O site The Intercept publicou na última terça-feira, 7, reportagem na qual detalha um treinamento militar no qual os inimigos fictícios eram organizações de esquerdatambém fictícias, mas com claras referências ao Partido dos Trabalhadores (PT), ao Movimento dos Sem Terra (MST) e à Mídia Ninja. O treinamento, realizado em 2020, demonstra a politização dos quartéis e a ideologia apresentada aos soldados, em uma clara prática antidemocrática consonante com a orientação política do atual ocupante do Palácio do Planalto.
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O treinamento foi uma simulação na qual candidatos a integrar a tropa de elite do Exército tiveram de combater uma organização armada clandestina . No texto que apresenta o exercício, a força explica que o inimigo fictício surgiu de uma dissidência do Partido dos Operários , o PO , que recruta e treina militantes do MLT , o Movimento de Luta pela Terra . Como aponta a reportagem, o teor do exercício a que os oficiais do Exército submetem candidatos às suas Forças Especiais deixa claro que, passados quase 40 anos desde a redemocratização, a maior das três Forças Armadas não apenas segue a enxergar movimentos sociais e políticos de esquerda como inimigosela também está sendo treinada para combatê-los .
Participaram da Operação Mantiqueira sargentos de carreira e oficiais do Exército que eram alunos do Centro de Instrução de Operações Especiais, o CIOpEsp, localizado em Niterói, cidade da região metropolitana do estado do Rio. Ela foi a última atividade do curso que serve como vestibular para o ingresso nas Forças Especiais. Em 2020, segundo a fonte que entregou os documentos ao Intercept, de uma turma de quase 40 alunos, 17 foram aprovados para trabalhar no Batalhão de Forças Especiais, o BFEsp, sediado em Goiânia.
Doutrinação contra os movimentos sociais
O texto que apresenta o exercício aos alunos do CIOpEsp começa apresentando o Exército de Libertação do Povo Brasaniano , o ELPB, criado a partir de um projeto de partido político de caráter marxista e com uma organização armada clandestina, nascido de uma dissidência do Partido dos Operários e que recruta e treina militantes do MLT num país fictício chamado Brasânia. As referências, óbvias, são ao Exército de Libertação Nacional da Colômbia, ao Partido dos Trabalhadores e ao MST.
O CIOpEsp, em Niterói, e o BFEsp, em Goiânia, são subordinados ao Comando de Operações Especiais, que por sua vez é uma unidade do Comando Militar do Planalto, que abrange o Distrito Federal, Goiás, Tocantins, o Triângulo Mineiro e Brasília.
Em entrevista ao The Intercept, João Roberto Martins Filho, professor titular sênior de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos, a UFSCar, e um dos decanos dos estudos sobre militares no Brasil, criticou o exercício: É nitidamente um documento que faz um exercício de inteligência voltado para [combater] a esquerda, com referências temporais contemporâneas que marcariam hipotéticas ameaças , avaliou.
Para Juliano Cortinhas, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, a UnB, também entrevistado pelo The Intercept, o uso de termos nos documentos do treinamento não é aleatório. Dizer que o partido tem caráter marxista é totalmente inútil [para uma ação militar], só serve para doutrinação, para relacionar a esquerda a ameaças. Toda a nomenclatura indica a necessidade de doutrinação , avaliou ele, que também coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional. Conforme o especialista, uma operação como essa, de Forças Especiais, seria completamente ilegal. Não há nenhum respaldo legal ou constitucional [para uma ação como a simulada no exercício]. Ele está desconectado de qualquer respeito ao estado de direito brasileiro .
Editado por Sintrajufe/RS; fonte: The Intercept