O jornal Folha de S. Paulo resolveu dedicar-se abertamente a somar força à campanha de empresários por uma reforma administrativa que ataca o serviço público e os servidores e servidoras. Na capa e em mais uma página inteira da edição desse domingo, 17, o jornal defende diretamente o fim da estabilidade, caracterizando-a como uma “anomalia”. Essa campanha tem um endereço preferencial: os milhares de professores, médicos e trabalhadores de áreas chamadas “administrativas”.
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Na capa, um editorial informa, lamentando, que 65% dos servidores públicos brasileiros têm estabilidade. O jornal trata especificamente do momento da pandemia para lamentar que, enquanto o setor privado demitia trabalhadores e trabalhadoras e cortava salários, no serviço público “os funcionários estáveis seguiram incólumes e sem cortes nos vencimentos”. Ou seja, a Folha gostaria que servidores e servidoras que precisam sustentar suas famílias e pagar suas contas fossem demitidos ou tivessem seus salários cortados – e não que esse tipo de ataque não fosse desferido contra nenhum trabalhador.
O mesmo texto diz que tentativas de acabar com a estabilidade “têm sido barradas pelo lobby corporativo” – essa é a forma como o jornal caracteriza a luta dos sindicatos e dos trabalhadores e trabalhadoras por seus direitos. E lembra, de forma elogiosa, a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que autorizou a contratação de servidores por fora do Regime Jurídico Único, como CLT, com menos direitos – inclusive sem estabilidade.
Além do editorial, a Folha traz dois textos com pesquisas de opinião sobre o serviço público. Destaca que a maior parte da população se diz a favor da demissão por mau desempenho e também a favor de uma reforma administrativa – embora não especifique que conteúdo teria essa reforma, nem como seria avaliado o mau desempenho. Por outro lado, a maior parte dos entrevistados e entrevistadas na pesquisa também entende que servidores e servidoras “precisam da garantia de que não serão demitidos para realizarem um bom trabalho”. Ou seja, há uma concordância de que a estabilidade é importante para o bom funcionamento do serviço público.
Eco aos empresários que estão de olho nas terceirizações
Embora os grandes jornais sempre tenham defendido o fim da estabilidade e outros ataques a servidores e aos serviços públicos, os textos da Folha de S. Paulo aparecem com destaque ampliado poucos dias depois do lançamento de uma campanha de empresários nesse mesmo sentido. Como o Sintrajufe/RS noticiou no início do mês, entidades empresariais ligadas aos setores de varejo e de serviços estão ampliando a pressão sobre o Congresso e o governo por uma reforma administrativa com itens muito semelhantes à proposta de emenda à Constituição (PEC) 32/2020, apresentada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) e nunca votada em plenário. Há alguns itens até mesmo piores do que os da PEC. Mas a principal novidade – e um novo risco – é que a estratégia agora é enxertar os itens em diferentes projetos de lei já em tramitação.
Os pontos não são detalhados na carta, mas apontam as intenções gerais das entidades e sugerem a ameaça que representam. Eles incluem, por exemplo, a restrição da estabilidade para carreiras “ameaçadas de perseguição política”, desconsiderando toda a importância da estabilidade para o próprio funcionamento e impessoalidade dos serviços públicos oferecidos à população e deixando para os governantes e cúpulas de plantão o poder sobre a ocupação dos cargos públicos. Incluem também a demissão “por baixo desempenho”, ou seja, vinculando a manutenção de cargos à pressão das metas, levando ao serviço a lógica perversa do setor privado.
A proposta dos empresários também defende a possibilidade de redução temporária de salários em situações “como epidemias ou fortes restrições fiscais”. Dessa forma, se essa proposta já estivesse em vigor na pandemia de covid-19, servidores e servidoras teriam tido seus salários reduzidos. Além disso, não fica claro o que seriam “fortes restrições fiscais”, de maneira que qualquer alegado desequilíbrio poderia servir como pretexto para reduzir salários. Há também propostas que buscam legitimar socialmente o pacote de medidas como “a proibição de supersalários”, justamente o que o Congresso se recusa a acabar mesmo sabendo que a maior parte da magistratura recebe muito mais do que o máximo estabelecido pela Constituição (R$ 44.008,52) segundo levantamento feito pelo portal Uol no ano passado.
Entre outros pontos, a “reforma administrativa” defendida pelas entidades empresariais, sem que sejam apresentados detalhes, também propõe mudanças na regulamentação do estágio probatório, redução de salários iniciais e programas mais lentos de progressão, introdução de novos sistemas de avaliação, definição de ações para reformas administrativas estaduais e municipais e definição de promoções ao limite de 5% do total de pessoas em cada carreira a cada ciclo avaliativo.
Foto: Wilson Dias/EBC