Nessa terça-feira, 30, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL) 490/2007, conhecido como marco temporal . O PL altera a demarcação de terras indígenas e flexibiliza direitos indígenas estabelecidos pela Constituição. A discussão passa agora ao Senado, onde o governo Lula (PT) tem esperanças de barrar a mudança, caracterizada como um grave retrocesso pela ONU Direitos Humanos na América do Sul e criticada por todas as organizações de defesa dos direitos dos povos originários e ambientalistas.
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Diversos ataques
O projeto traz, entre outros pontos, o estabelecimento de um novo marco temporal para a demarcação das terras indígenas: ele define que só podem ser demarcados territórios já ocupados comprovadamente por indígenas quando da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Além disso, o PL 490/2007 autoriza garimpos e plantação de transgênicos dentro de terras indígenas, flexibiliza a política de não-contato de povos em isolamento voluntário e abre a possibilidade de realização de empreendimentos econômicos sem que os povos afetados sejam consultados. E mais: proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas e permite que a União retome uma área já reservada caso haja alteração dos traços culturais da comunidade , sem definir o que caracterizaria essa alteração.
As terras indígenas equivalem a quase 14% do território nacional e são os territórios em que a natureza permanece mais protegida. De acordo com o MapBiomas, as áreas privadas responderam por 68% de toda a perda de vegetação nativa no Brasil nos últimos 30 anos, enquanto as terras indígenas respondem por menos de 2% dessa perda.
Na semana passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já acelerara a tramitação ao conseguir aprovar, na semana passada, o regime de urgência para o projeto, no contexto da proximidade com a retomada do julgamento sobre o tema no Supremo Tribunal Federal (STF) (veja abaixo). Conforme Lira, que é favorável ao novo marco temporal, não votar o PL agora poderia gerar insegurança jurídica. Na prática, o presidente da Câmara atua mais uma vez para fazer avançar via Congresso a agenda política que foi derrotada nas eleições do ano passado, tal qual tem acontecido com outros projetos importantes.
Organizações condenam projeto e ministra denuncia genocídio legislado
Desde as primeiras decisões judiciais sobre o marco temporal e desde a apresentação do PL 490, ainda em 2007, as organizações ambientalistas e que lutam pelos direitos dos povos indígenas têm denunciado o projeto. Do ponto de vista ambiental, ressalta-se que a atuação dos povos indígenas e a proteção de suas terras é fundamental para proteger a Amazônia e manter a biodiversidade lá e em outros biomas. Ao mesmo tempo, o marco temporal e os outros itens previstos no PL 490 retiram direitos fundamentais de populações já vulnerabilizadas pelo avanço do garimpo e do desmatamento e pela precarização dos serviços públicos nos últimos anos.
Ainda na terça, foram realizados protestos contra o projeto em diversas partes do país, especialmente em estradas. Em São Paulo, a manifestação sofreu forte repressão da Polícia Militar, com bombas de efeito moral e tiros de bala de borracha, deixando diversos indígenas feridos. Em Brasília, indígenas de todo o país caminharam pela Esplanada dos Ministérios até o Congresso Nacional. Os manifestantes cobriram uma bandeira do Brasil com tinta vermelha para representar o sangue de indígenas que está sendo derramado no país . A ministra Sônia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas, foi incisiva: O projeto representa sim um genocídio legislado, porque vai afetar diretamente povos isolados , denunciou.
Governo quer derrotar projeto no Senado; STF também analisa tema
Com a aprovação na Câmara, o texto segue agora para o Senado. É por meio dos senadores que o governo Lula (PT) pretende barrar o projeto. No Senado, o governo avalia que há mais senadores simpáticos à pauta ambiental, entre os quais, segundo o portal G1, está o presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Com essa composição e com a pressão das organizações que têm condenado o projeto, parece possível derrotá-lo ou, ao menos, alterá-lo, fazendo com que o PL tenha que retornar à Câmara dos Deputados.
Ao mesmo tempo, a discussão sobre o tema corre no Supremo Tribunal Federal (STF), desencadeada por decisões da Justiça Federal de Santa Catarina em 2009 e 2013 que aplicaram a tese do marco temporal. A Fundação Nacional do índio (Funai) recorreu ao STF, onde o julgamento começou em 2021, com o relator, ministro Edson Fachin, entendendo que o marco temporal não deve ser aplicado por ferir a Constituição. O ministro Nunes Marques divergiu e se manifestou pela aplicação do marco temporal e, então, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista. Segundo a presidente do STF, ministra Rosa Weber, o julgamento será retomado em 7 de junho. Caso o STF decida que o marco temporal é inconstitucional, o PL 490 também poderá ser questionado nesses termos, mesmo que aprovado no Congresso e sancionado.
Com informações do portal G1, Cimi e Extra-Classe / Foto: Richard Wera Mirim / MiÌdia Guarani Mbya