SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

FORMAÇÃO

Em live do Sintrajufe/RS, debatedores falam sobre colapso da democracia e pós-verdade no Brasil atual

O colapso da democracia e a pós-verdade foi o tema da 6ª edição do projeto Conversas Impertinentes, do Sintrajufe/RS, em live no dia 10. Os debatedores, o diretor do sindicato e da Fenajufe, economista e bacharel em Direito, Edson Borowski, e a integrante da Marcha Mundial das Mulheres e do coletivo Pão com Ovo Regina Abrahão falaram sobre como essas questões se inserem no Brasil atual.

A mediação do evento foi feita pelo diretor do Sintrajufe/RS Paulo Oliveira. Momento em que a verdade e os fatos objetivos são substituí­dos por apelos emocionais. Ele falou que vivemos um perí­odo em que as pessoas se fixam naquilo em que acreditam, no que querem, e não, necessariamente, nos fatos. Não parece haver uma preocupação com a credibilidade da fonte da informação. Parece que estamos em um momento de perversidade, até no sentido psicanalí­tico do termo , afirmou.

O Brasil se alimenta de golpes permanentes

Ao falar sobre as mais de 610 mil mortes por Covid-19 no Brasil, Edson Borowski afirmou que foram provocadas por um governo genocida e, através de mentiras e fake news . Mostrando como exemplo o Uruguai pré-ditadura, nos anos 1960 e 70, ele disse que a construção de um Estado terrorista pode se dar ao longo de gestões eleitas pelo povo e que desembocam em redução de garantias de direito, em terrorismo de Estado e depois, efetivamente, em um ato golpista. Edson destacou que vivemos aqui no Brasil, até 7 de setembro, uma construção permanente de um golpe, que não arrefeceu , pois ainda há sinais de posturas golpistas.

O convidado fez um breve histórico sobre a democracia no ocidente. No chamado berço da democracia, a Grécia, a democracia foi construí­da para a elite, racista, a participação das mulheres e de quem não detinha bens. Ressalvou que havia, em Aristóteles, uma preocupação com a desigualdade, que é algo que, efetivamente, impede a participação. Já no século XVIII, Jean Jacques Rousseau revisou conceitos gregos e introduziu, para a elite da época, a ideia de uma democracia em que os mais sábios devem governar, ou seja, na qual povo não é sujeito. Edson destacou que essa foi a ideia seguida pelas revoluções liberais do século XVIII, como a norte-americana, fundada sobre o racismo .

O debatedor ressaltou que o Brasil se alimenta dos golpes permanentes . A república originou-se de um golpe; Getúlio deu um golpe em 1930 e, posteriormente, impôs o Estado Novo. Edson explicou que a sociedade brasileira, ainda com forte viés escravagista, fez diversas tentativas de evolução social, a partir de uma industrialização, e então a elite deflagrou o golpe de 1964, para cessar qualquer avanço.

Na avaliação de Edson, o golpe de 2016, que derrubou a então presidente Dilma Rousseff, foi gestado em 2013, na absorção das ideias dos movimentos de junho de 2013 pela mí­dia e pela elite. A linguagem das ruas, que buscavam mais direitos, foi absorvida, transformada e capturada.

As pessoas já não acreditam nos fatos

A pós-verdade, termo que se popularizou no iní­cio do governo Trump, dialoga com a possibilidade de manipulação das mentes para uso das elites, da captura do mental, da capacidade das pessoas de reagirem a algo que elas não entendem e não conseguem definir se é verdade ou não, afirmou Edson Borowski.

A humanidade passou por várias mudanças de paradigmas culturais, como a escrita, os alfabetos, a imprensa. Edson entende que estarí­amos agora em uma mudança de paradigma comportamental ditada pela evolução na área de tecnologia da informação e hardware que mudou nossa perspectiva de vida e a forma como nos relacionamos. Essa mudança traz também uma mudança na forma como recebemos informações, que não é mais, necessariamente, mediada pela mí­dia, no ciberespaço, há uma possibilidade de comunicação sem filtro , apontou Edson.

Ele explicou que, ao mesmo tempo em que se tem muitas informações, elas muitas vezes não podem ser confirmadas quanto a sua veracidade, e os algoritmos criam bolhas nas quais as pessoas recebem apenas certo tipo de informação, de determinados tipos de fonte.

Para Edson, a internet tem uma lógica comercial que foi absorvida por vários ideólogos da direita. Um dos efeitos colaterais, apontou, é que os influenciadores já são a segunda fonte de tomada de decisões e, em 2018, foi eleita uma bancada dos youtubers nas Assembleias e no Congresso, muitos deles eleitos em cima de fake news.

Por que as pessoas acreditam em fake news? Uma das respostas, segundo Edson, é que “o sonho americano, ou o sonho de consumo, é irrealizável, o capitalismo jamais vai permitir o consumo para todos os povos de uma forma equânime, igual, e as pessoas se frustram e aí­ são alvos fáceis para os discursos de ódio . As pessoas já não acreditam nos fatos; elas se utilizam do viés de confirmação, ou seja, acreditam simplesmente e não importa se seja verdade ou não, pois aquela notí­cia falsa confirma suas crenças, suas formas de ver o mundo, o que conta é o viés social, elas acreditam porque receberam de pessoas próximas.

Isso tudo, analisa Edson, faz sentido para a estrutura econômica do capitalismo: “precisamos manter uma massa pobre, desigual, para que ela possa ser manipulada não somente do ponto de vista da exploração da mão de obra, mas da exploração da sua mente”.

O modelo de democracia tem seus limites, tutelados pela elite, que usa o braço armado do Estado para opressão , afirmou Edson. E a saí­da para a classe trabalhadora continua sendo a luta, a organização. Para ele, apoiar os sindicatos, apoiar as lutas sociais, denunciar o racismo, a homofobia, o machismo e combater o fascismo são maneiras como podemos tentar furar a bolha , usar as redes sociais, sim, mas de forma a potencializar todos os avanços que tivemos, nos em vinte anos, na evolução do reconhecimento de direitos .

A religiosidade é um importante ponto de apoio das fake news

A debatedora Regina Abrahão falou sobre a estreita relação entre Estado e religião no Brasil, desde o perí­odo colonial, ressaltando que, na Constituição de 1824, a religião católica foi tornada religião oficial do paí­s. Religiosidade é um importante ponto de apoio das fake News , afirmou. Ela destacou que determinados ramos das igrejas neopentecostais são fonte de disseminação das fake news.

Para Regina, as fake news se criam pela falta de conferência quanto às informações e pela insistência com se são disparadas, o que faz com que as pessoas acabem acreditando que sejam verdade. Na opinião da debatedora, a mí­dia tem um papel muito grande, pois ou produz, ou ignora ou não desmente as fake news. Ela deu como exemplo a Globo e seus veí­culos de comunicação. Durante a pandemia, foi feito um esforço para mostrar que a cloroquina não tem eficácia contra Covid-19, e está correto, disse Regina, pois está fazendo o papel da imprensa, mas, questionou, “e quanto às outras inúmeras mentiras que foram ditas?”. A debatedora exemplificou com o fato de a mesma Globo nunca ter feito reportagens desmentindo um dos pilares da campanha da direita em 2018, o “kit gay”.

A pós-verdade, avaliou Regina, avança com a ascensão do fascismo. E, alerta, mesmo que não tenha o mesmo nome, foi muito usada por Mussolini e Hitler. Para ela, a legislação para verificação de fake news é muito lenta e deveria haver uma preocupação maior com o assunto.

A ascensão da direita fascista no Brasil parece que enterrou a autocensura em relação a manifestações de preconceitos raciais, misoginia, contra PCD, é um coletivo de absurdos , disse Regina. Para ela, uma maneira de combater a atual situação é um trabalho de formiguinha , pela insistência, pela conversa, tentar desconstruir as falsas verdades impostas.

Regina reconheceu que está muito difí­cil, com o desemprego, a pandemia, os movimentos antivacina. Se criou no Brasil uma configuração de maldade, mas penso que isso não vai ser eterno. Ela também apontou que é preciso insistir com as pessoas que não se pode eleger outro conjunto de parlamentares como o atual, explicar o que cada parlamentar faz. Temos que pensar, falar e chamar, pensar em quem vamos dar o nosso voto; não é só derrubar o Bolsonaro, mas aquela catrefa que dá apoio a ele”.