SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

8 MOVIMENTOS

Avesso à estabilidade de servidores, Bolsonaro tentou forçar liberação de joias avaliadas em R$ 16,5 milhões; PEC 32 precisa ser definitivamente arquivada

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) atuou pessoalmente para tentar liberar um conjunto de joias e relógio de diamantes, no valor de R$ 16,5 milhões, que representante de seu governo tentou trazer, de forma ilegal, da Arábia Saudita para o Brasil. Como mostra matéria publicada pelo Estadão, Bolsonaro chegou a acionar militares, três ministérios e até um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) na tentativa de liberar os objetos.

Os presentes milionários dados pelo regime saudita acabaram apreendidos pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos (SP). Eles estavam na mochila de um militar, assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que viajara ao Oriente Médio em outubro de 2021, a serviço do governo brasileiro na reunião de cúpula Iniciativa Verde do Oriente Médio , na Arábia Saudita.

Veja as oito vezes em que Bolsonaro usou a estrutura do governo na tentativa de reaver as joias:

1. Nada a declarar

No dia 26 de outubro de 2021, Bento Albuquerque e seu assessor Marcos André Soeiro desembarcaram no Aeroporto de Guarulhos, provenientes da Arábia Saudita. O assessor trazia na mochila o estojo com as joias (um colar, um par de brincos, um anel e um relógio) para o casal Bolsonaro, acompanhadas de um certificado de autenticidade da marca Chopard.

O militar informou que não tinha nada a declarar . O objetivo era deixar a área do aeroporto sem registrar a posse dos bens estimados em 3 milhões de euros (R$ 16,5 milhões), infringindo a legislação. A manobra foi frustrada. Os servidores da Receita Federal pediram para conferir a bagagem logo que ele passou pelo raio X. Com a descoberta, os itens foram apreendidos.
2. A carteirada

Com a apreensão das joias, o ministro voltou para a área restrita do aeroporto, mesmo após ter passado pela alfândega, o que geralmente não é permitido, e fez a segunda tentativa. Ele alegou que era um presente para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e repetiu a mesma versão ao Estadão, acrescentando que o relógio era para o ex-presidente.

No ato de apreensão, foi dada ao almirante a opção de declarar que se tratava de um presente de um governo para outro, mas ele não a aceitou, pois, dessa forma, as joias teriam sido tratadas como propriedade do Estado brasileiro.
3. Privado X público

No dia 29 de outubro de 2021, o chefe de gabinete adjunto de Documentação Histórica do gabinete pessoal do presidente da República, Marcelo da Silva Vieira, enviou um ofí­cio para o chefe de gabinete do ministro de Minas e Energia, José Roberto Bueno Júnior. Ele afirmou que o encaminhamento das joias seria feito e que a análise seria para a incorporação ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República .

A regra sobre este assunto é clara. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), ex-presidentes só podem ficar com lembranças de caráter personalí­ssimo ou de uso pessoal, como roupas e perfumes.
4. Relações Exteriores

O Ministério das Relações Exteriores foi acionado por Bolsonaro e pediu, em 3 de novembro de 2021, que a Receita tomasse providências necessárias para liberação dos bens retidos . Após reiteradas negativas da Receita, o governo passou então a dizer que as joias seriam para o acervo, mas sem especificar qual.

Considerando a condição especí­fica do Ministro ” representante do Senhor Presidente da República; a inviabilidade de recusa ou devolução imediata de presentes em razão das circunstâncias correntes; e os valores histórico, cultural e artí­stico dos bens ofertados; faz-se necessário e imprescindí­vel que seja dado ao acervo o destino legal adequado , diz o ofí­cio do Itamaraty ao qual o Estadão teve acesso.

Em resposta, a Receita voltou a informar que só seria possí­vel fazer a retirada mediante os procedimentos de praxe nestes casos, com quitação da multa e do imposto devidos.
5. Minas e Energia

Também no dia 3, o gabinete de Bento Albuquerque reforçou a pressão sobre a Receita. Em ofí­cio, pediu a liberação e decorrente destinação legal adequada de presentes retidos por esse órgão . Assim como o Itamaraty, Albuquerque também passou a dizer que a destinação das joias seria o acervo, mas sem dizer qual. A Receita manteve a apreensão.
6. Comando da Receita

No fim do mandato de Bolsonaro, o então secretário da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes, entrou em campo. No dia 28 de dezembro de 2022, Gomes enviou ofí­cio para a área de alfândega do órgão em São Paulo pedindo a liberação das joias. Os servidores do órgão responderam, novamente, que só liberariam as joias mediante pagamento do imposto.
7. O gabinete de Jair Bolsonaro

Em 28 de dezembro de 2022, após seis tentativas frustradas, o próprio Bolsonaro entrou em ação. Ele enviou ofí­cio ao gabinete da Receita Federal para solicitar que as joias fossem destinadas à Presidência da República, em atendimento ao ofí­cio da Ajudância de Ordens do Gabinete Pessoal do Presidente da República . Novamente, o pedido foi negado.
8. O voo da FAB: (¦) tirar tudo e levar

A última tentativa de reaver as joias foi em 29 de dezembro de 2022, quando Bolsonaro estava prestes a deixar a Presidência da República. Mais uma vez, ele se colocou na linha de frente e tentou forçar a liberação das peças pela Receita. Por determinação de Bolsonaro, um funcionário do governo pegou um jatinho da Força Aérea Brasileira (FAB) e desembarcou no aeroporto de Guarulhos, dizendo que estava ali para retirar as joias. Não pode ter nada do (governo) antigo para o próximo, tem que tirar tudo e levar , argumentou o militar.

A justificativa do enviado de Bolsonaro desmente a versão do ex-presidente, que, após a revelação do caso, passou a dizer que as joias seriam para o acervo oficial. No entanto, a solicitação do chefe da Ajudância de Ordens do Presidente da República, à época o tenente-coronel Mauro Cid, para que a FAB levasse o primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva até São Paulo, em nenhum momento menciona que as joias seriam para o acervo da Presidência. O caso também nunca foi divulgado pelo governo anterior. Só veio a público com as denúncias da imprensa.

Regras para liberação

As joias foram consideradas bens do viajante, por isso seria preciso pagar os impostos para liberá-las. A única maneira possí­vel de se retirar qualquer item apreendido pela Receita na alfândega, com valor superior a US$ 1 mil, é fazer o pagamento do imposto de importação, que equivale a 50% do valor estimado do item, além de uma multa, que pode ser de 25% (em caso de pagamento no momento da apreensão) ou 50% (se em momento posterior), pela tentativa de entrar no Paí­s de forma ilegal. Se as joias fossem consideradas presentes do regime saudita ao governo brasileiro, elas passariam a compor o patrimônio da União e seria necessária a formalização.

Conforme apurado pelo Estadão, depois de passarem mais de um ano na alfândega, as joias e o relógio seriam oferecidos em leilão de itens apreendidos pela Receita por sonegação de impostos. O leilão, porém, foi suspenso, porque as joias passaram a ser enquadradas como prova. O Ministério da Justiça acionou a Polí­cia Federal para investigar os possí­veis crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outras ilegalidades.


Estabilidade de servidores, combatida por Guedes e Bolsonaro, impediu liberação ilegal

Ao longo de seu governo, Bolsonaro, reiteradas vezes, tentou atuar em órgãos públicos para defender interesses pessoais seus e de seus amigos. Essa atuação foi limitada devido à estabilidade de servidores e servidoras. Casos como o da tentativa ilegal de liberação das joias e do relógio de valor milionário mostram que, em que pese o desrespeito de Bolsonaro e de seus nomeados aos órgãos públicos, servidores e servidoras estáveis conseguiram manter as instituições funcionando, tanto para atender à sociedade como para dificultar práticas de corrupção.

Não por acaso, Bolsonaro apresentou e tentou aprovar a reforma administrativa (PEC 32/2020) em seu governo. O projeto era uma de suas pautas centrais e, sob o falso argumento de modernização, resultaria no desmantelamento dos serviços públicos, fim dos concursos e flexibilização da estabilidade de servidores e servidoras. Em ofí­cio às entidades de servidores federais do Executivo que negociam a reposição das perdas salariais, o governo Lula se comprometeu a tomar as medidas necessárias para arquivar a proposta na Câmara dos Deputados.


Editado por Sintrajufe/RS; fonte: Estadão