Em 17 de abril de 1996, no Pará, cerca 1.100 trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra marchavam exigindo do governo agilidade na reforma agrária. O objetivo era chegar à capital, Belém. Na curva do S, no município de Eldorado dos Carajás, a Polícia Militar aguardava. Tinha ordens do então governador, Almir Gabriel (PSDB), de desobstruir a via. Dezenove camponeses foram mortos no local; dois morreriam no hospital. Dos 155 PMs que participaram da ação, apenas dois acabaram condenados, mas só foram presos dez anos depois da sentença.
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Em 25 de junho de 2002, foi sancionada a lei 10.469, instituindo o 17 de abril como Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária; passou a ser também o Dia Internacional da Luta Camponesa. No último sábado, 17, para lembrar a data e os 21 mortos no ataque policial, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) fez diversos atos (simbólicos, devido à pandemia). Na véspera, foi divulgado um vídeo com depoimentos de artistas. Além de lembrar a data, falaram sobre o crescimento da fome no país, de solidariedade e cobraram ações efetivas do poder público.
Impunidade
“No fim, quem ficou preso para sempre embaixo da terra foi cada um de nossos companheiros”, disse Zelzuíta Oliveira de Araújo, sobrevivente do massacre, à Folha de S. Paulo. Dos 155 PMs que participaram da ação, somente dois oficiais foram condenados. Os demais ganharam absolvição por falhas na investigação e ausência de perícias logo após o assassinato. Em sua maioria, os PMs estavam sem a identificação obrigatória no uniforme.
As condenações por assassinatos decorrentes de conflitos de terra no Brasil são poucas. De acordo com levantamento da Folha de S. Paulo, de 1985 a 2020, 1.973 trabalhadores e trabalhadoras rurais foram assassinados. Apenas 6%, 122 casos, foram julgados, resultando na condenação de 35 mandantes e 105 executores.
No caso de Eldorado dos Carajás, apesar da enorme repercussão no país e no exterior, houve uma série de falhas da polícia e manobras jurídicas. O coronel Mário Colares Pantoja, que comandava o 4º Batalhão de Polícia Militar em Marabá, e o major José Maria Pereira de Oliveira, que comandava uma companhia independente da PM, foram os únicos levados a julgamento; as penas foram de 228 anos e 158 anos, respectivamente. Por força de habeas corpus, só foram presos em 2012. Em 2018, alegando problemas de saúde, ambos passaram a cumprir pena em casa, com tornozeleira eletrônica. O coronel morreu em 2020.
No governo Bolsonaro, menor índice desapropriação de terras para reforma agrária desde 1995
A reforma agrária sempre foi um processo lento e sangrento no Brasil. No entanto, sob o governo Bolsonaro, houve paralisação total. Em fevereiro, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) informou ao STF que o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) zerou a edição de decretos de desapropriação para reforma agrária e fez a menor aquisição de terras com essa finalidade desde 1995 (ano em que começou o levantamento).
O atual governo também registra o menor orçamento para aquisição de terras, segundo dados referentes ao período de 2011 a 2020. Sob Bolsonaro houve, ainda, menos famílias assentadas do que em dois anos de Michel Temer. E bem menos do que nos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma.
Segundo o Incra, não houve uma paralisação, mas o governo estaria orientando esforços para regularização fundiária e titulação das terras. No entanto, de acordo com João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST, em matéria publicada no site da CUT, a “regularização” de terras seria favorecer os grileiros, ou seja, transformar terras públicas em privadas, favorecendo grandes fazendeiros. Segundo ele, “é o grilo recebendo o carimbo do Estado brasileiro. Nada mais é do que a grilagem de terras públicas, agora com a assinatura do governo federal”. Rodrigues afirma que a política do governo é de “armar” o latifúndio, passar terras à iniciativa privada e dar prioridade ao agronegócio.
Sintrajufe/RS; fonte: CUT Brasil, Folha de S. Paulo