e orçamento públicos por 20 anos, aumentaram vertiginosamente as dificuldades para a proteção ambiental e das terras indígenas no Brasil. Setores ligados ao agronegócio, apoiadores da EC 95/2016, desejam a flexibilização do licenciamento ambiental. Eles alegam que investir em proteção de reservas naturais é um gasto excessivo para o Estado. Por trás desse discurso, existe o desejo do desmonte das leis ambientais no país, a PEC 32/2020, da reforma administrativa também está a serviço deste ataque.
Sintrajufe/RS, com informações do Brasil de Fato e Folha de S. Paulo